Hilary Mantel, autora de Wolf Hall e uma das mais importantes romancistas inglesas contemporâneas, morreu “de repente, mas pacificamente”, esta quinta-feira, aos 70 anos, “rodeada pela família mais próxima e amigos”, confirmou a HarperCollins.

Em comunicado, a editora descreveu a escritora como “uma das grandes romancistas inglesas deste século”. “As suas adoradas obras são consideras clássicos modernos. Vamos sentir a sua falta.”

O agente que a acompanhou ao longo de toda a sua carreira, Ben Hamilton, declarou que foi um grande privilégio trabalhar com a autora, destacando a sua sabedoria e a forma estoica como lidava com os seus problemas de saúde. Mantel foi diagnosticada com uma forma extrema de endometriose, uma doença crónica, nos anos 80. Estima-se que esta doença afeta uma em cada dez mulheres, mas o diagnóstico é geralmente tardio. Foi isso que aconteceu com a escritora.

“A sua sabedoria, audácia estilística, ambição criativa e a fenomenal compreensão histórica tornam-na uma das grandes romancistas do nosso tempo”, afirmou Hamilton, citado pelo The Telegraph. “Havia sempre em torno dela uma aura de quem não pertence a este mundo, uma vez que ela via e sentia as coisas que nós, simples mortais, geralmente não víamos, mas quando ela percebia que o confronto era necessário, ela ia sem medo para a batalha. E tudo isto tendo como pano de fundo problemas de saúde crónicas, com os quais ela lidava tão estoicamente.”

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Wolf Hall”, de Hilary Mantel, é o melhor livro do século XXI? O The Guardian acredita que sim

Também o seu editor, Nicholas Pearson, destacou a forma única como Mantel olhava para o mundo que a rodeava. “A Hilary tinha uma visão única do mundo — ela dividia-o e revelava como é que funcionava nos seus romances históricos e contemporâneos — cada livro uma teia inesquecível de frases luminosas, personagens inesquecíveis e perspetivas extraordinárias”, disse, de acordo com o The Telegraph. “Ela parecia saber tudo.”

Descrevendo a escritora como bondosa e generosa, Pearson confessou que esteve com ela no mês passado e que ela falou sobre um novo romance. “É insuportável pensar que não vamos voltar a ter o prazer de ler as suas palavras. O que temos é um corpo de trabalho que será lido por gerações. Temos de ficar agradecidos por isso. Vou sentir a sua falta.”

Man Booker Prize for Fiction

Hilary Mantel quando recebeu o primeiro Booker Prize, por Wolf Hall (Zak Hussein/PA Images via Getty Images)

“Feroz, fabulosa e destemida”: “Perdemos um génio”

Políticos e escritores prestaram igualmente tributo a Mantel. A primeira-ministra da Escócia, Nicola Sturgeon, escreveu que é “impossível exagerar o significado do legado literário que Hilary Mantel Deixa. A sua brilhante trilogia Wolf Hall foi a coroa de ouro de um extraordinário corpo de trabalho”.

Maggie O’Farell, autora de Hamnet, afirmou que o Reino Unido perdeu “outra monarca” com a morte da escritora. “Mantel era a rainha da literatura e o seu reino foi, tal como o de Isabel II, longo, variado e incontestável. Deixa um vácuo enorme que não é possível preencher, um profundo sentimento de perda para o público leitor e um imponente corpo de trabalho”, afirmou ao The Guardian, descrevendo Mantel como “feroz, fabulosa e destemida” como autora. No Twitter, J.K. Rowling escreveu simplesmente: “Perdemos um génio”.

The Man Booker Prize

Hilary Mantel em 2012, quando venceu o Booker Prize pelo segundo livro da trilogia sobre Thomas Cromwell, Bring Up the Bodies (O Livro Negro, na tradução portuguesa) (Ben Pruchnie/Getty Images)

Hilary Mantel nasceu a 6 de julho de 1952, na localidade de Glossop, em Inglaterra. Formada em Direito pela Universidade de Sheffield, trabalhou como assistente social. Após o casamento com o geólogo Gerald McEwen, em setembro de 1972, o casal mudou-se para o Botswana, onde viveu durante cinco anos, e depois para a Arábia Saudita, onde permaneceu durante quatro, antes do regresso definitivo ao Reino Unido, em meados dos anos 80.

Autora de 12 romances e duas coletâneas de contos, Mantel é mais conhecida pela trilogia sobre a ascensão e queda de Thomas Cromwell, ministro de Henrique VIII, iniciada em 2009 com Wolf Hall. A saga foi continuada em 2012 com O Livro Negro e foi concluída em 2020 com O Espelho e a Luz. A trilogia encontra-se publicada em Portugal pela Editorial Presença.

“O Espelho e a Luz” e a exigente ambição de Hilary Mantel

Por altura da publicação de Wolf Hall, o crítico literário Christopher Taylor, que previu que o livro venceria o Booker Prize, descreveu-o como “escrito de forma lírica, mas ao mesmo tempo limpa e arrumada”, “imaginado de forma sólida, mas ao mesmo tempo com ressonâncias assustadoras e às vezes muito divertido”. “Não é parecido com nada do que existe na ficção contemporânea britânica”, declarou, salientando o facto de a escritora ter tornado Thomas Cromwell num “racionalista moderno com roupa renascentista”.

Considerada uma das grandes escritoras inglesas do século XXI, Mantel venceu duas vezes o Booker Prize, com os dois primeiros volumes da trilogia de Cromwell. Em 2018, foi finalista do Golden Booker, prémio criado para comemorar os 50 anos do galardão literário inglês, com Wolf Hall, considerado pelo The Guardian o melhor livro do século XXI.

“Os detalhes superficiais são sensuais, vividamente imediatos, a linguagem fresca como um quadro acabado de pintar; mas a sua exploração do poder, destino e fortuna é também profundamente pensada e está constantemente em diálogo com a nossa era, já que somos moldados e criados pelo passado.  Neste livro, temos, como a autora intendeu, ‘um sentido de história que ouve e que conversa consigo própria”, referiu o jornal na altura.

Foi por duas vezes condecorada com a Ordem do Império Britânico por serviços prestados à literatura.