Um super-herói precisa de uma boa história de origens. Jennifer Walters (Tatiana Maslany) atira isso à cara do espectador num ápice. Na primeira cena prepara-se para os argumentos finais de um caso (é advogada) e em poucos segundos percebe-se o quão boa é no seu trabalho. E, também, no tipo de ambiente tóxico que a rodeia. Terminado o exercício, vira-se para o espectador – fá-lo por diversas vezes – e relembra-o de que não está ali para ver uma série de advogados, mas de super-heróis. E que um super-herói precisa de uma história de origens. E precisa. E é isso que se propõe  a contar. Feita essa tarefa, “She-Hulk: Attorney At Law” volta a ser uma série de advogados. Uma com super-heróis. É esta a proposta da mais recente série da Marvel, que estreia quinta-feira no Disney+ e que terá nove episódios, um por semana, até meados de outubro.

E que proposta. “She-Hulk” sente-se como uma série leve, apesar de estar sempre a espicaçar a toxicidade masculina no local de trabalho – e não só – e a vulnerabilidade das mulheres em qualquer situação. A parte do “leve” é particularmente importante, porque apesar de criar ligações com outras personagens do universo da Marvel, vê-se sem aquela pressão de que é necessário estar em cima de x situação ou de personagem y, tudo acontece com uma inesperada falta de presunção de expectativa daquilo que o espectador conhece. Por isso, convida a que se entre nela e que se experiencie o divertimento. Porque “She-Hulk” é, apesar dos seus temas, apesar dos super-heróis, uma série de comédia. Com advogados.

[O trailer oficial de “She-Hulk: Attorney at Law”]

Tatiana Maslany (que chamou a atenção em “Orphan Black”) é uma escolha perfeita para o papel. Seja quando é humana ou quando personifica a sua versão mulher-gigante-verde. Nos quatro episódios a que tivemos acesso antes da estreia é bastante óbvia esta ideia de que “She-Hulk: Attorney At Law” é uma série da Marvel diferente das outras. Não é necessariamente um sinal de que as coisas vão mudar a partir de agora, é apenas diferente, uma série sem o peso de mais de uma década de filmes e séries do Universo Cinematográfico da Marvel.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Eis então a sua história de origem. Jennifer Walters é uma advogada, trabalhou a vida toda para isso. Tem nas suas mãos um caso que pode mudar tudo, isto é, a nível da sua carreira e lugar na empresa. Não o quer desperdiçar. Assim que o espectador sabe disso, Jennifer faz o tal aviso – de que não se está ali para ver uma série de advogados (embora se esteja) – e relembra que tem uma história de origens. E entra-se nela. Quem não sabe, fica a saber que é a prima de Bruce Banner (Mark Ruffalo), o Hulk. E, numa situação algo caricata, é contaminada pelo seu sangue e transforma-se numa monstra verde. Banner/Hulk, que passou grande parte da sua vida a controlar o bicho, leva-a para uma espécie de retiro numa ilha no México, onde tem um grande – e caríssimo – laboratório. É lá que vai ensinar Walters a controlar as suas transformações.

Só que… não é bem assim. A genética de Walters é diferente. E isso torna a travessia da personagem para a vida real muito mais pacífica do que Banner desejaria (porque ele gostaria de ter alguém para ensinar tudo o que aprendeu… e porque é homem). Walters regressa rapidamente ao mundo real com o poder de se transformar na She-Hulk quando quiser. Regresso então ao início da série e o caso que poderia mudar a vida da advogada: no momento de apresentação dos argumentos finais, o tribunal é invadido por uma vilã e Walters vê-se obrigada a transformar-se em She-Hulk – revelando a sua identidade secreta ao mundo – para salvar o dia. Salva o dia mas perde o trabalho.

Aquilo pelo qual trabalhou toda a vida parece estar mais distante do que nunca. E, a partir daí, a série faz um exercício interessante sobre questões de feminino vs. masculino nas relações laborais e intensifica isso com o facto da protagonista ser uma espécie de uma espécie de super-herói. E é por aí que consegue um novo trabalho (não demora muito), um escritório de advogados, que outrora fora seu rival, quer contratá-la para uma nova divisão especialmente dedicada a defender humanos ou seres com superpoderes. Nesse momento, a série leva com um pequeno twist e transforma “She-Hulk” num produto bem embrulhado e divertido.

Walters não é a primeira personagem que exerce a lei no Universo Cinematográfico da Marvel. Já existe Matt Murdock (Demolidor), que terá um papel nesta série (é visível num dos teasers de promoção). Mas “She-Hulk: Attorney At Law” pega no modelo de “séries sobre advogados” e transforma-o de tal maneira que se vê sem pensar nisso, ou até pensar que é uma série onde a protagonista tem a habilidade de se transformar num ser verde e praticamente indestrutível. Comédia, leveza, boa disposição e o cuidado de criar uma personagem para o contexto série, que não é independente do universo maior da Marvel, mas que se sente como tal, fazem de “She-Hulk: Attorney At Law” o elixir perfeito para a exaustação que se sente com o peso da marca Marvel. Sim, há Hulk, há imensas outras personagens de outros filmes/séries/contextos, mas pode-se ver perfeitamente alheado de tudo isso. É saudável, finalmente, ter uma série da Marvel da qual se pode desfrutar sem compromisso. Mesmo que ele exista, no futuro, não se sente, por agora, que isso vá acontecer. E, acima de tudo, não precisamos dele.