A nova coordenadora do Ministério Público da Comarca de Coimbra afirmou esta quinta-feira que a magistratura ainda tem problemas de visões da violência doméstica “menos adequadas”, notando, porém, uma evolução maior dos procuradores face aos juízes.

“Temos problemas dentro da nossa magistratura de visões da violência doméstica menos adequadas”, disse à agência Lusa Ana Simões, que assumiu o cargo no dia 1.

Para a nova coordenadora, o Ministério Público “tem evoluído mais” do que os juízes nessa área. “Por vezes, veem-se coisas um bocadinho chocantes, como falta de sensibilidade, desvalorização das vítimas, o transporte de crianças para as decisões. Isso não é bom. No Ministério Público, não estou a dizer que não existe, mas tendencialmente vem sendo ultrapassado”, frisou.

Para Ana Simões, essa evolução no Ministério Público deve-se também a uma “magistratura hierarquizada”, que permite à hierarquia fazer um esforço e uma sensibilização, orientando também os procuradores “para aquilo que lhe parece a melhor prática”.

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De acordo com a coordenadora, deve perceber-se “qual a pessoa com mais competências profissionais e pessoais” para unidades especializadas em violência doméstica e outros crimes sexuais, realçando a importância das competências pessoais neste tipo de criminalidade.

Outra questão fundamental [nesta área] é trabalhar em rede, quer internamente, com outros magistrados, quer para fora, com a polícia, com as associações de apoio à vítima”, disse.

Admitindo que esta é uma área que lhe é muito cara, Ana Simões salientou o facto de Coimbra ter uma unidade especializada em violência doméstica, algo que “rentabiliza o trabalho, uniformiza procedimentos e torna mais coerente a atuação do Ministério Público”.

Essa situação não acontece nas restantes unidades orgânicas espalhadas pelo distrito, notou, admitindo que irá tentar “concentrar e especializar” magistrados, que poderiam dar resposta nesse tipo de crimes a vários municípios da Comarca, avançou.

“É um desafio aqui que me parece que vou ter de enfrentar: juntar sinergias na área da violência doméstica, entre magistrados e outros parceiros. Em Coimbra, a situação está facilitada, mas fora teremos de ir ao encontro [de parceiros]”, salientou.

Sobre o futuro na coordenação do MP, Ana Simões realçou a importância de ter de orientar e motivar os magistrados.

“São circunstâncias difíceis em que exercemos as nossas funções e é preciso um esforço de motivação grande para que as pessoas não desanimem”, vincou.

Falta de recursos humanos e instalações desadequadas preocupam MP de Coimbra

A falta de recursos humanos e instalações desadequadas são os dois grandes desafios que Ana Simões encontrou ao chegar a Coimbra. À agência Lusa, a coordenadora explicou que o Ministério Público da Comarca enfrenta uma falta de recursos humanos, nomeadamente magistrados e oficiais de justiça.

“Em relação à falta de magistrados, não temos capacidade institucional para fazer face a baixas médicas, licenças parentais e ausências prolongadas, repondo esses magistrados temporariamente. Isso é a maior dificuldade, porque depois onera os outros magistrados e afeta a própria capacidade do Ministério Público”, admitiu.

De acordo com a nova coordenadora do Ministério Público, o quadro legal de magistrados da Comarca de Coimbra tem entre 51 a 54 magistrados, tendo ficado preenchidos 46 lugares na sequência do movimento de magistrados de setembro de 2022. “Precisava de, pelo menos, mais cinco magistrados para preencher os 51 lugares”, referiu.

No seu entender, a falta de magistrados tem tendência a agravar-se, sendo exemplo disso os concursos, em que se verifica que há menos magistrados do que lugares disponíveis.

“Quando há um concurso, já há menos do que os necessários para fazer face a reformas e jubilações em catadupa nos últimos tempos. E isto não é uma situação que tende a melhorar, pelo contrário, vai agravar-se”, sustentou.

Para a falta de magistrados nos juízos centrais criminais diz ainda contribuir o estatuto do magistrado, a partir de 2020, que permite a movimentação para locais com um volume de trabalho menos intenso e com menor complexidade e gravidade.

“Alguns magistrados estão um pouco desgastados, cansados desta situação, que se vem tornando crónica, da falta de recursos e que não é só pela pandemia, fazendo com que os mesmos magistrados estejam onerados com mais serviço. Depois, temos situações de burnout e de incapacidade de gerir o serviço da melhor forma e de dar uma resposta que queríamos que fosse melhor, mas que por vezes não conseguimos”, lamentou.

A par da falta de magistrados, em Coimbra registou também a carência de oficiais de justiça, sobretudo na categoria de técnico de justiça principal do Ministério Público.

É uma classe profissional muito envelhecida, com médias de idade superior aos 55 anos, com faltas por doença e a produtividade também não será a mesma. Em termos de percentagem, penso que o défice de oficiais de justiça desta categoria é na ordem dos 25%”, indicou.

À Lusa, destacou o importante papel desta categoria de funcionários judiciais que, por delegação dos magistrados, fazem diligências, ouvem testemunhas e constituem arguidos.

“É uma tarefa muito importante e que também permite agilizar processos. Este é também um desafio grande, agora com o novo estatuto dos oficiais de justiça, com carreira única e sem grandes perspetivas de progressão, o que torna a profissão menos aliciante”, alegou.

Em Coimbra, Ana Simões debate-se ainda com a batalha pela melhoria das instalações, com os serviços a funcionarem em “edifícios desajustados”, nomeadamente o Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) e o Trabalho.

“Sobretudo as instalações do DIAP são completamente desadequadas aos fins a que se destinam. Há a possibilidade de irmos para o edifício dos CTT, não sei se isso já está suficientemente agilizado, mas era uma forte e boa possibilidade”, concluiu.

Já no início do ano, o juiz presidente do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, Carlos Oliveira, apontou que o parque judiciário, no município de Coimbra, carece de “indispensáveis e significativas melhorias”.

“Verifica-se, há várias décadas, a inadequação dos edifícios sitos em apartamentos e dispersos pela cidade. Paga-se bastante em arrendamentos de edifícios que não têm condições mínimas para o fim a que se destinam”, lamentou, na altura.

Em fevereiro, começou a ser desenhado o projeto de arquitetura para a construção de raiz de um novo Palácio da Justiça de Coimbra, elaborado pela Universidade de Coimbra, em estreita cooperação com a Câmara Municipal de Coimbra, Comunidade Intermunicipal da Região de Coimbra, Tribunal da Relação de Coimbra e Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra.

No Ministério Público da Comarca de Coimbra deram entrada 7.232 inquéritos no primeiro semestre de 2022. A média mensal de inquéritos entrados na secção especializada dos crimes da competência reservada da Polícia Judiciária ronda as cinco dezenas, enquanto a média mensal na secção especializada de violência doméstica está na casa das quatro dezenas.