Sergei Lebedev tem conquistado espaço entre as novas gerações da literatura russa. Os seus livros estão traduzidos para cerca de vinte línguas, e os romances focam-se no passado recente soviético e nas suas ramificações para o presente. Assim, lê-lo é também entender a contemporaneidade.

Em O veneno perfeito, o autor parte da I Guerra Mundial para explicar o percurso da União Soviética com neurotoxinas e venenos letais. A acção percorre várias décadas e foca-se na obsessão de Katilin, um químico que queria à força toda desenvolver um veneno que não apenas fosse mortal como também indetectável. Queria ainda, na sua fórmula, impedir a possibilidade de qualquer antídoto. Contra a curiosidade científica, haveria sempre corpos a tombar, e o cientista lá foi sentindo remorsos. Chegou então o colapso da União Soviética e Katilin fugiu do país, protegido por uma nova identidade, para a Europa Ocidental.

Com isto, temos um olho que vai ao âmago da História. Ao longo da narrativa, também o leitor cogita as responsabilidades éticas dos cientistas que estavam ao serviço de autocratas. Por vezes, entende-se o avanço científico como despido de qualquer implicação humana, ainda que esse avanço exista só como forma de controlo e exercício de poder. Ao construir a narrativa, o objectivo do autor foi amplo, passando pelos laboratórios nazis, as conspirações estalinistas e o desenvolvimento da Rússia até à contemporaneidade.


Título: “O veneno perfeito”
Autor: Sergei Lebedev
Editora: D. Quixote
Tradução: Helena Topa
Páginas: 256

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Ao mesmo tempo que se inicia um debate sobre o ónus da criação, há também uma sub-camada que representa a necessidade de sobrevivência. A acção tem um ritmo intenso, percebe-se o objectivo de fazer um romance ao jeito de um thriller. Ao explorar um contexto que não pode existir numa dimensão única, o autor russo soube levar para a narrativa os movimentos políticos enquanto elementos internos do romance. Assim, não só as personagens não existem sem eles, como são quase unicamente o seu resultado, e por isso a dimensão do desenvolvimento emocional e psicológico sai afectada, não sendo alvo de grande cuidado ou atenção por parte do autor. Tal é comum em romances que pretendam concatenar elementos históricos, instrumentalizando as personagens de forma a permitir a concretização da narrativa. Ainda assim, salta à vista, no decorrer da leitura, que o interesse do autor era construir um enredo, e que este foi sendo feito em detrimento de outros aspectos que confeririam a outra veracidade à linha narrativa – não apenas histórica, mas também, e principalmente, emocional, com uma empatia criada via reconhecimento da personagem como uma pessoa do princípio ao fim.

Como a prosa é brusca, por vezes também parece apressada, tendo laivos de roteiro. Alguns parágrafos, por sua vez, parecem didascálias. O que podia ter o intuito de ser uma prosa seca, desprovida de folclore, acaba por transformar-se em indicações para o leitor, que parece estar a ser despachado com informação funcional que lhe contextualize a cena. Um exemplo:

O tenente-coronel Cherchniov tinha tirado o dia de folga. Ia à festa de anos do filho. Fazia dezasseis. Último ano da escola.” (p. 41)

Além disso, nota-se que há um défice de diálogos, não porque o romance tenha de existir por essa via, mas porque quase toda a narrativa se compõe de pensamentos de personagens, o que faz com que o leitor nunca as veja em acção, o que também cria a distância.

Ainda assim, sendo o foco do autor o enredo, o arco da narrativa está bem montado, tratando conflitos da História com sensibilidade e deixando claro que as tensões criadas por autocracias afectam o mundo posterior durante décadas. Nisso, o que parece oculto mostra-se vivo, e a tensão continua a respirar devagarinho.

A autora escreve segundo o antigo acordo ortográfico