Gerrit Melles, dos Países Baixos, e Claes Dohlman, da Suécia são os vencedores da edição deste ano do Prémio António Champalimaud de Visão, o maior prémio do mundo da área da visão. Este ano a distinção foi atribuída a trabalhos para o tratamento das doenças da córnea.

Os investigadores receberam esta quinta-feira o prémio numa cerimónia em Lisboa, no valor de um milhão de euros, pela investigação e tratamento de doenças da córnea, a camada externa transparente dos olhos, que permitiram evitar a cegueira de milhões de pessoas em todo o mundo.

O Prémio foi criado em 2006 e tem o apoio do programa “2020 — O direito à visão”, da Organização Mundial de Saúde. Nos anos ímpares reconhece o trabalho desenvolvido no terreno por instituições na prevenção e combate à cegueira e doenças da visão, e nos anos pares, como este ano, distingue investigações científicas na área da visão. Devido à pandemia de Covid-19, esteve interrompido dois anos e foi agora retomado.

De acordo com a Fundação Champalimaud os dois investigadores hoje distinguidos abriram “novos caminhos na investigação e tratamento de doenças da córnea, devolvendo a visão a milhões de pessoas e impedindo que outras fiquem cegas no futuro”.

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“As lesões ou distúrbios da córnea são, há muitos anos, uma das principais causas de cegueira em todo o Mundo. Estes dois médicos-cientistas mudaram e aceleraram de forma decisiva o caminho para o tratamento desta doença. Um conhecimento mais aprofundado da camada externa transparente do olho, bem como a possibilidade de garantir uma abordagem melhorada e mais económica à cirurgia e ao transplante da córnea são essenciais para enfrentar este flagelo”, diz a Fundação num comunicado.

Gerrit Melles, do “Netherlands Institute for Innovative Ocular Surgery”, em Roterdão, desenvolveu novas técnicas de cirurgia da córnea, tornando-as mais simples e seguras.

Como o próprio explicou, em declarações à agência Lusa, a inovação consiste numa nova abordagem de transplante da córnea. Ou se transplanta toda a córnea ou parte “e o que nós fazemos é seletivamente transplantar parte da córnea e não tocamos no resto”.

Essa técnica, usada em Portugal há mais de uma década, permite uma muito mais rápida recuperação dos doentes, com o especialista a dar um exemplo: em vez de um ano de recuperação, o paciente ao fim de três meses poderá estar apto a conduzir um carro.

A Fundação Champalimaud, no comunicado, diz que trabalho desenvolvido por Gerrit Melles “deu contribuições extraordinárias que transformaram a cirurgia da córnea, dando esperança e qualidade de vida a milhões de pessoas”, e a técnica acelerou “enormemente a reabilitação visual” e diminuiu o risco de complicações.

Nas declarações à Lusa o especialista admite que as doenças da córnea são em muitos países, onde a prevenção e tratamento não são fáceis, uma das principais causas de cegueira, e acrescenta que também em muitos países as técnicas que a equipa que lidera desenvolveu melhoraram as cirurgias e simplificaram a recuperação e os cuidados de saúde.

Gerrit Melles fala dos avanços na área da visão, admite novas técnicas no futuro, mas salienta que para já a abordagem que desenvolveu e que agora lhe valeu o prémio procurou tornar as técnicas cirúrgicas mais simples e mais acessíveis para países e pessoas com menos recursos.

Mas tem dúvidas em que as doenças da córnea deixem de ser preocupação no futuro. Porque surgem novas doenças, provocadas por novos estilos de vida, porque a população está a envelhecer, e porque “é enorme” o número de pessoas que ainda hoje não tem acesso a cuidados de saúde.

Gerrit Melles fala no plural. O Prémio António Champalimaud de Visão é por isso, diz, para toda uma equipa, porque todos tiveram um papel nos avanços científicos, mesmo os pacientes. E o prémio é, para ele e para todos, não só importante como incentivador.

Claes Dohlman, com cem anos e um dos oftalmologistas mais reconhecidos mundialmente, também não esconde o orgulho pelo prémio, o mais prestigiante e o de mais valor a nível mundial, como salienta nas declarações à agência Lusa.

Doutorado em investigação médica, antigo presidente do Departamento de Oftalmologia da Faculdade de Medicina de Harvard, Estados Unidos, formador de centenas de especialistas, Claes Dohlman desenvolveu tratamentos inovadores na área da visão e a criação de uma córnea artificial, “especialmente para pacientes cujos olhos estavam demasiado danificados para beneficiar de um transplante tradicional através de doadores”, explica-se no comunicado da Fundação Champalimaud.

A sua investigação levou ao desenvolvimento da chamada “Boston Cornea” (“KPro”), que é hoje usada a nível global. A KPro é uma córnea artificial criada por Claes Dohlman nos anos 60 e hoje com milhares de implantações.

Nas declarações à Lusa Claes Dohlman lembrou que as doenças da córnea são consideradas a terceira causa de perda de visão, depois das cataratas, o que não devia acontecer por serem fáceis de tratar, e do glaucoma.

O glaucoma, referiu, afeta mais de 60 milhões de pessoas no mundo mas só uma pequena percentagem acaba cega.

No mundo ocidental, explicou o especialista, os problemas relacionados com a córnea não provocam muitos casos de cegueira, ao contrário do que se passa nos países em desenvolvimento, “onde vivem 90% das pessoas cegas devido a doenças da córnea”.

Claes Dohlman licenciou-se na Suécia e a partir de 1958 foi trabalhar para Boston, nos Estados Unidos.