“Depois de longos meses de sofrimento, decidi quebrar o silêncio.
Jamais vou esquecer o que aconteceu a 4 de novembro de 2021. É algo que me assombra dia e noite. A noite que mudou a minha vida pessoal e profissional, a minha vida enquanto mulher e futebolista. Forçaram-me a sair do carro e agrediram-me com barras de ferro, visando principalmente os membros inferiores. Naquela noite, o objetivo deles era simples: acabar com a minha carreira, tirando as minhas ferramentas de trabalho.
Após esta experiência traumática, que se tornou numa absoluta injustiça, fui vítima de uma cabala mediática com o objetivo de manchar a minha imagem e a minha vida privada. Eu sou uma vítima. Após vários meses das agressões, continuo a ser injustamente insultada. Este é, certamente, um dos períodos mais difíceis da minha vida enquanto mulher e enquanto desportista. Nunca esquecerei os momentos de dor por que passei, assim como aqueles pelos quais a minha família passou.
O meu objetivo sempre foi ser jogadora profissional de futebol, respeitando o público e as minhas colegas. Espero, com todo o coração, ser capaz de cumprir esse meu sonho de criança. É essa a minha ambição, por mim e pelo meu país.”
https://twitter.com/kheirahamraoui/status/1571068278268915713?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Etweetembed%7Ctwterm%5E1571068278268915713%7Ctwgr%5E2b99773f7b8f5073eacc249f49afd58f6d502d03%7Ctwcon%5Es1_&ref_url=https%3A%2F%2Fwww.record.pt%2Finternacional%2Fpaises%2Ffranca%2Fpsg%2Fdetalhe%2Fhamraoui-fala-em-meses-de-sofrimento-e-lembra-agressoes-com-barras-de-ferro-o-objetivo-deles-era-simples
Kheira Hamraoui tinha falado apenas por uma vez das violentas agressões que tinha sofrido na noite de 4 de novembro do ano passado, a seguir a um jantar com várias companheiras de equipa e responsáveis do PSG. Foi no L’Équipe, foi capa mas o assunto quase voltou a cair no esquecimento apesar da amargura de ser alvo de insultos quando voltou à competição. Este fim de semana, a internacional francesa não deu só uma entrevista – falou na primeira pessoa da experiência traumática que poderia ter causado sequelas bem mais graves do que as muitas que teve. Coincidência ou não, a publicação coincidiu quase no plano temporal com o passo final da investigação ao sucedido e que colocou mesmo uma companheira de equipa como (oficialmente) suspeita do ataque cometido por indivíduos de cara tapada perto de casa.
Recuemos então a essa noite que seria apenas mais uma noite de confraternização na antecâmara de um jogo para a Liga dos Campeões contra o Real Madrid. Aminata Diallo, jogadora francesa que atua(va) na mesma posição de Hamraoui, engendrou todo um plano ao pormenor: ajudou a organizar o jantar nessa noite em Bois de Boulogne, deu boleia para casa a Kheira Hamraoui e Sakina Karchaoui, deixou a segunda em casa e, perto da residência de Hamraoui, o carro foi intercetado por indivíduos encapuzados. Em Diallo ninguém tocou, na companheira de equipa as agressões foram de violência extrema, com uma barra de ferro a fazer feridas bem visíveis nas pernas e nas mãos que foram suturadas num hospital. “Por volta das 22h30, perto da sua casa, apesar de estar ainda no carro conduzido pela Diallo, viu aparecer dois desconhecidos, com as suas caras encapuzadas. Um dos homens conseguiu retirá-la pelo habitáculo do veículo, antes de agredi-la fisicamente. Armado com uma barra de ferro, o atacante golpeou a Kheira [Hamraoui] várias vezes nas pernas. O ataque durou uns minutos”, contou então uma fonte familiar.
A jogadora seria detida, ficou a aguardar primeira audição presa mas acabou libertada quase dois dias depois, sendo reintrada nos trabalhos do PSG. Ainda assim, o Journal du Dimanche, o L’Equipe e a RMC foram divulgando mais alguns pormenores não confirmados pelas autoridades: um dos homens detidos no âmbito desse processo era próximo de Diallo e conhecido por casos de crime organizado, extorsão e atos de tortura no passado, sendo que existiriam conversas telefónicas entre a jogadora e o alegado orquestrador do plano quando estava na prisão de Lyon-Corbas com frases de cariz ameaçador contra Hamraoui.
“Aminata Diallo lamenta a encenação totalmente artificial de uma rivalidade entre ela e Kheira Hamraoui que justificasse o ataque à colega. Essa teoria não corresponde em nada à verdadeira natureza do seu relacionamento. Outras pistas mais sérias foram encaradas pelos investigadores e em nada implicam a minha cliente. Aminata lamenta o empolamento mediático que a condenou, sem fundamento, e lembra que não hesitará a defender os seus direitos na Justiça, se necessário, contra qualquer difamação. Cooperou em pleno e facilitou o trabalho dos investigadores, saindo em liberdade. A minha cliente está profundamente afetada pelo destaque mediático em volta deste caso”, comentou após a saída da prisão o advogado da jogadora, Mourad Battikh, numa declaração enviada à agência France-Presse.
Depois de Aminata Diallo ser libertada sem qualquer tipo de medida de coação, a investigação começou a seguir outras linhas para tentar chegar ao que na verdade tinha acontecido. Na primeira, apontou o seu foco para um antigo companheiro de Hamraoui que chegou mesmo a ser ouvido mas saiu também em liberdade. A seguir, no volte face mais mediático de todos, foi explorada a possibilidade de um ataque feito à luz do relacionamento extra conjugal com Éric Abidal, antigo internacional francês com quem se cruzou quando era diretor desportivo do futebol masculino do Barcelona (a jogadora esteve na Catalunha entre 2018 e 2021). E havia uma frase em específico que levava a essa ligação: “Então, o que se passa? Não estás habituada a homens casados?”. Hayet Abidal, a agora ex-mulher, foi ouvida e libertada.
Voltava tudo a uma aparente estaca zero, sendo que o primeiro cruzamento entre Hamraoui e Diallo no PSG foi marcado por muita tensão e uma discussão mais acalorada em que a primeira terá dito que achava muito estranho o caminho que fez até casa e também a velocidade a que seguia pouco antes de surgirem os agressores enquanto a segunda destacava que isso só tinha acontecido porque existia uma estreitamento da estrada nessa zona. No entanto, o timing da supracitada publicação da agredida foi tudo menos inocente ao surgir apenas umas horas depois de Aminata Diallo ter voltado a ser detida para novo interrogatório já depois de três suspeitos terem sido identificados e acusados das agressões a Hamraoui. Mais: foi nesse dia que a jogadora atualmente sem clube foi formalmente colocada pelo Ministério Público entre a lista de pessoas acusadas de planear, preparar, mandatar e levar a cabo o ataque. “Os outros três suspeitos foram mandatados para que Hamraoui não pudesse jogar futebol”, aponta o órgão.
Agora, o Le Parisien revela o relatório da Brigada de Prevenção do Delito da Polícia de Versalhes, que tem mais pormenores sobre a ligação de Aminata Diallo ao caso. “Foi uma derivação psicológica lenta que se tornou, por assim dizer, patológica”, explica a propósito da origem da ideia do ataque. “Ficou assim irrefutavelmente provado que Aminata Diallo alimentou um ódio real contra a sua companheira no PSG, que considerava um obstáculo para sua própria carreira desportiva”, defende o relatório que, além de falar de um “ciúme profundo” de Hamraoui que se podia ver também em mensagens de ódio que tinha no seu telefone e WhatsApp, acrescenta ainda duas buscas de informação no computador pessoal de Diallo dois dias antes do ataque: 1) “Cocktail de drogas perigosas”; 2) “Como partir uma rótula”.
De acrescentar ainda que as antigas vizinhas (viviam no mesmo distrito em zonas próximas em Paris) tinham inúmeros amigos em comum, tendo mesmo passado férias juntas com outras pessoas como aconteceu no verão de 2019 no México, após terem ficado de fora do Campeonato do Mundo disputado precisamente em França. Ambas têm também fotografias nas suas redes sociais numa outra viagem, neste caso ao Dubai. Essa ligação que ninguém colocava em causa acabou por ser quase um escudo de proteção para Aminata Diallo numa primeira fase mas não chegou na segunda ronda de investigações do caso.