Dan Price, o CEO da tecnológica de processamento de pagamentos Gravity Payments, teve uma ascensão meteórica nos media quando anunciou que iria cortar no seu ordenado para que o salário mínimo anual na empresa de 110 pessoas chegasse aos 70 mil dólares. A título de comparação, o salário mínimo anual nos Estados Unidos ronda em 2022 os 15.080 dólares

O anúncio agitou as águas e garantiu ao norte-americano uma legião de fãs nas redes sociais, do Twitter ao LinkedIn. Só nesta última rede social, o perfil de Price é seguido por mais de 783 mil pessoas. Da noite para o dia, Price estava nas páginas do New York Times, era entrevistado pela NBC News e até fazia sessões fotográficas para a revista Esquire. Chegou inclusive a ir ao “Daily Show”, nos primeiros tempos do sul-africano Trevor Noah à frente deste programa de televisão, após a despedida de Jon Stewart.

A decisão de subir salários até levou Price a ser entrevistado pelo então responsável pela pasta do emprego no governo norte-americano, na altura Robert Reich, que chegou a apelidá-lo de o “CEO moral da América”. A torto e a direito, as redes sociais eram inundadas com publicações de Dan Price com críticas ao capitalismo instalado no país e de como “tirar alguém da pobreza é o antidepressivo mais eficaz do mundo”. Ainda hoje, quase sete anos após a decisão de subir salários, as publicações do norte-americano são partilhadas por milhões de pessoas.

Enquanto geria a tecnológica a partir de Seattle, Dan Price tornou-se um verdadeiro influencer do mundo laboral. No Instagram, por exemplo, é seguido por 277 mil pessoas, onde partilha no seu perfil a máxima: “só a tentar defender o underdog [alguém numa posição de fragilidade, numa tradução livre]”.

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Mas, de acordo com uma investigação feita pelo jornal New York Times, a vida fora das redes sociais de Dan Price é, alegadamente, bastante diferente. O jornal norte-americano entrevistou mais de 50 pessoas, que revelaram um padrão de alegados abusos e comportamento hostil na empresa. Já documentos consultados pelo jornal e relatórios policiais apontam para alegadas violações e abusos físicos e emocionais.

O NYT falou com “mais de uma dúzia de mulheres” que garantiram ter tido encontros “predatórios” com Dan Price. As redes sociais, nomeadamente o Instagram, seriam uma das formas do CEO da Gravity conhecer mulheres — e normalmente Price iniciava os contactos. São mencionadas pelo menos quatro mulheres, que vieram a público relatar as relações que tiveram com Price, incluindo a sua própria ex-mulher, Kristie Colón. O casamento terá, aliás, chegado ao fim devido a acusações de violência doméstica.

Em 2015, Colón até fez uma sessão TEDx Talk, na Universidade do Kentucky, onde relatava a sua versão dos factos. Enquanto Dan Price partilhou com os media que o casamento terminou de forma amigável, a versão de Colón era bastante diferente. “Começou a esmurrar-me no estômago e deu-me uma chapada”, cita o NYT, a partir de um pedaço do vídeo. Dan Price comentou na altura que esses incidentes “nunca tinham acontecido”.

O que também não aconteceu foi a divulgação dessa TEDx Talk online, algo que foge do padrão de tornar estas conversas disponíveis na plataforma YouTube. O NYT explica que, quando contactada a Universidade do Kentucky, a apresentação poderia ser “considerada difamatória”, tendo a instituição de ensino superior optado por “não partilhar o vídeo”.

Uma das antigas namoradas de Dan Price relata um caso que remonta a 2021. Terá conhecido o executivo através do Instagram e, num dos encontros, Dan Price terá demonstrado alguma agressividade quando Kacie Margis, modelo e artista, evitou um beijo. Algum tempo depois, o CEO da Gravity terá tentando ter relações sexuais com Margis, sendo novamente rejeitado. Kacie Margis contou que tomou um comestível de canábis para tentar dormir. Ao NYT contextualiza que assistiu a um tiroteio em massa num festival de música em Las Vegas, em 2017, algo que lhe tira o sono e leva a ingerir esses produtos para conseguir dormir. Kacie Margis acusa Dan Price de a ter violado enquanto dormia. A jovem fugiu e apresentou uma queixa na polícia por violação no dia seguinte.

Esta não é a única acusação feita a Price nesta investigação. Serena Jowers acusa-o de ter tentado pressioná-la a ter relações sexuais e de gravar o encontro. Este seria, aliás, um padrão recorrente em Dan Price, já que há mais três mulheres que disseram ao NYT que também se aperceberam de que estariam a ser gravadas.

Uma ex-namorada, que preferiu não ser identificada, acusa Price de ter tido relações sexuais com ela três vezes enquanto dormia, sem consentimento.

Com algumas queixas feitas por diferentes mulheres, num dos casos Price já foi acusado pelas autoridades por condução perigosa e agressão — caindo a acusação de agressão com motivações sexuais –, tendo sido ouvido pelo procurador responsável pelo caso em maio deste ano. O julgamento está marcado para outubro.

No outono do ano passado, após alguns incidentes se terem tornado conhecidos nos escritórios da empresa, Dan Price decidiu afastar-se durante algum tempo, tendo voltado ao trabalho em novembro do ano passado.

Ao NYT, Dan Price negou as acusações das várias mulheres e trabalhadores feitas nesta investigação. “Confio no processo legal e estou ansioso para apresentar a minha defesa e provar a minha inocência”, cita o New York Times, a partir do comunicado feito pelo CEO.

Esta quinta-feira, Dan Price anunciou a demissão do cargo de CEO da Gravity – publicação que, aliás, tornou pública nas suas redes sociais. Partilhando uma imagem do email que enviou aos empregados, refere que se demite do “cargo de CEO da Gravity Payments, a empresa que fundou há 18 anos”. “A minha prioridade número um é a de os nossos empregados trabalharem na melhor empresa do mundo, mas a minha presença tornou-se uma distração aqui. Também preciso de afastar-me destas obrigações para focar-me a tempo inteiro na luta contra as falsas acusações feitas contra mim. Não vou a lado nenhum.”

Nesta empresa ninguém recebe menos de 70 mil dólares por ano. Em nome da felicidade