Um padre católico da arquidiocese de Braga está a ser investigado pelo Ministério Público por alegados abusos sexuais de menores depois de terem chegado denúncias contra ele à Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa.

Segundo o jornal Nascer do Sol, que avançou a notícia numa reportagem publicada na edição do último sábado, a comissão liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht recebeu denúncias contra o padre, um sacerdote de 90 anos de idade que nas últimas décadas se tornou um dos mais importantes clérigos da arquidiocese de Braga, tendo tido um cargo proeminente na hierarquia eclesiástica até 2019.

O jornal conta os testemunhos na primeira pessoa de dois homens que dizem ter sofrido abusos às mãos do sacerdote nas décadas de 1970 e 1980 — mas adianta também que o anterior arcebispo de Braga, D. Jorge Ortiga, terá desvalorizado queixas que lhe chegaram em relação ao padre, pedindo “elementos verdadeiramente objetivos” para poder investigar a situação.

Um dos denunciantes disse ao Nascer do Sol que, quando se confessava ao padre, era puxado para o interior do confessionário, em vez de ficar do outro lado da janela de madeira, e forçado a encostar-se ao sacerdote, que o prendeu entre as pernas. Durante a confissão, o padre fazia perguntas sexualmente explícitas ao menor, que na altura tinha apenas 12 anos de idade.

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O outro testemunho citado pelo jornal aponta no mesmo sentido. Um homem, hoje com 53 anos de idade, relata as experiências que teve no confessionário com o padre no final da década de 1970. Forçado a ajoelhar-se entre as pernas do sacerdote, também ele tinha de lhe confessar pecados sexuais que nunca cometera — e que, devido à tenra idade, nem compreendia.

De acordo com as testemunhas ouvidas pelo jornal Nascer do Sol, o anterior arcebispo de Braga, D. Jorge Ortiga, foi informado múltiplas vezes das suspeitas contra o sacerdote, mas não tomou medidas preventivas nem investigou o caso. Pelo contrário, terá permitido que o sacerdote continuasse a subir na hierarquia da arquidiocese.

Um jurista até terá ajudado na recolha de informação entre as várias alegadas vítimas para enviar ao bispo, mas D. Jorge Ortiga terá respondido que para abrir uma investigação eram necessários “elementos verdadeiramente objetivos”. Mesmo quando o jurista enviou uma carta escrita por uma das alegadas vítimas, o arcebispo terá optado por não investigar o caso.

Em declarações ao Nascer do Sol, D. Jorge Ortiga afirmou que é o seu sucessor, D. José Cordeiro, que entrou na arquidiocese de Braga no início de 2022, quem poderá responder às perguntas sobre o caso. “Está tudo devidamente documentado. Quem lhe poderá falar sobre esse caso é D. José Cordeiro”, disse.

Abusos na igreja. Comissão Independente validou 400 denúncias desde janeiro

Antes da publicação da notícia do Nascer do Sol, em junho e em agosto deste ano, o Observador colocou por duas vezes um conjunto de perguntas ao gabinete de D. José Cordeiro relativamente a este caso. Nas duas vezes, o gabinete do arcebispo respondeu que não se pronuncia sobre nenhum caso em concreto, pelo que recusou responder às perguntas.

A comissão independente liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, que está em funções desde janeiro deste ano, já validou cerca de 400 denúncias de abusos de menores na Igreja Católica em Portugal entre a década de 1950 e a atualidade. Segundo os últimos dados disponíveis, a comissão já encaminhou 17 casos para o Ministério Público, por se tratar de situações que poderão ainda não estar prescritas.

Abusos na Igreja. Ministério Público tem sete investigações abertas, incluindo uma com seis denúncias. Um dos casos já tinha sido julgado

Em julho, a Procuradoria-Geral da República confirmou que as 17 denúncias recebidas deram origem a dez inquéritos, dos quais três já tinham sido arquivados e sete continuavam a ser investigados.