Os ministros da Defesa de Timor-Leste e da Austrália assinaram esta quarta-feira em Camberra um acordo de cooperação bilateral na área da defesa, que abrange igualmente um acordo sobre visitas de forças militares.

O documento — conhecido também como Acordo de Estatuto de Forças (SOFA na sigla em inglês) — rege, entre outros aspetos as proteções, responsabilidades e privilégios recíprocos que cada país concederá ao pessoal militar do outro no seu território.

Filomeno Paixão de Jesus, ministro da Defesa de Timor-Leste, e Richard Marles, vice-primeiro-ministro e ministro da Defesa australiano assinaram o documento numa cerimónia no edifício do parlamento australiano, testemunhada pelo Presidente da República timorense, José Ramos-Horta, e pelo primeiro-ministro australiano, Anthony Albanese.

O documento — que terá ainda que passar pelo Conselho de Ministros em Timor-Leste e, posteriormente, pelo Parlamento Nacional — é o segundo do tipo, depois de um acordo idêntico com os Estados Unidos da América.

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“O acordo permitirá à Austrália e a Timor-Leste aumentar a cooperação em matéria de defesa e segurança, especialmente no domínio marítimo, dada a nossa fronteira partilhada e zonas marítimas adjacentes”, refere um comunicado do Governo australiano.

“Reforçará a nossa capacidade de operar em conjunto, se necessário, realizar exercícios e formação, e cooperar na assistência humanitária e na ajuda às catástrofes. O acordo significa que os militares timorenses que operam, exercem ou treinam na Austrália receberão as mesmas proteções, responsabilidades e privilégios que o pessoal australiano receberá em Timor-Leste”, detalha.

O acordo foi assinado depois de reuniões bilaterais entre José Ramos-Horta e Anthony Albanese e entre o chefe de Estado timorense e a ministra dos Negócios Estrangeiros australiana, Penny Wong.

Durante a reunião, Ramos-Horta e Albanese analisaram, entre outros aspetos, a “segurança comum, a cooperação económica, a mobilidade laboral, a economia verde e o apoio da Austrália à candidatura à ASEAN” (Associação de Nações do Sudeste Asiático) de Timor-Leste.

“A Austrália e Timor-Leste partilham uma relação especial como vizinhos com uma história partilhada e laços profundos“, referiu Albanese, notando que os dois países trabalharam durante mais de uma década no acordo assinado esta quarta-feira, que considerou “um passo significativo” na parceria bilateral.

“Tive o prazer de me encontrar com o Presidente Ramos-Horta para discutir como podemos reforçar a cooperação, incluindo o apoio contínuo da Austrália ao desenvolvimento de Timor-Leste. Estou ansioso para me encontrar com o meu homólogo, o Primeiro-Ministro Taur Matan Ruak, assim que possível”, referiu Albanese.

Richard Marles, por seu lado, considerou que o acordo marca “um novo capítulo na estreita relação da Austrália com Timor-Leste”.

“Somos vizinhos com um domínio marítimo partilhado, nomeadamente o Mar de Timor. Estou ansioso para ver como o acordo ajudará a permitir patrulhas marítimas conjuntas entre a Austrália e Timor-Leste”, referiu.

Penny Wong, que deu esta quarta-feira as boas-vindas a Ramos-Horta no edifício do parlamento australiano, reiterou o empenho da Austrália, “como amigo e vizinho próximo”, em “apoiar a segurança e a soberania de Timor-Leste, incluindo através da duradoura cooperação em matéria de defesa”.

“A Austrália acolhe este acordo e a oportunidade que proporciona para aprofundar a nossa estreita parceria de defesa e segurança com Timor-Leste. Este é um marco fundamental enquanto continuamos a trabalhar juntos para manter uma região estável e próspera”, referiu.

Os encontros decorreram na ala ministerial no edifício do parlamento australiano em Camberra, no exterior da qual esta quarta-feira estão hasteadas dezenas de bandeiras de Timor-Leste.

PR timorense confiante em acordo no Greater Sunrise, pede pragmatismo a Camberra

O Presidente da República timorense mostrou-se esta quarta-feira convicto num acordo para o desenvolvimento do Greater Sunrise, com um gasoduto para a costa sul de Timor-Leste, pedindo a Camberra “pragmatismo” para avançar no projeto.

“Sei que isto é responsabilidade do consórcio [do Greater Sunrise] mas espero que o Governo Federal possa ajudar a levar este gasoduto para Timor-Leste, que é a melhor opção para a Austrália, para Timor-Leste”, disse José Ramos-Horta numa intervenção no National Press Club, na capital australiana, Camberra.

Austrália estima ter receitas de 1,8 a 7,1 mil milhões de euros do Greater Sunrise

“A Austrália contribuiria assim para uma economia timorense muito dinâmica nos próximos anos. Nem tudo na vida são números. Os números são importantes na economia e no desenvolvimento, mas isso tem que ser combinado com compaixão, visão, coração”, disse.

Apelando diretamente ao chefe do Governo, Anthony Albanese, com quem se reuniu esta quarta-feira, no âmbito de uma visita de Estado à Austrália, Ramos-Horta disse que os líderes australianos devem olhar para o assunto com “pragmatismo” e com o mesmo espírito que levou Camberra a recuar na postura antiga sobre as fronteiras e aceitar um acordo com Díli.

Ramos-Horta voltou a defender a viabilidade técnica do projeto e os benefícios económicos para Timor-Leste que estimou em “100 mil milhões de dólares”, praticamente o mesmo em euro, metade diretos e metade de efeitos adicionais na economia timorense.

José Ramos-Horta foi esta quarta-feira o convidado de honra no National Press Club em Camberra, na sua quarta intervenção na organização e onde regressou como Presidente de Timor-Leste.

Durante a sua intervenção, Ramos-Horta apelou ao apoio da Austrália para ajudar a fortalecer as capacidades de Timor-Leste para “poder beneficiar das oportunidades e responder aos desafios” da adesão à Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN).

“Provavelmente vamos juntar-nos à ASEAN em 2023, completando a família de nações do sudeste asiático, o que oferece grandes oportunidades para Timor-Leste e para a sua comunidade. Seremos 1,5 milhões, no seio de uma economia de 700 milhões de pessoas”, disse.

Sempre acreditei em acordos de comércio livre, mas para poder beneficiar precisamos de mais apoio da Austrália para nos ajudar perante as novas oportunidades e desafios dessa adesão”, afirmou Ramos-Horta.

“Temos que rever o nosso Plano Estratégico, no quadro das novas realidades. Esperamos que a Austrália nos forneça apoio, peritos para explorar estas oportunidades”, disse.

Numa intervenção marcada por várias histórias do passado e em que foi repetidamente questionado sobre o projeto do Greater Sunrise e sobre o posicionamento da China na região, Ramos-Horta referiu-se aos progressos dados por Timor-Leste desde a restauração da independência.

“Quem esteve em Timor há 20 anos viu a devastação física, mas talvez não tenha visto o trauma do conflito, o desespero de pessoas desalojadas, o impacto psicológico, o rancor e a frustração”, disse.

“Primeiro tivemos que curar as feridas das pessoas, as feridas da alma e do coração, que não se veem, mas que notamos nos olhos das pessoas e depois como construir um Estado a partir de cinzas, que não existia antes”, relembrou o Presidente.

Considerando a independência um “produto da tenacidade do povo timorense e da solidariedade internacional”, disse que o país é “um oásis de tranquilidade”, sem violência política ou étnica e “quase sem crime organizado”.

“Talvez porque somos um bocado desorganizados e por isso os nossos criminosos também são desorganizados”, ironizou.

O chefe de Estado referiu-se aos “enormes desafios dos próximos 10 anos”, tanto para Timor-Leste como para a região, com “riscos e perigos” como a “militarização do mar do sul da China, e tensões em torno a Taiwan”.

Admitindo que no passado duvidou da viabilidade técnica do projeto, Ramos-Horta disse que sucessivos estudos mostram o contrário, notando que o Greater Sunrise está a 500 quilómetros de Darwin e a apenas 200 de Timor-Leste e apontando os custos mais reduzidos de canalizar o projeto para Timor-Leste.

“Não entendo as considerações económicas do consórcio em insistir em levar o gasoduto para Darwin. Temos um primeiro-ministro fantástico neste país, que conheço bem e estamos contentes com a nova linha de declarações da CEO da Woodside”, disse, referindo-se ao parceiro da Timor Gap e da Osaka Gás no projeto.

“Parece haver um clima positivo para avançar no desenvolvimento do Greater Sunrise”, disse Ramos-Horta.

Peço a líderes australianos que quando olhem para Timor-Leste, abram o mapa e olhem para Timor-Leste como parte do grande plano estratégico australiano e que Timor-Leste olhe para a Austrália como parte do nosso plano estratégico”, referiu.

A Austrália disse, “deve fazer tudo para suster esse país pelo qual muitos australianos deram a vida”, recordando as mortes de australianos em Timor-Leste na Segunda Guerra Mundial.

PR timorense defende operação conjunta para travar distúrbios

José Ramos-Horta, defendeu esta quarta-feira a operação conjunta da polícia e forças armadas em curso em Timor-Leste, considerando-a necessária para travar distúrbios graves no país.

Ramos-Horta, que está em visita de Estado à Austrália, acompanhado pelo ministro da Defesa, Filomeno da Paixão de Jesus, disse à Lusa que essa operação, desencadeada na terça-feira é adequada “dados os abusos que esses elementos estão a fazer, provocando desnecessariamente distúrbios graves no país”.

“Governo, quando é Governo, tem que às vezes tomar medidas firmes. E eu secundo a posição do Governo. Não é a primeira vez que mobiliza a polícia com o apoio das Forças Armadas”, afirmou em curtas declarações à margem da visita.

“Já aconteceu no passado e surtiu efeito, para evitar medidas mais graves como seria proibir, de novo, as atividades dos grupos de artes marciais”, sustentou.

Ramos-Horta vincou que essa decisão de proibir as atividades de artes marciais, como aconteceu no passado “seria provavelmente demasiado duro porque penaliza todos”.

Na terça-feira, o Governo timorense criou e mandatou uma força conjunta, a ser formada pelas forças armadas e polícia nacionais, para “reprimir a situação criminosa de indivíduos que está a causar instabilidade social”, desde a passada sexta-feira em Díli.

“Na sequência dos graves incidentes ocorridos nos últimos dias entre indivíduos integrados em grupos de artes marciais, com especial incidência nos confrontos ocorridos (…) dia 5 de setembro, em plena cidade de Díli”, o Governo mandatou os chefes de estado-maior da polícia e das forças armadas a constituírem uma “força tarefa” conjunta para enfrentar o problema, em todo o território nacional, de acordo com um despacho publicado esta quarta-feira no diário oficial timorense.

O despacho, assinado pelo ministro da Defesa interino, Fidelis Magalhães, e pelo vice-ministro do Interior, António Armindo, ressalva que a “situação de grave alteração da ordem pública” “não justifica” a declaração de um “estado de exceção constitucional”, mas “impõe ao Governo a adoção de medidas excecionais de atuação conjunta” entre as forças armadas e as forças policiais, para “prevenir e dissuadir qualquer tentativa de atuação criminosa”.

Pelo menos quatro pessoas ficaram feridas, incluindo um efetivo das forças armadas, e pelo menos quatro pessoas foram detidas na sequência de confrontos entre grupos rivais e forças de segurança em Díli, anunciaram esta quarta-feira fontes policiais timorenses.

Ramos-Horta disse que um dos grupos de artes marciais, conhecido como PSHT, “é uma organização grande e nem todos são culpados”, atribuindo responsabilidade a uma “minoria que agita e causa distúrbios e leva a intranquilidade para os bairros”.

“Não têm direito de fazer isso e por isso secundo a posição do governo e estou ao lado das nossas forças de segurança”, afirmou.

A questão das artes marciais é uma constante no debate político em Timor-Leste, com as atividades dos vários grupos a serem banidas no passado, decisão que acabou por ser alterada.

O assunto tornou-se um dos elementos da campanha para a segunda volta das eleições presidenciais de abril quando os partidos que apoiavam o anterior chefe de Estado, Francisco Guterres Lú-Olo, ‘piscaram os olhos’ aos grupos de artes marciais, prometendo fundos para a construção de sedes, entre outras declarações políticas.

Elementos de vários grupos envolvem-se com alguma regularidade em confrontos tanto em Timor-Leste como até em comunidades da diáspora, como é o caso do Reino Unido.

Em muitos casos os incidentes começam em pequena escala, com um ou dos jovens envolvidos, alargando-se depois por ‘vinganças’ a grupos de muito maior dimensão.

É verdade que alguns partidos, ou quase todos, namoravam e namoram os grupos de artes marciais para conseguir votos. Mas, mesmo assim, continuo a dizer: artes marciais envolvem milhares de pessoas e não vamos penalizar todos por causa de algumas pessoas nesses movimentos. É como nos clubes de futebol, na Europa por exemplo, em que há distúrbios com violência a sério, mas não são todos”, disse Ramos-Horta.

Ramos-Horta considera que é crucial pedir responsabilidade às lideranças dos grupos de artes marciais para garantir que controlam adequadamente as ações dos seus membros.

“É preciso responsabilizar também as lideranças das artes marciais, mostrar autoridade, que podem controlar os seus membros”, disse.

“A última reunião de graduação dos membros da PSHT não teve unanimidade de apoio no PSHT e o grupo convidado da indonésia para presidir à cerimónia de graduação é um grupo que não é legalizado na Indonésia. E foi esse grupo que veio a Timor fazer a graduação. É demasiada coincidência que logo a seguir começam os atos de violência”, vincou.

Neste último caso, os confrontos, que envolveram elementos de, pelo menos, dois grupos rivais de artes marciais, o PSHT e o 77, marcaram a tensão que se vive na capital timorense desde a morte, na sexta-feira, de um jovem de 21 anos que se encontrava detido numa cela da Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL) em Díli.

Esse jovem, do grupo PSHT, foi detido na madrugada de quinta-feira depois de agredir violentamente um outro jovem, do grupo 77, que não resistiu aos ferimentos e morreu na segunda-feira à noite, no Hospital Nacional Guido Valadares.

Apesar das investigações iniciais apontarem o suicídio como causa da morte do jovem na cadeia, famílias e elementos do PSHT levantaram suspeitas sobre um possível envolvimento de efetivos policiais na morte, com rumores a espalharem-se nas redes sociais.

Preventivamente, e apesar de ainda estar a decorrer a investigação pela Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL) e pela Polícia Científica de Investigação Criminal (PCIC), o comando geral da polícia timorense suspendeu os oito agentes que estavam de piquete no dia da morte, na sexta-feira.

Ainda assim, fontes da investigação explicaram à Lusa que os dados preliminares, incluindo a autópsia ao jovem de 21 anos, não apontam ter havido qualquer agressão, confirmando a morte por “asfixia mecânica por meio de enforcamento”.

A tensão manteve-se durante o fim de semana, e, na segunda-feira, depois do funeral, apoiantes dos dois grupos rivais voltaram a confrontar-se, com vídeos amadores a registarem, entre outros momentos, agressões com murros, pontapés e pedras a um efetivo das Forças de Defesa (F-FDTL), que tentava acalmar a situação.

A força tarefa que está a trabalhar foi incumbida de levar a cabo “operações de patrulhamento em todo o território nacional” e de exercer “especial vigilância e controlo de todos os locais considerados sensíveis na cidade de Díli, de modo a prevenir e a reprimir a situação criminosa de indivíduos que está a causar instabilidade social”, ainda segundo o texto publicado esta quarta-feira no Jornal da República.

As medidas vigoram até às 23h59 do 13 de setembro, “podendo ser renovado caso subsistam comportamentos desviantes relacionados com este assunto”, estabelece o mesmo.