A iniciativa do Chega que pretende censurar o comportamento do presidente do parlamento, Augusto Santos Silva, “padece de inconformidade constitucional e regimental”, não tendo condições para ser admitida, defende um parecer elaborado pela deputada única do PAN.

De acordo com o documento de 19 páginas, ao qual a Lusa teve acesso e que será votado na quarta-feira na comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, o projeto de resolução do Chega “não reúne os requisitos de admissibilidade” e “padece de inconformidade constitucional e regimental”.

O parecer, que tem como objetivo sustentar se o projeto do Chega pode ser admitido para debate ou não, ficou a cargo da deputada única do PAN, Inês Sousa Real. O documento conclui que a iniciativa “não tem habilitação expressa constitucional (ou regimental), atributiva de competência da Assembleia da República, para que esta possa censurar o comportamento do Presidente da Assembleia da República ou de qualquer outro deputado à Assembleia da República, ressalvados os casos legalmente previstos, nomeadamente no Estatuto dos Deputados”.

A única situação que a Constituição admite uma deliberação de censura, por parte da Assembleia da República, é a respeito de uma aprovação de moção de censura ao Governo” e não ao presidente do parlamento, lê-se no texto.

Inês Sousa Real sustenta ainda que “a reclamação e recurso para o plenário são as formas regimentais de impugnação das decisões do Presidente da Assembleia da República, sendo ainda possível aos deputados recorrerem a outras figuras regimentais para reagir a atuações da Mesa e/ou de quaisquer outros deputados”.

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No texto, a deputada detalha que “a aprovação de uma moção de censura ao Governo é o único caso em que a Constituição permite que a Assembleia da República delibere censurar alguém – a saber, o Governo” e, mesmo nesses casos, a forma adequada não é através de uma resolução, mas sim de uma moção, segundo o número 4 do artigo 166.º da Constituição.

Inês Sousa Real salienta que os deputados “têm à sua disposição a reclamação e recurso para o plenário como formas de impugnar as decisões do Presidente da Assembleia da República e que “só estas formas de impugnação são possíveis para superar decisões” do presidente do parlamento “que possam ser controversas do ponto de vista legal, constitucional ou regimental”.

De acordo com o Regimento, salienta a deputada, os parlamentares têm ainda a possibilidade de recorrer a outras figuras regimentais para reagir a atuações da Mesa ou de outros deputados, nomeadamente através de interpelações à Mesa, fazer protestos e contraprotestos ou a defesa da honra.

A deputada vinca que “qualquer iniciativa nesse sentido, a ser eventualmente admitida, consubstancia uma discussão estéril e gratuita, pois não desembocaria em consequência de qualquer espécie, designadamente não teria qualquer efeito externo que se pretenderia numa resolução”.

Ademais, veja-se por mera hipótese académica, não é sequer constitucional, nem regimentalmente possível a perda de mandato de quaisquer deputados por motivo de censura dos seus comportamentos (o artigo 160.º, nº1 da CRP não prevê essa situação como causa da perda do mandato de deputado), ressalvado, claro está o previsto no Estatuto dos deputados”, vinca.

Sousa Real cita ainda o n.º1 do artigo 157.º da Constituição, que estabelece que “os deputados não respondem civil, criminal ou disciplinarmente pelos votos e opiniões que emitirem no exercício das suas funções”.

“Os deputados, onde se inclui S. Exa. o Presidente da Assembleia da República, não podem ser alvo de censura por parte do próprio órgãos de soberania Assembleia da República, reunida em plenário, por opções políticas que defendam ou por juízos e apreciações que teçam no desempenho do seu mandato parlamentar”, lê-se no texto.

No final de julho, o Chega apresentou um projeto de resolução que visa censurar o comportamento do presidente do parlamento, por ausência de imparcialidade e de isenção no exercício do seu cargo.

Santos Silva pediu à Comissão de Assuntos Constitucionais que emitisse um parecer “sobre a conformidade constitucional e regimental” do projeto de resolução do Chega, “nomeadamente para efeito da sua admissibilidade” e justificou esta decisão “pelas dúvidas suscitadas pelos serviços da Assembleia mas também em razão das dúvidas muito fundas e muito complexas” suscitadas “no plano ético-político, não por este projeto de resolução em concreto, mas pelo precedente que ele pode criar”.

A elaboração do parecer foi atribuída ao PAN depois do PSD ter pedido escusa de o fazer, recusando alimentar qualquer “folclore” político, e da Iniciativa Liberal também recusar “fazer o trabalho que deve ser feito pelo PSD”.