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A chegada de Gulbenkian a Lisboa

Este artigo tem mais de 1 ano

Nesta edição do podcast Only the Best, o tema central é o momento em que Calouste Gulbenkian se estabelece na capital portuguesa e todo o contexto que o proporcionou.

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Horácio Novais

Horácio Novais

Nas passadas dez edições, falámos sobre todo o percurso de Calouste Sarkis Gulbenkian enquanto colecionador e quais as estratégias que utilizou para conseguir reunir o extraordinário espólio de obras de arte que hoje fazem parte e podem ser vistas no Museu Calouste Gulbenkian, em Lisboa.

Feita essa contextualização, chega o momento de falar da chegada do filantropo arménio a Portugal, nomeadamente à capital, sendo esse o foco da edição de hoje do podcast Only the Best, uma parceria entre a Rádio Observador e o Museu da Fundação Calouste Gulbenkian, que tem o historiador Rui Ramos como anfitrião e o apoio de João Carvalho Dias, diretor-adjunto do Museu Calouste Gulbenkian.

Na França de Vichy

Calouste Gulbenkian tornou-se uma figura incontornável da sociedade e cultura portuguesa do século XX, mas como e quando decidiu vir para Lisboa?

Antes da resposta a essa pergunta, Rui Ramos, recorda que “em 1942, em plena Segunda Guerra, Portugal era um dos poucos países neutrais na Europa, e muitos refugiados passam pelo nosso país, e por Lisboa. Mas, para a maior parte, isso significou uma estadia temporária, tendo muitos como destino as Américas”.

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Esse período coincidiu com a fixação de Gulbenkian em França, país que adotou como casa entre 1939 e 1942, “na metade territorial ainda sob administração francesa, a chamada França de Vichy, porque o governo estava nessa cidade, onde Gulbenkian era representante da Pérsia”, assinala Rui Ramos.

Stanislas Lépine, A Rua Saint-Vincent em Montmartre Foto: Catarina Gomes Ferreira

Também tendo em conta essa situação de alguma forma privilegiada, “o que terá feito Calouste, não apenas vir para Lisboa, mas, sobretudo, ficar na capital portuguesa e não seguir, como tantos outros europeus, para as Américas ou Inglaterra?”, pergunta o anfitrião do podcast Only the Best.

“Podemos considerar 1941 e 1942 ‘anos-chave’ para o que viria a ser o desfecho da Segunda Guerra”, afirma João Carvalho Dias, e, “se por um lado, a entrada dos EUA no conflito, em 1941, parecia colocar os Aliados num rumo vitorioso, por outro, a batalha de Estalinegrado, em 1942, viria a ditar a derrota na frente oriental da Alemanha nazi”, sendo que nesse mesmo ano, “o Irão passou para o terreno dos Aliados”.

Este último acontecimento “tornava arriscada a permanência de Gulbenkian na França ocupada, dada a sua associação à Legação Imperial do Irão em Paris”, explica o diretor-adjunto do Museu Calouste Gulbenkian, sendo que “a vinda para Portugal, país neutral, com uma ‘porta atlântica’, pareceu então uma boa solução. A sugestão foi do próprio filho de Gulbenkian, Nubar, facto que se confirma na sua biografia”. E se, em 1942, “a ideia de partir para outro continente podia ser equacionada, o facto é que Gulbenkian foi ficando, e saiu de Portugal pela primeira vez, em 1949, para uma visita a Paris e à sua propriedade de Les Enclos, na Normandia”, acrescenta.

O fim da Segunda Guerra deu-se em 1945, no entanto, “Gulbenkian, que tinha um palacete em Paris por si remodelado, vai continuar em Lisboa nos dez anos seguintes, embora rume, por vezes, a Paris e à Normandia. Porquê?”, questiona Rui Ramos.

“Ao contrário da sua mulher que regressou a Paris, finda a guerra, Gulbenkian foi permanecendo em Portugal”, refere Carvalho Dias, acrescentando que “as viagens a Paris e à Normandia, para visitar o “seu jardim”, tornaram-se regulares no verão, a partir de 1949, fugindo assim ao estio de Lisboa. Mas, além disso, existiam também razões de natureza fiscal que o levavam a manter-se por cá”.

Amigos em Lisboa

Tal como era seu hábito, também em Lisboa, Gulbenkian instalou-se num hotel, no caso “no Hotel Aviz, o mais luxuoso de Lisboa, em plena Avenida Fontes Pereira de Melo, onde está atualmente o Hotel Sheraton, espaço que o acolheu até ao fim dos seus dias”, revela Rui Ramos. A esse propósito, recorda o historiador, “quando Calouste morre, em 1955, o jornal The New York Times escrevia que ‘o homem mais rico do mundo vivia num hotel, andava em automóveis alugados e vivia numa certa obscuridade…”.

De facto, “Gulbenkian tinha um gosto muito particular por hotéis, por todo o conforto que podiam proporcionar”, confirma João Carvalho Dias, sendo “o Ritz a preferência, tanto em Londres como em Paris, o que tinha origem na ligação a César Ritz, que ajudara financeiramente, e às ações que detinha na empresa”.

Assim, “não foi por acaso que quando Gulbenkian escolhe os arquitetos para a remodelação da sua casa em Paris (já tinha feito o mesmo em Londres), escolhe Charles Frédéric Mewès (da firma Mewès and Davis), responsável pelos projetos dos hotéis Ritz, em Londres, Paris e Madrid”.

No entanto, intervém Rui Ramos, “a sua mulher, Nevarte, e os dois filhos, Nubar e Rita, não se juntam a ele em Portugal. Aliás, Nubar era muito diferente do pai, pois gostava da vida social e gastava imenso dinheiro, ainda que também tivesse ganho muito, porque tinha os próprios negócios de petróleo”.

À esquerda, Retrato de família de 1952 ; À direita, Calouste Sarkis Gulbenkian Foto: Fundação Calouste Gulbenkian

Sobre essa questão, Carvalho Dias refere que “Nubar visitava, com alguma regularidade, o pai em Lisboa. Gostava da vida cosmopolita que a cidade proporcionava, com inúmeras cabeças coroadas, provenientes de toda a Europa, e que organizavam festas no Estoril”. Enquanto isso, “a sua filha Rita e o genro Kevork Essayan mantiveram-se em Paris, na casa da avenue d’Iéna. Já, Nevarte, que o acompanhara, em 1942, finda a Segunda Guerra, regressou a Paris”.

Nessa época, Gulbenkian, “além do que lhe possa ter agradado em Portugal, encontrou um Governo, o de Salazar, muito disponível para o acolher e corresponder aos seus desejos e conveniências. Isso foi decisivo para ele ficar?”, pergunta Rui Ramos.

“Diria que foi decisivo”, afirma o diretor-adjunto do Museu Calouste Gulbenkian, pois, “a questão fiscal era primordial para Gulbenkian e para o futuro da sua fundação”.

Mas, além dessa questão mais política, volta a intervir o anfitrião do podcast Only the Best, “temos também de falar do staff português que Gulbenkian reuniu em Lisboa”, a começar “pelo advogado José Azeredo Perdigão, precisamente uma figura identificada com a oposição republicana ao salazarismo”. Como se deu esse encontro?

Segundo Jonathan Conlin, autor da mais recente biografia sobre Calouste Gulbenkian, “este teria sido apresentado a José de Azeredo Perdigão por um antigo embaixador português no Reino Unido, e professor da Universidade de Direito, Ruy Ennes Ulrich, provavelmente em finais de 1942”, indica João Carvalho Dias. Aliás, continua, “Azeredo Perdigão tinha sido um dos fundadores da Seara Nova, revista que promovia o debate ideológico contra as políticas de Salazar, e Perdigão viria a ser o advogado português de Calouste Gulbenkian, participando nos conselhos de administração de várias holdings, a partir de 1945”.

Génese do museu

Calouste Gulbenkian chegou a Lisboa com 73 anos, ficando na capital portuguesa até aos 86, altura da sua morte, ou seja, entre 1942 e 1955. Durante esse período, “continuou a examinar catálogos, a ser contactado por intermediários e vendedores e a comprar obras de arte”, uma delas o quadro O Rapaz das Bolas de Sabão, de Manet, obra que já falámos noutra edição, que foi comprado a partir de Lisboa. Podemos dizer que a coleção não ficou parada enquanto Gulbenkian viveu em Lisboa?”, questiona Rui Ramos.

“Assim que chegou a Lisboa, Gulbenkian escreve a George Davey, da Knoedler, pedindo-lhe que o ponha ao corrente da atividade do mercado de vendas de obras de arte e lhe envie catálogos”, indica João Carvalho Dias, querendo isso dizer que “o colecionador se mantinha ativo e continuaria a concretizar excelentes aquisições”.

A esse propósito, “podemos assinalar, em 1943, as peças adquiridas ao barão Henri de Rothschild, que vivia no Estoril e era cliente de Azeredo Perdigão: pinturas de Nattier e Lepicié, o pastel de Maurice-Quentin La Tour, um jarro de jaspe do século XIV, com montagem em ouro de Meissonier, executada entre 1734 e 1735. Mais tarde, em 1946, adquire parte da famosa coleção Jameson de moedas gregas, e, em 1949, faz uma aquisição extraordinária, os medalhões de ouro (conhecidos por medalhões de Abuquir), provenientes das coleções Loeb e Pierpont Morgan, de Nova Iorque”, enumera o diretor-adjunto do Museu Calouste Gulbenkian, que salienta ainda outras aquisições do arménio na década de 1950. No caso, “em 1950, um abafador em prata, de Antoine Sébastien Durant, com ilustre proveniência real, livros com magníficas encadernações das coleções Cortland Bishop e Lucius Wilmerding, e, em 1953, a última pintura, um Lépine: La rue de Saint Vincent à Montmatre”.

Vista aérea da Fundação Calouste Gulbenkian Foto: © Mário de Oliveira

Além de adquirir obras de arte, “Calouste fez também algumas doações de obras de arte a museus portugueses, por exemplo, entre 1950 e 1952, ao Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa”, refere Rui Ramos. Portanto, “mesmo que a coleção não tivesse ficado em Portugal, Gulbenkian teria deixado obras de arte em Portugal. Houve algum critério nessas doações?”.

Para Carvalho Dias, esse acontecimento “trata-se do maior conjunto de objetos doado a um museu por Calouste Gulbenkian, entre 1949 e 1952. As ofertas destinavam-se a reforçar os laços que o ligavam a Portugal, e enquadravam-se nas excelentes relações que estabelecera com o João Couto, diretor do Museu Nacional de Arte Antiga. Desse modo, pintura, escultura, mobiliário e azulejos de Iznik, ficariam reunidos numa sala com o seu nome, ilustrando o seu ecletismo enquanto colecionador”.

Perante essa conjuntura, impõe-se a grande questão: “em que momento é que se começou a falar da possibilidade de a coleção vir para Lisboa?”, pergunta Rui Ramos, tendo em conta que, em 1945, no fim da Segunda Guerra, como já referimos noutra sessão, ainda se pensou que todo o espólio podia ir para os EUA, conforme estaria no testamento de Gulbenkian que data de 1953”.

Depois de 1945, finda a Segunda Guerra, “e frustrada a hipótese da National Gallery de Londres poder vir a acolher a Coleção Gulbenkian, o colecionador equacionou a hipótese de Washington, que viria igualmente a revelar-se um beco sem saída”, explica João Carvalho Dias. “A possibilidade de a coleção vir a ter Lisboa como destino tem de ser equacionada com a constituição da sua própria Fundação, conforme vontade testamentária. Em 18 de junho de 1953, o último testamento de Gulbenkian, criava (artigo 10.º) a Fundação com o seu nome, uma instituição portuguesa com sede em Lisboa, herdeira dos seus bens (e como tal, da sua coleção) à exceção dos trusts constituídos a favor da sua família”, sublinha o diretor-adjunto do Museu Calouste Gulbenkian.

O filantropo arménio “acabaria por falecer em 1955, em Lisboa, tendo os seus restos mortais sido depositados na igreja arménia de São Sarkis, em Kensington, Inglaterra, cuja construção financiou em 1922-1923”, refere Rui Ramos. “A Igreja Apostólica da Arménia é das mais antigas do mundo, e é independente, embora seja, por vezes, classificada entre a cristandade ortodoxa. Mas, ao longo da vida, Gulbenkian, nunca se esqueceu da sua ascendência arménia.

“Essa ascendência exerceu um vínculo muito forte na sua personalidade”, refere a esse propósito João Carvalho Dias, e, “do ponto de vista filantrópico, Gulbenkian apoiou as comunidades arménias na diáspora e seguiu a tradição familiar. A correspondência que trocou com o neto, Mikaël Essayan, por exemplo, dá conta da transmissão desses valores e tradições, confirmando que lhe eram queridos”, assegura.

Finalizamos aqui o episódio de hoje, mas voltaremos, daqui a quinze dias, para a derradeira sessão deste programa, “cujo foco será precisamente o Museu que agora guarda a coleção de Calouste Gulbenkian”, revela Rui Ramos. Até lá.

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