Começa-se logo na acção, e é assim que deve ser. Em Lincoln Highway, a narrativa apanha de cabeça o leitor ao meter-lhe Emmett à frente. Com 18 anos, acabou de sair de um campo de trabalhos depois de ter cometido um homicídio involuntário. Nessa altura, voltou ao Nebraska, à quinta onde cresceu, para ir buscar Billy, seu irmão mais novo.

Durante a infância de um e a adolescência de outro, a vida dos dois andou às voltas: o pai morreu com dívidas, nas mãos têm apenas um carro. A mãe já tinha abandonado os filhos. Planeiam fazer-se à estrada, e pelo menos Billy acredita que a mãe está algures à espera deles – nesse algures imenso chamado Estados Unidos da América. Um postal escrito anos antes rastreia-a numa cidade, mas depois dessa podia ter havido outras, e mesmo essa não era do tamanho de um dedal.

Planeiam a partida, ainda assim, e o leitor leva logo a frescura de duas vidas jovens sem amarras. Como os irmãos, também quem lê poderá sentir a excitação do novo, o burburinho da viagem. As voltas trocam-se outra vez e, no dia em que se meteriam à estrada, dois rapazes roubam-lhes o carro, obrigando Emmett e Billy a fazerem o caminho inverso, desta feita rumo a Nova Iorque, em busca dos fugitivos.


Título: “Lincoln Highway”
Autor: Amor Towles
Editora: D. Quixote
Tradução: Tânia Ganho
Páginas: 608

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Nisto, são 10 dias em Junho de 1954, bem delineados, bem escrutinados, vistos por múltiplas cabeças, marcando o romance por vozes diferentes, no que lhe confere densidade e flexibilidade, para alguém de alguma sofisticação narrativa. De início, tudo indica que o romance seguirá o modelo de narrativa de viagens já marcado por autores como Kerouac ou Steinbeck, tanto no que concerne ao estilo como ao lugar que, mais do que paisagem, é acção. Porém, à medida que a narrativa avança, a acção desdobra-se nas personagens que o autor vai incluindo, rompendo com a ideia de um agente em movimento num território estático a ser explorado. Pelo contrário, temos relações múltiplas em permanente transição à medida que os Estados Unidos se desfiam à frente do leitor. Ao trazer outras personagens à narrativa, dando-lhes peso e corpo, o autor também pôde tecer o território através das suas caracterizações psicológicas ao invés de mostrar apenas um olhar, ou vários, sobre um país.

A estrada da eterna juventude de Amor Towles

Assim, não é que Emmett ou Billy percam peso na narrativa, mas o leitor que estivesse à espera de seguir a Lincoln Highway sem a preocupação de concatenar outros elementos depressa se poria ao engano. Ao perder o protagonismo, os dois iniciam uma viagem relacional, sendo que o doseamento permanente de novos focos narrativos e perspectivas serve para entrelaçar e tornar consequentes as acções. Assim, o aparente protagonista torna-se num de vários e o que parecia essencial à narrativa, afinal, possibilita-a ao invés de a compor.

Ao longo da narrativa, os momentos de humor são fortes, assim como o é o retrato de uma nação-continente. A opção do autor, de dar múltiplas cabeças ao leitor, enriqueceu o livro, e ao longo da leitura a procura de começos do zero sabe a fresco e a esperança, e para isso muito ajuda o permanente movimento em que se encontra a acção, ao mesmo tempo que a estrutura. Essa procura acaba por ganhar um tom quase épico, na medida em que o corte com as raízes, ou a impossibilidade de as manter, implica a reclamação da vida via fúria de viver.

A autora escreve segundo a antiga ortografia