O romance começa logo com uma cena em grande, com Helgi, que depois se vem a descobrir que é um investidor abastado, a ser enforcado num antigo lugar de execuções. Esse lugar, o campo de lava de Gálgahraun, espoleta a narrativa, dando nome ao livro. A polícia faz a sua investigação e cedo descobre que o aparente suicídio foi um homício, já que o morto tem um prego enterrado no peito. Ali havia uma mensagem que voou. Huldar, detective, faz o seu trabalho e vai ao apartamento de Helgi, onde encontra Freyja, psicóloga infantil que estava a tomar conta de Siggi, um rapaz de cinco anos que estava lá dentro e que não sabia explicar como ou porque estava ali. Este será um dos eixos centrais do romance, também ele propulsor do mistério que agarra o leitor. Como a polícia, também quem lê se vê desamparado e, como a polícia, vai começando a juntar os pontos para compor uma explicação.

Aos poucos, a autora vai introduzindo, de forma doseada, elementos que dão densidade à composição da narrativa. Em breve, descobre-se que Helgi fazia vídeos pornográficos das mulheres que levava para casa, sem que estas consentissem, e também isto será um elemento essencial ao desenlace. Pelo meio, as personagens secundárias aparecem marcadas pelo entulho emocional que levam da vida – a violência doméstica, a vingança, a utilização da dark web –, sendo este o propulsor da densidade dos elementos. Assim, o policial monta-se de forma harmoniosa, já que o elemento de mistério está sempre presente. Para lá da intriga, o leitor encontra gente de tal forma marcada por acontecimentos posteriores que o crime parece deixar de ser o mistério principal, transformando-se num elemento quase inevitável.


Livro: “Campo de lava”
Autora: Yrsa Sigurdardóttir
Tradução: Maria José Figueiredo

Editora: Quetzal

Como habitual neste tipo de romances, a caracterização das personagens perde espaço ao privilegiar-se a composição da narrativa. Assim, tanto o detetive como a psicóloga acabam por ter um papel meramente funcional e previsível, ainda que o romance vá buscar e criar méritos a outros lados. Os diálogos com Siggi têm a sua graça, e o desespero da psicóloga ao não ter respostas às perguntas que faz há-de ser o mesmo que o do leitor.

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O romance começa com uma imagem muito forte e vai mantendo o tom de violência. O ritmo, sempre acelerado, ajuda a manter esse tom, já que se intui que o desenlace não saberá a coisa pouca. Além disso, o concatenamento dos elementos que dão corpo à história também vai mantendo o patamar da expectativa num nível superior ao de simplesmente se descobrir quem matou Helgi. A dado momento na linha narrativa, o interesse até se desvia daí, já que é a chegada de Siggi à casa de Helgi que parece sustentar a narrativa e funcionar como a chave para a dúvida.

A prosa é despida de informação inútil, e por isso lê-se em velocidade. Desta feita, o livro cumpre o seu propósito: agarra e surpreende, não mostrando o jogo à partida. Aos poucos, as linhas da narrativa compõem-se num todo orgânico e o romance policial fica a saber a coisa resolvida.

A autora escreve segundo a antiga ortografia