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Uma “Tabula Rasa” para recomeçar: a Companhia Portuguesa de Bailado Contemporâneo, Benvindo Fonseca e o futuro

Este artigo tem mais de 1 ano

Este é o início da temporada da Companhia Portuguesa de Bailado Contemporâneo. E é a abertura de um novo ano e de uma etapa que celebra 25 anos, a partir do Teatro Meridional, em Lisboa.

Os ensaios de "Tabula Rasa", observados e coordenados por Benvindo Fonseca
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Os ensaios de "Tabula Rasa", observados e coordenados por Benvindo Fonseca

Os ensaios de "Tabula Rasa", observados e coordenados por Benvindo Fonseca

Primeiro um murmúrio, depois o toque de um violino e o esmiuçar de um sorriso nos semblantes em cena: à medida que se ouvem as primeiras notas de “Tabula Rasa”, a composição de Arvo Pärt, de 1977, inicia-se uma jornada de permanente descoberta em movimento. Caem as máscaras, dir-se-ia – as mesmas que a escritora Maya Angelou dizem serem uma armadura para a vida, mesmo quando tomam a forma de um aparente sorriso ou gargalhar. Estamos num território de leveza e silêncio, por entre o caos, elementos que impactam o condão criativo do bailarino e coreógrafo Benvindo Fonseca. O criador pegou no nome da peça do compositor estoniano e fez a sua própria “Tabula Rasa”, um diálogo entre movimento e música, sobre e para as pessoas que a vejam e a possam ouvir. Dançada por 10 bailarinos da Companhia Portuguesa de Bailado Contemporâneo (CPBC), a peça estreia-se nos dias 1 e 2 de outubro, no Teatro Meridional, em Lisboa.

Munida de sentido, intenção e autobiografia, “Tabula Rasa” de Benvindo carrega o lado minimalista e barroco da composição de Pärt. Trilhada pela força dos silêncios, mais do que pela composição musical, trata-se afinal de uma peça de culto, surgida depois de um período de “reorientação artística”, assumida pelo próprio compositor. Chegada até nós e a partir desta declaração de silêncio e manifesto de concentração face aos aspetos mais etéreos da vida, a coreografia de Benvindo é, acima de tudo, uma tradução através da dança. “Percebi como ele próprio assume ter feito esta composição para as pessoas. Não faço nada sem sentido. Já não me interessa fazer coisas só por fazer e tem de haver algo que me mova e que mova o todo. É aí que me sinto útil. Quero fazer as pessoas pensarem. Depois desta pandemia, onde é que estamos? Se as pessoas são o mais importante, vamos falar sobre elas”, explica o criador.

Entre duetos e corpos alinhados em grupo, não deixa de existir um lado hermético, onde os momentos de desalinho e desequilíbrio se tornam essenciais para o desenrolar da coreografia. Daí que “Tabula Rasa” deambule entre movimentos de leveza e de pujança lírica, mas também de caos, em que os corpos parecem lutar num desprendimento face à sua natureza. “Vivemos num caos no qual temos de aprender o silêncio. Foi-nos dado esse silêncio para nos entendermos. As pessoas para estarem com elas mesmas – e eu próprio estou ali – precisam de parar”. Nessa missão que envolve o criador e seus intérpretes, procura-se um mesmo fim. “Serve para aprender a viver com o silêncio, para nos valorizarmos e estarmos no momento. Terá sempre a ver com a nossa maturidade”.

Benvindo Fonseca: "Esta peça simboliza a jornada de um qualquer ser humano, com os seus oceanos, as suas velocidades, com os encontros e desencontros que ocorrem no dia-a-dia"

E mesmo perante o silêncio, “Tabula Rasa” não deixa de antever caminho, ao som resplandecente de Louis Armstrong, que nos diz ‘what a wonderful world’, através da música escutada na parte final, em que se parece renascer depois da quietude. Fora a metáfora da jangada de pedra, dança-se como se sente o peso do quotidiano: “Esta peça simboliza a jornada de um qualquer ser humano, com os seus oceanos, as suas velocidades, com os encontros e desencontros que ocorrem no dia-a-dia, os nossos amores e desamores vários”, explica Benvindo Fonseca, que evidencia a perda recente da sua mãe como elo inato para a coreografia que agora ganha forma e palco.

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O início de uma nova temporada

Além do convite feito ao coreógrafo, ainda em 2021, para criar a sua “Tabula Rasa”, o programa da CPBC que se apresenta no Teatro Meridional, conta ainda com a reposição de outras duas peças: “Apperception Plotline”, da coreógrafa Margarida Belo Costa, encomendada pela companhia, e “Corrente”, coreografada pelos também bailarinos da CPBC, Beatriz Mira e Tiago Barreiros. Inspirada livremente na obra “Modos de Ver”, do ensaísta britânico John Berger, a primeira peça trabalha sobre o coletivo e na forma como os corpos se juntam e se moldam como ondas. Uma peça que pega no visceral, pontuada de momentos non-sense – de forma muitas vezes teatralizada – onde os olhares se sobrepõem muitas vezes ao toque: um mote de questionamento sobre o ver e o ser-se visto, com momentos que podem ser experienciados em diferentes sequências coreográficas.

A peça liga-se assim, de forma quase natural, à seguinte, “Corrente”, um dueto sobre o poder de escolha nas sociedades atuais. Beatriz e Tiago dão força a um movimento relacional de dois corpos, enquanto se entreajudam entre a escolha de fazer e de se deixar levar. Uma reflexão sobre a corrente dos dias e as escolhas que nos são impostas, entre a procura pelo conforto e pelo domínio. “O foco do projeto é explorar os limites daquilo que tomamos como sendo o nosso livre-arbítrio e a forma como estas considerações estão na origem um tanto misteriosa e ilógica das escolhas que fazemos”, escrevem no texto de apresentação.

“Corrente”, um dueto sobre o poder de escolha nas sociedades atuais, com Beatriz Mira e Tiago Barreiros

O programa marca o início da nova temporada para a companhia, depois de um período marcado pelas dificuldades financeiras, pela pandemia e os desafios que esse mesmo interregno impôs. A um ano de completarem 25 anos de existência, a CPBC, fundada em 1998, pelo reconhecido coreógrafo Vasco Wellenkamp, quer trilhar um caminho de futuro, aberto às novas tendências, mas mantendo bem presente a linha do seu fundador. Depois de receberem um apoio da seguradora Allianz, em 2019, a companhia voltou a um período de consolidação da sua estrutura. Na viragem da pandemia, a produtora Cláudia Sampaio assumiu a direção artística da companhia, ao passo que Vasco Wellenkamp, com 80 anos, se mantém como coreógrafo e orientador das atividades em curso.

Um legado para o futuro

Sob o signo de Wellenkamp – que continua a criar –, ele que foi um dos principais coreógrafos do Ballet Gulbenkian, na década de 1980 e também diretor da Companhia Nacional de Bailado, até 2010, a CPBC assume-se, mais do que nunca, como uma companhia de repertório, com uma linha estética própria. Hoje em dia, com 11 bailarinos no elenco, pretendem manter um ritmo de criação e voltar a ter uma programação contínua, que possa também motivar o surgimento de mais apoios financeiros. Ao Observador, a nova diretora artística explica que quer “manter a obra de Vasco Wellenkamp viva” e a companhia tal qual a conheceu no passado. “Isto não é necessariamente não evoluir, é continuar aquilo que foi interrompido durante alguns anos e que se traduz na necessidade de construção de novo repertório”, sublinha. Espaço aberto à criação, a CPCB quer igualmente consolidar o lugar que ocupa na cidade de Lisboa, e no bairro de Marvila, onde mantém o seu local de ensaios desde 2008.

Mesmo perante as dificuldades e as mudanças a que se assistem no panorama da dança contemporânea – com diferentes linguagens e estéticas performáticas a ganharem lugar nas programações dos espaços –, a nova diretora assume a pretensão de chamar para trabalhar com a companhia coreógrafos de diferentes gerações, algo que se irá refletir já a partir de 2023 através da programação desenhada por si. “Quero que todos estes bailarinos estejam prontos para diferentes linguagens, mas tenho a certeza de que o Vasco Wellenkamp é e continuará a ser uma escola. Ele tem um entendimento tão vasto do que é movimento, entrega e dedicação que quem aprende com ele está pronto para o que quer que seja e para qualquer tipo de linguagem coreográfica”.

“Apperception Plotline”, da coreógrafa Margarida Belo Costa, encomendada pela companhia, reflete sobre a forma como os corpos se juntam e se moldam como ondas

Para a CPBC, hoje cada vez mais aberta à comunidade e que nos últimos meses abriu o seu próprio espaço para diversas residências artísticas, a prioridade é, neste momento, estabilizar a sua situação financeira – numa altura em que esperam pelos resultados dos apoios da DGArtes. “Quero dar dignidade a estes bailarinos, que são as pessoas mais importantes aqui dentro, e que também são criadores”, acrescenta Cláudia Sampaio. A relação emocional entre o grupo reflete-se no dia-a-dia, pontuado de ensaios e de momentos de criação que fazem antever um futuro risonho, com ou mais apoios disponíveis. Um sentimento que ecoa na visão da diretora artística: “tenho uma ligação altamente emocional com esta companhia e gostava que mantivesse o legado do Vasco e que, venha quem vier a seguir não se esqueça que se trata de uma obra singular que influenciou grande parte das pessoas que estão no meio. No fundo, quero fazer com que esta seja a casa da dança contemporânea, aberta a todos e ao futuro. A arte é um lugar de diferentes caminhos, ainda que nem todas as obras tenham de ser um manifesto ou de tendências, ou então que sejam simplesmente um manifesto à beleza, ao amor. Que estas sejam palavras para o presente e futuro da companhia.”

O novo programa da companhia decorre dia 1 e 2 de outubro, no Teatro Meridional, em Lisboa. No sábado o espetáculo acontece às 16 e às 21 horas. No domingo às 16 horas

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