O debate de urgência requerido pelo Chega é quase passado a papel químico de outros debates parlamentares em que André Ventura não pode confrontar, como queria, determinados membros do Governo (invariavelmente em momento de fragilidade). Ainda no início do mês, o líder do Chega questionou porque não compareceram António Costa e Fernando Medina a um debate sobre o aumento do custo de vida. A conclusão final — e novamente explorada nesse debate: esconderam-se e o plano que apresentaram foi escondido. Pouco mudou agora, com o novo aeroporto em debate e o líder do Chega confrontado com a ausência do ministro Pedro Nuno Santos. Conclusão: “Escondeu-se” e Costa apresentou um acordo feito às escondidas com o PSD.

O argumento da “cobardia”, “incapacidade”, irrelevância política de Pedro Nuno Santos, ou do ministro que teve de dar o dito por não dito no novo aeroporto em junho passado, foi usado do início ao fim do debate. E mesmo quando a ministra dos Assuntos Parlamentares pediu a palavra para explicar que o ministro não estava porque tinha estado de manhã no Porto, num evento com o primeiro-ministro, Ventura carregou no acelerador da distância Lisboa-Porto para calcular que se Pedro Nuno terminou a intervenção na cerimónia de Apresentação da Nova Linha de Alta Velocidade, no Porto, “às 11h56″, teria tempo para fazer o “caminho do Porto a Lisboa que é de 2h34 minutos”. O plenário que conhece a A1 e o percurso manifestava-se contra o exagero, mas o número estava feito.

André Ventura pediu aquele debate na sexta-feira, depois de ter ouvido António Costa apresentar o acordo firmado com o PSD para o método de escolha do local para o novo aeroporto de Lisboa. E logo avisou que o debate serviria para que Pedro Nuno Santos desse “a todos os partidos, a todos os portugueses, a explicação do que sucedeu naquele lamentável episódio” da decisão de Alcochete que foi revogada pelo próprio depois de reprimenda pública do primeiro-ministro. O objetivo era expor a ferida mal sarada no Governo entre o primeiro-ministro e o ministro que tem forte influência política no PS. Ventura acabou por não ir por um caminho porque o ministro não estava; seguiu por outro.

Mas não só. Ventura também queria firmar distância para o PSD que, nesta matéria concreta, se somou ao Governo numa solução para a escolha da localização do novo aeroporto. E sublinhou isso mesmo logo no arranque do debate ao apontar aos “dois partidos em conluio absoluto”.  O PS aproveitou a deixa para apontar à “crise de ciúmes” que o Chega tem do PSD.

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PSD sem margem para se opor

Os sociais-democratas esperaram pelo fim para intervir e, de facto, com pouca margem de manobra para a oposição. O deputado do PSD Paulo Rio Oliveira limitou-se a falar nas exigências que o seu partido fez ao Governo neste acordo, nomeadamente a existência de uma avaliação ambiental estratégia, uma avaliação técnica que apoie a decisão política.

Quanto a ataques, quase nada, apenas a justificação de que “o PSD tem em relação a este assunto enorme responsabilidade. É um partido de poder e não de protesto”. Só conseguiu ir à boleia do que tinha dito o primeiro-ministro no dia anterior, ao dizer que se no fim de todos os estudos o PSD não concordar com a decisão política, avançará com a maioria absoluta que tem. Mesmo nisso o PSD não descola nem se mostra especialmente preocupado: “A última decisão será sempre e só do próprio Governo”.

Nem mesmo a intervenção do PS, que também só quis falar depois do secretário de Estado, foi totalmente vazia de sentido crítico à sua própria atuação. Em matéria de aeroporto e perante 50 anos de indecisão, o deputado Carlos Pereira ainda fez uma espécie de mea culpa assumindo que o seu partido “não fez tudo bem”, prometendo no entanto “empenho” para “junto com o maior partido da oposição, permitir um acordo” e “uma solução sólida para o país.”

Na restante oposição, também houve cumplicidades, com a do PCP e BE ao ficarem juntos na defesa de Alcochete, e contra um processo que já vai longo e que o Governo tinha todos os instrumentos — incluindo uma avaliação de ambiental estratégica — para sustentar uma escolha sem novas comissões técnicas.

No PAN, Inês Sousa Real pediu que se considere Beja também, entre as localizações estudadas, e quis saber mais sobre o poder de veto das câmaras que o Governo quer limitar. Mas do Governo não obteve respostas, já que o secretário de Estado que substituiu Pedro Nuno no debate — Hugo Mendes, que assinou o despacho revogado — mais não fez do que repetir o pouco que se sabe do que será aprovado amanhã em Conselho de Ministros. O governante limitou-se a falar na necessidade de um “consenso político o mais alargado possível”.