O projeto do PS para a criação de um banco de terras e de um fundo de mobilização de solos sem dono conhecido foi esta quinta-feira aprovado na generalidade com o apoio do Bloco de Esquerda e Livre.

PCP e Iniciativa Liberal votaram contra o diploma proveniente da bancada socialista, enquanto PSD, Chega e PAN optaram pela abstenção.

Na mesma série de votações, baixou a comissão sem votação um projeto do PAN que pretende aprovar um Programa Nacional de Deseucaliptização, assim como uma resolução desta mesma força política para a “renaturalização e interdição da caça” no Parque Natural da Serra da Estrela.

O projeto do PS agora aprovado na generalidade retoma uma iniciativa do Governo socialista de 2017 integrada na reforma da floresta, mas que foi chumbada nessa legislatura em que a bancada socialista era a segunda maior, após o PSD, na Assembleia da República.

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Já o projeto de lei do BE para a criação de um banco público de terras agrícolas para arrendamento rural foi rejeitado, tendo contado com o voto contra de PS, PSD, Chega, IL e PCP, a abstenção do PAN e o voto favorável de BE e Livre.

Os bloquistas pretendiam que fosse constituído por terrenos com aptidão agrícola ou florestal, com objetivo de “combater o abandono das explorações agrícolas e o êxodo rural, promover a produção agrícola e pecuária e a gestão florestal.

Na reunião plenária desta quinta-feira, os deputados rejeitaram as restantes iniciativas que foram debatidas em conjunto com a do PS, alguns dos quais relativos aos incêndios.

O projeto de lei do PCP que previa a definição de procedimentos pós-incêndios foi rejeitado com os votos contra do PS, e mereceu a abstenção de PSD e IL e o voto favorável do proponente, Chega, BE, PAN e Livre.

Os comunistas pretendiam “garantir a recuperação e salvaguarda dos terrenos afetados pelos incêndios e a reposição das respetivas condições de produção”, através de medidas como a estabilização de solos, a retirada de material ardido, a reposição da cobertura vegetal do solo ou a reflorestação das áreas afetadas.

Foram ainda chumbados pelo parlamento dois projetos de resolução apresentados pelo PCP para a criação de um programa de emergência para a Serra da Estrela e para o alargamento das medidas de apoio às vítimas dos incêndios, um projeto do PSD para a criação de medidas de apoio às empresas florestais, agrícolas e do ambiente e um do BE para o abandono do uso de pesticidas perigosos.

No discurso de encerramento do debate parlamentar, o líder parlamentar do PS, Eurico Brilhante Dias, defendeu que este diploma para a criação de um banco de terras “é verdadeiramente uma reforma estrutural”, numa intervenção em que salientou o caráter nefasto dos terrenos sem dono conhecido.

No plano económico e social, o PS tem alertado que o tecido empresarial agrícola e florestal do país está envelhecido, que o acesso a terras por parte de jovens agricultores é difícil e que a propriedade rústica se encontra excessivamente fracionada, o que impede o seu correto ordenamento de gestão e escala.

De acordo com o PS, calcula-se que os terrenos sem dono conhecido “poderão ultrapassar um milhão de hectares, a esmagadora maioria deles a norte do rio Tejo, onde predomina o micro e o minifúndio”.

O PS procurou afastar também dúvidas de constitucionalidade em relação ao seu diploma, alegando que propõe que as propriedades que não forem identificadas fiquem integradas no banco de terras que o Estado gira ou atribua a sua gestão, mas durante 15 anos não as podendo vender ou alienar”.

“Durante esse período de 15 anos, o seu legítimo proprietário pode sempre reaver esse património”, salientou Eurico Brilhante Dias quando apresentou o diploma nas últimas Jornadas Parlamentares do PS no distrito de Leiria.

PCP acusa PS de querer confiscar terrenos com criação de banco de terras

O PCP acusou esta quinta-feira o PS de querer “fazer um confisco” às pequenas propriedades com a criação de um banco de terras e o PSD acusou o Governo de má gestão da bolsa nacional de terras já existente.

No debate parlamentar proposto pelo PS em torno do seu projeto para a criação de um banco de terras e para a dinamização de um fundo de mobilização destes solos, o deputado João Dias, do PCP, acusou o PS de uma “estratégia e uma conversa muito ardilosa”.

“O que o PS procura aqui trazer é tentar disfarçar o que está na essência da sua intervenção e da sua iniciativa”, afirmou o deputado, criticando que “o PS quer é fazer um confisco à propriedade e à pequena propriedade”.

E apontou que o PS quer “inverter o ónus do negócio” da madeira: “Quer primeiro que tudo intervir na dimensão da propriedade, concentrando-a, e depois quando a propriedade já estiver nas mãos dos grandes é que vai aumentar o preço da madeira”.

É ao contrário, é a aumentar o preço da madeira que vai permitir dinamizar o mercado, nomeadamente da venda da propriedade e do arrendamento”, defendeu o deputado do PCP.

Num pedido de esclarecimento após a intervenção inicial do PS, o comunista considerou que, para os socialistas, o “maior problema da floresta portuguesa é o minifúndio, é a pequena propriedade, a propriedade abandonada”, tendo recusado esta ideia, sustentando que os incêndios têm afetado mais terrenos que “têm dono conhecido e são bastante significativas em termos de área”.

Também num pedido de esclarecimento, o deputado Paulo Ramalho, do PSD, afirmou que a bolsa nacional de terras, criada em 2012, “viveu durante três anos no governo liderado pela coligação PSD/CDS-PP e os últimos sete sob tutela do Governo do PS”.

“É verdade que a concretização dos objetivos da bolsa nacional de terras ficou bem longe do desejado, muito por responsabilidade do Estado que não colocou na bolsa as suas melhores propriedades rústicas e enquanto entidade gestora não soube dinamizar de forma competente esta estrutura“, criticou.

O social-democrata considerou que o Governo “não a soube gerir nem a tornar suficientemente atrativa” e quis saber se o banco de terras proposto pelo PS vai ser constituído apenas pelas propriedades que já colocadas na bolsa de terras ou se haverá mais.

Por seu turno, o deputado Rui Rocha, da Iniciativa Liberal, questionou que “sentido faz a visão integrada destas questões”, dando como exemplo a empresa pública de gestão e desenvolvimento florestal FlorestGal, questionando que papel terá.

Apontando que esta empresa “foi criada na sequência dos graves incêndios de 2017” e “supostamente tinha atividade de gestão da floresta através de meios e de poderes públicos”, o deputado indicou que “teve intervenção em 70 hectares”.

“A ideia que tenho é que é uma prestação muito abaixo daquilo que eram os objetivos e que é um instrumento que não serve para grande coisa”, criticou Rui Rocha, afirmando que “na área que justificou a criação da Florestgal, que é a zona de Pedrógão, aquilo que se conhece é uma intervenção de dimensão muito limitada ou nula”.

Na resposta, o socialista Francisco Rocha defendeu que a “bolsa de terras é um instrumento voluntário, já existe”, mas “está parado, está morto há imenso tempo, porque ninguém coloca nada nem ninguém tira nada”.

“A bolsa vai lá estar, aquilo que se junta é um banco de terras que tem por missão, em primeiro lugar, tratar desse milhão de hectares que estimamos ser sem dono conhecido, preservando as questões de propriedade”, defendeu o deputado, acrescentando que “ao mesmo tempo garante todos os prazos que estão estatuídos no sistema jurídico”.

E respondeu ao PCP, garantindo que “não belisca, não há nenhum confisco”.

Francisco Rocha defendeu não ser possível “desprezar um milhão de hectares de terra que se estima serem os que não têm dono conhecido” quando se trata do “sentido estratégico de uma reforma” e acusou o PSD de, na discussão sobre a reforma da floresta após os incêndios de 2017, estar preocupado apenas com o eucalipto.

PSD diz que banco de terras trará “mais complexidade legislativa”

O PSD considerou esta quinta-feira que o banco de terras que o PS quer criar “trará mais complexidade legislativa e maior desordenamento”, enquanto os socialistas defenderam que “é a ultima peça para fechar o ‘puzzle’ da reforma florestal”.

No debate parlamentar que antecedeu a votação deste projeto-lei para a criação de um banco de terras e para a dinamização de um fundo de mobilização destes solos, a deputada social-democrata Emília Cerqueira teceu críticas à proposta, considerando-a uma “má solução”.

Este projeto-lei que o PS aqui nos traz é claramente mais uma iniciativa à boa moda socialista. Embrulhado nos chavões e promessas bonitas, mas que olhado com atenção é mais uma má solução e um engano para os graves problemas do nosso território”, afirmou.

No entendimento dos sociais-democratas, o projeto socialista vai introduzir “mais desafios ao território, mais complexidade legislativa e um maior desordenamento do território”.

“É a velha teoria do PS. Faz-se uma lei após outra, complica-se cada vez mais, para não fazer nada, pois o projeto do PS ignora o quadro vigente atual. Ignora a existência de uma bolsa de terras e a própria lei de 2019 que aprovou o procedimento do reconhecimento das terras sem dono, para a sua execução do cadastro”, apontou.

A deputada social-democrata considerou ainda que a criação do banco de terras vai levar a que se descore o processo do cadastro.

“Com a aprovação do banco de terras como está proposto como ficará o cadastro? Uma vez que os terrenos sem dono conhecidos voltam a integrar o banco de terras”, questionou.

Em defesa da proposta, a deputada socialista Berta Nunes afirmou que este projeto-lei “será a última peça para fechar o puzzle da reforma florestal” e um “forte instrumento de combate ao despovoamento”.

“A criação de banco de terras é a última peça para fechar o ‘puzzle’ da reforma florestal iniciada pelos governos socialistas. Tem sido o PS a fazer as reformas que o país precisa. As reformas do PS são para melhorar a vida das pessoas”, afirmou a deputada.

Relativamente às considerações sobre o cadastro, Berta Nunes assegurou que este projeto-lei irá resolver a implementação deste mecanismo e lembrou que tanto no Alentejo como no Algarve o cadastro “já está praticamente completo”.

“Vejam a grande quantidade de território e municípios que já estão cadastrados. Se olharmos para esse mapa ele está principalmente a sul, no Alentejo e no Algarve, porque existe muito mais dificuldade em fazer esse cadastro com os métodos tradicionais a norte, com a pequena propriedade”, argumentou.

Das outras bancadas parlamentares também se ouviram algumas críticas ao projeto-lei socialista, nomeadamente do Bloco de Esquerda, que também apresentou um diploma sobre a criação de um banco público de terras agrícolas.

“O nosso [projeto-lei] parte da mesma análise do PS, mas salvaguarda mais os interesses dos pequenos proprietários e a sustentabilidade ambiental”, afirmou Pedro Filipe Soares.

Durante a sua intervenção, o presidente do grupo parlamentar do BE defendeu ainda a importância do cadastro, ressalvando, contudo, que este não deve servir apenas para pedir responsabilidades aos proprietários, mas também para que o Estado “possa agir e intervir”.

Por seu turno, o deputado do Chega Pedro Pinto questionou a eficácia deste projeto e acusou os socialistas de quererem fazer expropriações.

“Se o próprio Estado nem consegue cuidar das suas terras, como podemos confiar que com este fundo que o PS vem criar, fazer expropriações, as coisas serão diferentes?”, observou.

Já a intervenção da Iniciativa Liberal, a cargo de Rui Rocha, foi feita com recurso ao humor, utilizando o último nome do primeiro-ministro.

“Vou recorrer a dois conceitos. O primeiro conceito é a costice e o segundo é o de costaclismo. A costice é o modo de funcionamento normal do primeiro-ministro, António Costa, e do seu Governo. As costaclices são as consequências das costices. Portanto, temos uma sucessão de costices que, mais cedo ou mais tarde, vão ter uma consequência, que é um costaclismo”, brincou.

Por sua vez, o PAN, que também apresentou um projeto-lei para aprovar um programa nacional de deseucaliptização, defendeu a necessidade de mudar a forma como se olha para a floresta, pegando no exemplo dos incêndios deste verão.

O que temos de retirar destes incêndios é que é mais do que tempo mudarmos as políticas em matéria florestal e ambiental, abandonando as soluções que só veem o eucalipto como o alfa e o ómega da floresta. Temos de mudar o mosaico florestal”, defendeu Inês de Sousa Real.

Já o deputado único do Livre, Rui Tavares, considerou interessante a existência de um banco de terras, desde que se consiga encontrar “bons destinatários”.

“Existir um banco de terras, desde que na especialidade possamos averiguar acerca dos usos deles, possamos encontrar bons destinatários, como por exemplo cooperativas, para que possam utilizar temporariamente esses terrenos, parece-me que responde a uma necessidade do país, como várias leis ao longo do século já tiveram de responder”, defendeu.

Na mesma série de votações, baixou a comissão sem votação um projeto do PAN que pretende aprovar um Programa Nacional de Deseucaliptização, assim como uma resolução desta mesma força política para a “renaturalização e interdição da caça” no Parque Natural da Serra da Estrela.

O projeto do PS agora aprovado na generalidade retoma uma iniciativa do Governo socialista de 2017 integrada na reforma da floresta, mas que foi chumbada nessa legislatura em que a bancada socialista era a segunda maior, após o PSD, na Assembleia da República.