Escrito pela inglesa Katy Brand e realizado pela australiana Sophie Hyde, “Boa Sorte, Leo Grande” começa com uma mulher na casa dos 60 a entrar num quarto de hotel. Ela chama-se Nancy Stokes (Emma Thompson), é viúva e professora de Moral e Religião reformada. Está ali porque depois de uma longa vida conjugal sexualmente rotineira e frustrante, em que nunca teve um orgasmo, quer finalmente saber o que é ter prazer e viver uma experiência sexual que a satisfaça. Por isso, Nancy contactou um acompanhante de luxo (ou, na terminologia politicamente correta de hoje, um “trabalhador do sexo”) e marcou encontro com ele naquele quarto de hotel no qual, cheia de nervos, o espera.

[Veja o “trailer” de “Boa Sorte, Leo Grande”:]

Quando o dito, de nome profissional Leo Grande (Daryl McCormack), aparece, revela-se um rapaz educado, afável, compreensivo e paciente. Nancy contratou Leo para ter sexo, mas acontece que ela também precisa de alguém com quem falar e dar vazão a todas as suas inseguranças, inibições, frustrações e hesitações – nomeadamente, sobre a própria consumação do ato e as implicações morais e sociais do sexo pago. Por isso, os sucessivos encontros entre ambos são preenchidos muito menos com sexo do que com conversa. Nancy precisa tanto de um amante como de companhia. De preferência, a de um terapeuta.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

[Veja uma entrevista com os dois intérpretes:]

Passado quase todo no mesmo quarto de hotel, “Boa Sorte, Leo Grande”, é teatro filmado e as duas personagens principais são estereótipos com diminuta veracidade humana e consistência dramática, o que deixa uma atriz como Thompson subutilizada. Leo é a versão atualizada e masculina de uma figura-tipo da literatura popular e do cinema, a prostituta com um coração de ouro, enquanto que Nancy personifica o cliché da mulher emocional e sexualmente dececionada, que na cabeça da argumentista só podia ser uma professora de Religião e Moral (porque não uma de Ciências, de História ou de Inglês? Também não têm problemas conjugais e sexuais?).

[Veja uma cena do filme:]

O filme é previsível de cima a baixo. As conversas com que Nancy e Leo se vão dando a conhecer um ao outro, ganhando confiança e intimidade para contarem as suas respetivas vidas; o gradual processo de desinibição dela, acompanhado por algumas revelações por parte dele; o inevitável momento de tensão e confronto; e a conclusão “libertadora”, do ponto de vista sexual para ela, no plano pessoal para ele. Há momentos divertidos, dois ou três tocantes, mas de resto, não se passa da mediania mastigada dos lugares-comuns confessionais e da baixa auto-estima, temperada com uma certa ingenuidade e algum sentimentalismo — e ainda uma pitada de preocupação “social” (os mitos e as realidades do negócio da prostituição).

No que respeita a sexo, “Boa Sorte, Leo Grande” é púdico e discreto, mesmo que a sua conclusão (também ela com barbas de estereótipo) seja que tudo o que Nancy precisava — além de alguém com quem desabafar —, era de aprender a conhecer e a gostar do seu corpo. Não faltaram críticos para louvar a “coragem” da fita em abordar o tema do sexo pago entre uma mulher mais velha e um jovem, e de Emma Thompson se mostrar nua (mesmo que seja num breve plano). Mas a verdade é que, nos tempos que correm, corajoso mesmo seria fazer um filme sobre um homem de idade e uma rapariga nova exatamente na mesma situação de Nancy e Leo.