Aqui há poucos meses, estreou-se nos EUA “Something in the Dirt”, o novo filme do duo Justin Benson/Aaron Moorhead (“O Interminável”, “Sincrónico”), em que dois homens presenciam acontecimentos paranormais no prédio de Los Angeles onde vivem e procuram documentá-los para ganharem dinheiro e serem famosos, acabando por ficarem em perigo à medida que vão explorando os estranhos fenómenos. A premissa de “Something in the Dirt” é, por coincidência, semelhante à de “Nope”, de Jordan Peele, que tem um orçamento maior, atores mais conhecidos e mais pretensões do que a modesta fita de Benson e Moorhead.

Quase totalmente livre do “wokismo” militante de “Foge”, e do metafórico de “Nós”, “Nope” passa-se num vale isolado nos arredores de Los Angeles, onde o lacónico e ensimesmado OJ Haywood (Daniel Kaluuya) e o pai Otis (o veterano Keith David) têm um rancho onde criam e treinam cavalos para filmes e séries de televisão, o único do género propriedade de negros, como dizem orgulhosamente, vizinho de um parque temático de “cowboys” propriedade de Ricky “Jupe” Park (Steven Yuen) e da mulher. Ricky foi ator na infância e sobreviveu a um bizarro massacre, nos anos 90, durante a rodagem de uma série de comédia familiar de cujo elenco fazia parte, e que ficou, macabramente, na história da televisão.

[Veja o “trailer” de “Nope”:]

Depois de um insólito acontecimento que causou a morte do pai (uma chuva de moedas, chaves e outros objetos quotidianos), OJ e a irmã Em (Keke Palmer), uma irritante fala-barato que também tem parte no negócio da família, descobrem uma presença alienígena que se esconde numa nuvem do céu na região, e que anula a eletricidade e os aparelhos eletrónicos sempre que se manifesta. Decidem então tentar fotografá-la ou filmá-la e fazerem dinheiro para salvar o rancho, com a ajuda de Angel (Brandon Perea), um técnico de uma loja de eletrodomésticos e de informática, e ainda de Antlers Host (Michael Wincott), um célebre e excêntrico diretor de fotografia.

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[Veja uma entrevista com Jordan Peele:]

Com o seu título críptico, “Nope” é um filme elíptico e misterioso, muito próximo, no tom, no registo narrativo e na atmosfera de permanente inquietação, de “Sinais”, de M. Night Shyamalan, com sugestões de “Encontros Imediatos do Terceiro Grau”, de Steven Spielberg, e reminiscente, na forma, de “Tubarão”, também de Spielberg, mas com um OVNI a fazer as vezes do enorme esqualo, que aqui os intervenientes querem captar em imagens e não destruir. Isto é, até OJ descobrir a sua verdadeira natureza. Jordan Peele tinha tudo para fazer aqui um bom e tenso filme de ficção científica com tema, sabor e atmosfera de “UFO movie” de série B , mas dispondo do dinheiro e dos meios de uma produção confortável, mas acaba por não conseguir.

[Veja uma cena de “Nope”:]

Tal como já sucedia com “Nós”,  “Nope” é longo demais e Peele perde o ritmo, deixa o filme entorpecer e dispersa-se em distrações laterais (caso da história de Ricky, que ainda por cima nunca é devidamente ligada ao enredo principal) em vez de se centrar no que importa. E quando é revelada a verdade sobre o fenómeno cósmico (bem conseguido visualmente) que assombra a zona, não se preocupa em o tornar minimamente credível ou de nos fornecer uma explicação sobre a sua existência e propósitos, por mais primária e sintética que seja, coisa de que um escritor de ficção científica não pode prescindir, mas de que os cineastas parecem estar dispensados. Daí que a partir dessa altura “Nope” nos perca e fique por sua conta, e o seu título passe a ser a resposta à pergunta: “Gostaste do novo filme do Jordan Peele?”