Portugal continua a não controlar devidamente a atividade dos deputados, procuradores e juízes e ainda não conseguiu cumprir todas as recomendações saídas de um relatório do GRECO (Grupo de Estados Contra a Corrupção) tornado público em 2016. Seis anos depois, apenas três das 15 recomendações feitas por este organismo europeu foram implementadas satisfatoriamente ou tratadas de forma satisfatória, enquanto 10 permanecem apenas parcialmente implementadas e duas não foram sequer postas em prática.

Portugal aplicou apenas três de 15 recomendações do Conselho da Europa

São estas as conclusões do Segundo Relatório de Conformidade feito pelos relatores do GRECO — depois do Quarto Ciclo de Avaliação da Prevenção da Corrupção em relação aos deputados, juízes e procuradores —, divulgado esta terça-feira. “Portugal fez apenas pequenos progressos em relação ao cumprimento das recomendações consideradas não implementadas ou parcialmente implementadas” no último relatório, adverte este organismo do Conselho da Europa nas conclusões de um documento de 15 páginas elaborado a 17 de junho, com algumas conclusões então divulgadas, e só depois traduzido para português e agora publicado.

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Portugal deve intensificar substancialmente a sua resposta às recomendações pendentes do GRECO. Uma vez que a grande maioria das recomendações (doze em quinze) continua parcialmente implementada, o GRECO não tem outra alternativa senão concluir que o atual nível de cumprimento das recomendações é ‘globalmente insatisfatório’, lê-se.

No anterior relatório, tornado público em 2018, o grupo do Conselho da Europa indicava que Portugal tinha concluído que apenas uma das 15 recomendações foi implementada de forma satisfatória, enquanto três tinham sido parcialmente implementadas.

Grupo da UE contra a corrupção “insatisfeito” com deputados e “desapontado” com juízes portugueses

Em junho de 2019 foi feito um relatório intercalar, em que Portugal manteve o seu nível de conformidade como “globalmente insatisfatório” e as autoridades portuguesas foram mais uma vez convidadas a apresentar informações adicionais sobre as medidas que estavam a tomar para adotar as recomendações europeias. Já um segundo relatório intercalar de conformidade, feito em 2021, dava conta de que três das 15 recomendações tinham sido implementadas de forma satisfatória, sete tinham sido parcialmente implementadas e cinco continuavam sem ser colocadas em prática.

Apesar das reformas dos últimos anos, como o Pacote de Transparência de 2019 e a Estratégia Nacional Anticorrupção, Portugal mantém anos depois a aplicação de apenas três recomendações e tem ainda um caminho a percorrer no combate à corrupção. Mas o que falta fazer?

Controlo do conflito de interesses dos deputados

As recomendações saídas do relatório do GRECO destinam-se a deputados, juízes e procuradores. Cinco das medidas que visam prevenir a corrupção na classe política continuam por implementar, apesar dos reconhecidos esforços de Portugal:

  1. O Greco recomendou que fossem tomadas medidas para garantir o cumprimento dos prazos nas várias fases do processo legislativo. E que fosse também garantida a igualdade de acessos a todas as partes interessadas, incluindo a sociedade civil, às várias fases do processo legislativo.De facto, em agosto de 2020, a Assembleia da República adotou um novo regimento que reforçava o respeito pelos prazos (por exemplo, um prazo de 30 dias entre a admissão de um projeto e a sua discussão em plenário) e alargava as oportunidades de participação. Segundo o GRECO, as estatísticas sobre a sua aplicação “não foram facultadas” pelas autoridades portuguesas aos relatores que avaliaram se estas recomendações foram postas em prática.O GRECO entende, também, que neste primeiro ano não foi possível assegurar o cumprimento dos prazos porque o Parlamento foi dissolvido. Mas que também ainda há medidas a tomar quanto à possibilidade da consulta pública para todas as categorias de projetos legislativos — exceto para aqueles em que a decisão tem que ser tomada pela comissão em causa. Assim, esta recomendação foi considerada apenas parcialmente implementada.
  2. Que sejam adotados princípios e normas de conduta claras, aplicáveis e de acesso público para todos os deputados com um mecanismo de fiscalização eficiente.O Novo Código de Conduta dos deputados tinha reunido num único texto estes princípios e obrigações. No entanto, nem o código nem o estatuto estabeleceram sanções para atos indevidos, aponta o GRECO. Também não foi dado aconselhamento ou formação sobre questões éticas aos deputados. Da parte de Portugal, a resposta é que esse trabalho é feito pela Comissão para a Transparência e pelo Estatuto dos Deputados. Mas o GRECO diz que continua a falhar o facto de não existirem normas sobre os contactos dos deputados com terceiros, incluindo aqueles que possam querer encaminhar o procedimento legislativo para cumprimento de interesses parciais. Para este organismo, não há informação disponível sobre as pessoas que estejam em contacto formal ou informal com os deputados, à exceção de consultores, o que poderá dar origem a suspeitas de conflitos de interesse e tráfico de influências. Também esta recomendação foi considerada parcialmente implementada.
  3. Realização de uma avaliação independente sobre a eficácia do sistema de prevenção, divulgação, verificação e sanção de conflitos de interesse dos deputados.As autoridades portuguesas dizem que esta avaliação só será viável quando a nova plataforma eletrónica para a comunicação do património dos deputados estiver operacional. Foi já lançado um concurso público, que foi adjudicado na primeira metade de 2022. Falta também estabelecer a Entidade para a Transparência, a cargo do Tribunal Constitucional. Pelo que esta recomendação é assim considerada parcialmente implementada.
  4. Estabelecer sanções adequadas em caso de infrações menores à obrigação de declaração de património, incluindo a prestação de informação incompleta e imprecisa. E que as declarações de património dos deputados sejam disponibilizadas ao público online.Estão previstas na lei portuguesa sanções como a demissão ou perda de mandato, mas não há previsão de sanções mais brandas, para uma declaração de rendimentos incompleta, por exemplo. Pelo que o GRECO considerou esta recomendação também parcialmente implementada.
  5. Que as declarações de património de todos os deputados sejam submetidas a controlos frequentes e substantivos dentro de um prazo razoável.O GRECO observa que, apesar dos argumentos das autoridades portuguesas de que esse controlo é feito pelo Tribunal Constitucional, ele não é feito num prazo razoável. E considerou esta recomendação parcialmente implementada.

Corrupção: TI Portugal “desapontada” com falta de cumprimento das recomendações do GRECO

Conselho Superior continua a não ter metade dos juízes escolhidos pelos seus pares e processos disciplinares mantêm-se longe do olhar público

Quanto às recomendações para prevenção da corrupção em relação aos juízes, duas continuam por implementar e três foram parcialmente implementadas desde a última avaliação.

6. O papel dos Conselhos Superiores como garantes da independência dos juízes e do poder judicial deve ser reforçado, prevendo na lei que pelo menos metade dos seus membros sejam juízes eleitos pelos seus pares. Também as informações sobre os resultados dos processos disciplinares nos Conselhos Superiores devem ser publicadas atempadamente.

As autoridades portuguesas informaram o GRECO de que, a 9 de março de 2021, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, nomeou dois membros do Conselho Superior da Magistratura: um professor de Direito e um juiz do Supremo. O que significa que, nos próximos cinco anos, nove dos 17 membros do Conselho serão juízes de carreira: sete eleitos pelos seus pares, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (eleito pelos juízes desse Tribunal) e um juiz nomeado pelo Presidente da República.

Quantos aos procedimentos disciplinares abertos aos juízes, o Conselho Superior da Magistratura reitera que são confidenciais até à decisão final e que a publicidade dos resultados é garantida pela publicação atempada em linha de resumos das deliberações relevantes. Além disso, o novo plano de comunicação do Conselho prevê fornecer aos meios de comunicação informações sobre procedimentos disciplinares pendentes e findos em casos de interesse público.

Mas para o GRECO não chega. A composição do Conselho Superior da Magistratura e do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais continua a ser a mesma que na altura da avaliação (ou seja, metade dos seus membros ainda não são eleitos pelos seus pares). E continua a ser dada apenas informação resumida sobre os procedimentos disciplinares. Assim, esta recomendação continua por implementar.

7. Pelo menos metade dos membros das autoridades que tomam decisões sobre a seleção dos juízes dos tribunais da Relação e dos juízes do Supremo Tribunal devem ser juízes eleitos (ou escolhidos) pelos seus pares. Esta recomendação já foi cumprida nas Relações, mas não no Supremo Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Administrativo. Assim está apenas parcialmente implementada.

8. Que se assegure que as avaliações periódicas aos juízes dos tribunais de primeira instância e as inspeções/avaliações aos juízes dos tribunais da Relação verifiquem, de forma justa, objetiva e atempada, a sua integridade e conformidade com as normas de conduta judicial.
Para as autoridades portuguesas, o Estatuto dos Magistrados ao prever critérios como a idoneidade e prestígio pessoal e profissional, respeito pelos seus deveres e respetivas sanções disciplinares na avaliação do desempenho já cumpre esta função. Mas para o GRECO também não chega: falta desenvolver normas de conduta relevantes e que estas também sejam tidas em contas na avaliação, pelo que considerou também parcialmente por implementar.

9. Integrar as decisões judiciais de primeira instância numa base de dados facilmente acessível e pesquisável. GRECO conclui que o quadro jurídico foi criado e que os recursos necessários parecem ter sido reservados para garantir a reestruturação e manutenção da base de dados, mas que esta não está ainda operacional. Pelo que esta recomendação permanece parcialmente implementada.

10. O GRECO recomendou que sejam estabelecidas normas de conduta profissional claras, aplicáveis e de acesso público (abrangendo, por exemplo, ofertas, conflitos de interesse, etc.) para todos os juízes e incluídas na avaliação para promoção e ação disciplinar. E que os juízes tenham formação sobre estas normas. As autoridades portuguesas informaram o GRECO de que, a 12 de janeiro de 2021, o Plenário do Conselho Superior da Magistratura tinha revisto a versão final do Código de Conduta que lhe foi apresentada por uma comissão interna de redação especificamente designada. O documento tinha então sido dividido em duas partes: o Código de Conduta e o Código de Ética. O primeiro foi aprovado, ficando a denominar-se Regulamento das Obrigações. O segundo foi adiado.

Também os juízes dos tribunais administrativos e fiscais adotaram um regulamento sobre as obrigações declarativas dos magistrados em matéria de rendimentos, património, interesses, incompatibilidades e impedimentos. E hão de constituir um código de ética. O GRECO insiste que estas medidas são insuficientes e que este regulamento parece conter apenas instruções sobre a declaração de rendimentos e património dos juízes. O código de conduta dos juízes dos tribunais administrativos e fiscais está ainda a ser preparado, e a implementação da segunda parte da recomendação continua a depender do cumprimento da sua primeira parte”, lê-se. Pelo que esta recomendação continua por implementar.

Portugal é o que menos cumpre recomendações contra a corrupção

Há procuradores sem avaliação de desempenho há oito anos

Também em relação aos procuradores do Ministério Público há ainda trabalho a fazer. Uma recomendação foi parcialmente implementada e a outra continua por implementar.

11. Que se assegure que a avaliação periódica dos magistrados do Ministério Público afetos aos tribunais de primeira e segunda instâncias verifiquem, de forma justa, objetiva e atempada, a sua integridade e o cumprimento das normas de conduta profissional.

De Portugal a resposta foi que para responder aos atrasos nas inspeções/avaliações periódicas (há magistrados há mais de oito anos sem uma avaliação), em novembro de 2021 o Conselho Superior do Ministério Público nomeou mais três procuradores como inspetores do Ministério Público especificamente para lidar com os atrasos existentes. Entre setembro de 2021 e maio de 2022, foram realizadas 161 inspeções/avaliações dos procuradores. O GRECO regista a adoção de um Código de Conduta do Ministério Público. Contudo, continua por esclarecer se este Código servirá como critério para a promoção e avaliação destes magistrados. O GRECO conclui que a recomendação foi parcialmente implementada.

12. Que sejam estabelecidas normas de conduta profissional claras, aplicáveis e de acesso público para todos os procuradores e que sejam tidas em conta na promoção, avaliação e ação disciplinar. Os procuradores devem ter formação contínua sobre estas regras. Foi de facto criado um Código de Conduta dos Magistrados do Ministério Público como repositório de regras e diretrizes sobre conduta ética próprias do estatuto dos procuradores. O Código aborda conflitos de interesse, ofertas, convites e hospitalidade, bem como a formação e desenvolvimento profissional obrigatórios. Contudo, não é claro se as violações do Código implicam sanções e se o Código pode ser utilizado como base para promoção e avaliação, como recomendado. O GRECO continua a considerar esta recomendação por implementar.