A Constituição de 1822 foi assinada há duzentos anos e a Assembleia da República vai inaugurar esta sexta-feira uma exposição pública com vários “pedaços” da história parlamentar que culminou na primeira lei fundamental portuguesa, “filha” da revolução liberal.

De pincel na mão e uma atenção extrema ao detalhe, Alexandra Santos, conservadora-restauradora, vai preenchendo várias lacunas numa moldura de talha dourada, iluminada pela luz que atravessa a abóbada de vidro da Sala dos Passos Perdidos, na Assembleia da República.

A moldura expõe o estudo feito por José Veloso Salgado em 1920 da pintura que se encontra hoje no cimo da Sala das Sessões, palco principal dos debates políticos mais importantes do país, e que retrata a reunião das Cortes Constituintes de 1821, convocadas após a revolução liberal do ano anterior, no Porto.

Esta sexta-feira a Assembleia da República assinala em sessão solene, com a participação do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, o bicentenário da Constituição de 1822, assinada precisamente no dia 23 de setembro desse ano.

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Logo depois, a exposição “A Primeira Constituição Portuguesa — 1822” vai ser inaugurada pelo presidente do parlamento, Augusto Santos Silva, pelo Presidente da República e pelo presidente das Comemorações do Bicentenário do Constitucionalismo Português, professor Guilherme de Oliveira Martins.

Esta é uma exposição de mostra documental que regista todos os grandes momentos da construção de todos os trabalhos que levaram à Constituição de 1822. Temos a parte dos trabalhos preparatórios, a forma como eram eleitos os deputados, depois os momentos mais significativos no arranque das Cortes Constituintes em 1821″, detalhou à Lusa José Manuel Araújo, diretor de informação e cultura da Assembleia da República.

O princípio da soberania popular, a separação de poderes ou a garantia das liberdades individuais foram alguns dos valores instituídos pela primeira constituição portuguesa, que vigorou apenas oito meses mas deixou um legado que ainda se reflete na atual lei fundamental.

José Manuel Araújo destacou que entre os ‘pedaços’ de história provenientes do espólio documental e museológico do parlamento podem encontrar-se também atos daquelas Cortes Constituintes elaborados à margem da Constituição, como um projeto-lei sobre a liberdade de imprensa ou a abolição do Tribunal da Inquisição.

Acho que o mais significante é até a velocidade em que se procedeu à criação das Cortes Constituintes, ao seu trabalho, à imediata regulamentação de algumas matérias que, resultando dos ideais da revolução liberal, tinham que acontecer e tinham que acontecer rapidamente”, salientou.

Por essa razão, continuou, não se esperou pela aprovação da Constituição para avançar com um conjunto de leis que pretendiam “garantir de imediato uma nova era, um novo momento”.

Ao mesmo tempo que a jovem Alexandra Araújo trabalhava calmamente na moldura dourada, a azáfama dos preparativos à sua volta era grande, com várias pessoas a montar estruturas em tons de dourado ou a colocar no sítio correto o espólio documental.

Depois, o maior “tesouro” da exposição apareceu: o original manuscrito da Constituição de 1822, em pergaminho, com a encadernação forrada a veludo azul e decorada a fio de prata, composta pelos seus 240 artigos.

Com um cuidado extremo e de luvas, uma das funcionárias do arquivo histórico do parlamento pegou no exemplar, enquanto uma outra colocou sob uma moldura em acrílico uma “cama” de um material desenhado para proteger o original de acumulação de humidade e possíveis fungos.

Mesmo atrás do acrílico onde estará exposta a Constituição, é possível encontrar um painel com os nomes dos parlamentares que assinaram o documento, “para todas as pessoas poderem saber quem eram os deputados da sua região que estiveram aqui”, referiu José Manuel Araújo, bem como um painel digital que permite consultar o documento de forma interativa.

Entre o espólio, podem encontrar-se ainda atas trazidas na altura pelos deputados das juntas eleitorais “para confirmar a sua eleição”.

A exposição, que começou a ser preparada em maio, foi um pedido do presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, que considerou que o parlamento “não poderia deixar de marcar” esta data.

No total, envolvemos talvez umas 20 a 30 pessoas dos serviços da Assembleia, com alguns prestadores externos que fizeram brilhar esta exposição como ela está”, avançou o responsável.

A exposição estará aberta ao público até final do ano, é gratuita e não necessita de marcação a não ser que o visitante queira uma explicação mais detalhada. Segundo o site do parlamento as visitas guiadas serão nos dias úteis, entre as 10h00 e as 12h00 e as 14h00 e as 17h00, com início a cada hora.

O “pontapé de saída” para as comemorações do bicentenário no parlamento arranca esta quinta-feira, com um concerto evocativo de João Domingos Bomtempo, pianista e compositor da época, na Sala do Senado.