O caso de Molly chegou a ser olhado como o ponto sem retorno: a partir da sua morte, muitos esperavam (começando pelo pai da jovem), que as redes sociais apertassem as regras de segurança para proteger crianças de interagirem com conteúdo inapropriado. No Reino Unido, a legislação pensada para esse efeito — a Online Safety Bill — nunca saiu do Parlamento. Nesta sexta-feira, cinco anos depois da morte de Molly Russell, adolescente de 14 anos, foi determinada a causa da sua morte: não foi suicídio, mas antes uma morte influenciada pelos conteúdos das redes sociais. A conclusão do inquérito judicial que decorria para investigar as circunstâncias da morte da jovem britânica foi revelada esta sexta-feira.

No final da investigação, Andrew Walker, médico legista, anunciou o muito esperado veredito: Molly morreu “de um ato de automutilação, enquanto sofria de depressão e dos efeitos negativos de conteúdo online”. As imagens e vídeos que Molly viu nos últimos meses da sua vida “não eram seguros” e “não deviam estar disponíveis para uma criança ver”.

Molly morreu em novembro de 2017 e, perante o que parecia ser um suicídio, a família procurou na internet, e nos sites que a jovem frequentava, o motivo que a teria levado a pôr fim à sua vida. A pegada digital revelou que a rapariga viu mais de 2.000 publicações sobre depressão, auto-mutilação e suicídio em redes como o Instagram e o Pinterest.

Publicações “normalizavam” depressão, auto-mutilação e outras questões de saúde mental

“Em alguns dos casos, o conteúdo era particularmente explícito, e retratava a auto-mutilação e o suicídio como consequência inevitável de uma condição da qual não se podia recuperar”, argumentou o médico legista quando apresentou as suas conclusões sobre a morte de Molly. “Os sites normalizavam a sua condição, focando-se numa vista limitada e irracional, sem qualquer contrapeso de normalidade.”

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Por tudo isto, Andrew Walker considerou, na audiência desta sexta-feira, que os conteúdos a que a adolescente esteve exposta tiveram influência na sua morte. “É provável que estes conteúdos vistos por Molly, que já sofria de depressão e era vulnerável devido à sua idade, tenham afetado negativamente a sua saúde mental e tenham contribuído, de uma forma mais do que mínima, para a sua morte.”

O especialista considerou que Molly era uma jovem normal e saudável, que ia bem na escola, mostrando especial interesse em artes performativas. Acabou por ficar deprimida, detalhou o médico legista, situação que evoluiu para uma depressão clínica. Andrew Walker frisou ainda que, devido ao uso de algoritmos, a jovem acabava pôr ser exposta a conteúdo que não tinha solicitado.

Pai de Molly envia mensagem a Zuckerberg

“Por favor, façam o que puderem para ter uma vida longa e manterem-se fortes.” Ian Russell, pai de Molly, falava em conferência de imprensa e a sua mensagem foi dirigida a jovens que, como a sua filha, possam estar a debater-se com problemas de saúde mental. E frisou: “Por muito negro que tudo pareça, há sempre esperança.”

“Se estiveres a lutar, por favor fala com alguém em quem possas confiar ou com uma das muitas associações de apoio que existem em vez de te ligares a conteúdo online que pode ser perigoso”, sublinhou Ian Russell que, desde a morte da filha, se tornou ativista da segurança das crianças e jovens na internet. O seu desejo é que o resultado do inquérito judicial “seja um passo importante para que haja mudança”, até porque até agora as empresas deram passos muito pequenos.

Além de se dirigir aos jovens, o pai de Molly também deixou uma mensagem para as empresas que controlam as redes sociais e, em especial, a Mark Zuckerberg (CEO da Meta, dona do Instagram, do Facebook e do Whatsapp, entre outras empresas): “Oiça as pessoas que usam as suas plataformas, ouça as conclusões do médico legista neste inquérito, e faça alguma coisa sobre isto.”

Ian Russell considerou ainda que estas empresas não se preocupam com a segurança e que os seus produtos não são seguros uma vez que são mal usados pelos utilizadores. “Criou-se um monstro, e temos de fazer algo em relação a esse monstro em prol da segurança das nossas crianças.” O seu último pedido foi para que haja uma mudança na política empresarial, passando a “pôr-se a segurança à frente dos lucros”.

Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.

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