Muita gente acha que ser jogador
É uma facilidade, é viver no esplendor
Não sabe que a arte é até mais
Difícil que ser um doutor
Driblar a vida encontrar a saída
Para não ser mais um sofredor.

Em 2006, o grupo Samba Tri juntou-se a Ronaldinho Gaúcho para gravar “Goleador”, uma música sobre o percurso do antigo jogador brasileiro — e, no fundo, uma música sobre o percurso de milhares de jogadores brasileiros. Um dos elementos dos Samba Tri, curiosamente ou não porque nada é obra do acaso, é Rafael Belloli. Ou seja, o pai de Raphinha, o avançado do Barcelona.

Atualmente, “Goleador” é uma das músicas que Raphinha ouve, uma vez atrás da outra, para encontrar motivação. “Durante toda esta trajetória, a música esteve comigo. Digo sempre que é o meu refúgio. O meu pai é músico, é do pagode. Acho que herdei dele esta relação. Acompanhei-o sempre nos grupos em que tocava. Cresci no meio no samba e também por meio do samba. Foi com a música que ele me criou a mim e ao meu irmão, em conjunto com a minha mãe, que é pedagoga. Muito por isso, a música está sempre comigo. Quando tenho um tempo, quando estou a ir para o treino ou mesmo antes das partidas, a música está comigo. Quase sempre é ele: o pagode do meu pai. Para mim, é como se fosse uma espécie de remédio relaxante que me ajuda a focar”, contou o brasileiro de 25 anos ao UOL, num texto de coração aberto, escrito na primeira pessoa, com o título “Não me Desvirtuei”.

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Ao longo de vários parágrafos, o antigo jogador do V. Guimarães e do Sporting recorda os desafios que enfrentou quando era mais novo, no Brasil, e todas as tentações que recusou. “Preciso de contar a verdade: é muito complicado. Para quem nasce dentro de uma comunidade, como eu, é difícil manter o foco. Sou da Restinga, um bairro na Zona Sul de Porto Alegre. É difícil seguir um caminho e não se desvirtuar. Algumas oportunidades aparecem — e são muitas. Prometem um jeito mais fácil de ganhar dinheiro. E é aí que as pessoas se perdem. Eu nunca saí do caminho mas presenciei, andei junto com pessoas que estavam a perder-se. São momentos, infelizmente, em que pessoas que não têm um foco grande, uma família para se apoiar, se perdem. Em momentos assim, perdi muitos amigos para o mundo do crime, para o tráfico… Amigos que jogavam até dez vezes mais do que eu, que poderiam estar num grande clube do mundo”, começa por contar, destacando a importância da família para nunca ter seguido por caminhos mais incertos.

“Se naquela época eu mal tinha dinheiro para o autocarro, podem imaginar que não tinha condições para comer algo durante esse período. Só que a fome não espera, não é? Quando ela apertava? Eu tinha de pedir. Eu só queria comer, sabem? Seria injusto dizer que passei fome na minha vida. Os meus pais nunca deixaram faltar comida em casa. Só que durante oito horas ou mais eu estava bem longe de casa. Então, depois do treino, no caminho até à paragem de autocarro, eu parava as pessoas na rua e pedia para comprarem um lanche, qualquer coisa para eu comer. Aconteceu ajudarem mas também aconteceu chamarem-me de vagabundo para cima”, lembra Raphinha, que começou a jogar nas camadas jovens do Porto Alegre, algo que o obrigava a viagens demoradas por viver longe do centro de treinos.

Como Raphinha ainda traz milhares para Portugal

Ao longo do texto, que recorda a passagem pelo Rennes, a decisão tomada “entre 20 a 30 minutos” de deixar os franceses e rumar ao Leeds e à Premier League e também a mudança para Barcelona este verão, o jogador sublinha ainda a importância que atribui a cada vez em que representa a seleção brasileira.

“Aconteceu aquilo com que eu sempre sonhei. Não, não é essa a palavra correta: aquilo que sempre planeei. Dificilmente algum jogador brasileiro não sonha vestir a camisola da seleção. Eu planeava isso desde que tinha 10 anos de idade, preparava-me a cada ano, a cada treino, a cada jogo. Não me cabia decidir, mas cabia-me dar sempre o meu melhor […] No dia da convocatória final [para o Mundial], quero estar ao lado das pessoas que amo, é um momento único em que quero estar perto delas. Depois, quero fazer um excelente Mundial e trazer a taça para casa. Vou fazer de tudo para, no dia 18 de dezembro, estar a comemorar o hexacampeonato mundial do Brasil”, termina Raphinha.