Depois da crua realidade de um encontro de futebol entre o Arema e o Persebaya Surabay que terminou com a morte de 125 pessoas, entre as quais pelo menos 17 crianças, é tempo de homenagens, sobre tempo para questões e exista uma corrida contra o tempo para se perceber o que propiciou aquela que foi a maior tragédia num recinto desportivo das últimas décadas. Para já, são três as linhas de uma investigação que vai chegar à FIFA e que envolve vários responsáveis do governo da Indonésia, jogadores, organizadores de eventos, jornalistas dos meios presentes e académicos. E é nas respostas às perguntas que vão ser feitas nesse espaço que se esperam respostas para o sucedido, numa fase em que o futebol local está suspenso.

Acabou o jogo, começou a invasão, chegou a maior tragédia dos últimos anos: pelos menos 125 mortos em partida de futebol na Indonésia

A primeira faz uma ligação direta à polícia de choque que estava presente no recinto e que entrou logo de rompante no relvado depois da invasão dos adeptos da equipa da casa, atirando gás lacrimogéneo (algo que estaria proibido de acontecer) e, de acordo com alguns relatos, disparando vários tiros para o ar. A segunda hipótese passa pela sobrelotação do recinto, que tem capacidade para 38.000 pessoas mas que teria pelo menos mais 5.000 acima desse mesmo número – sendo que, tratando-se de um dérbi local, fez com que o ministério da Segurança pedisse para que fossem vendidos até menos bilhetes por questões de segurança e para que o jogo se realizasse à tarde e não à noite. Por fim, a terceira aponta diretamente para o baixo nível de segurança do estádio, com erros nos protocolos de intervenção e segurança nestas situações.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“A Polícia deve revelar de imediato os autores envolvidos nestes atos criminosos. Vão ser tomadas todas as medidas contra os responsáveis e as autoridades irão avaliar os procedimentos de segurança”, referiu o ministro da Segurança local, admitindo ainda que há 18 oficiais da polícia que estão a ser investigados por “estarem de serviço e terem entrado a disparar espingardas de gás lacrimogéneo”. Mahfud MD salientou em paralelo que será apurada a veracidade dos vídeos publicados sobre todos os incidentes para perceber se houve da parte das autoridades excessos e atuações fora da sua jurisdição, apontando para um espaço de “duas a três semanas” para que toda a investigação esteja concluída. Dedi Prasetyo, porta voz da Polícia, confirmou também a informação e adiantou que serão analisadas imagens de mais de 30 câmaras de segurança para identificar todos os suspeitos de violência “dentro e fora do recinto”.

Em paralelo com essa parte, e depois de um domingo marcado pelas homenagens sobretudo no Estádio Kanjuruhan, em Malang (província de Java Oriental), com os jogadores do Arema a juntarem-se a todos os tributos feitos a quem perdeu a vida na noite de sábado, continuam a surgir relatos de quem viveu todo o filme de terror na primeira pessoa. Desta vez foi o guarda-redes brasileiro Adilson Maringá, que passou por Portugal ao serviço de clubes como Pinhalnovense, Desp. Aves, Beira-Mar ou Vilafranquense.

“Foi uma cena lamentável. Depois dos jogos temos o hábito de cumprimentar os adeptos e por isso ficámos alguns minutos no campo mas depois vimos que estavam a invadir o relvado. Os polícias pediram-nos que nos retirássemos e que fossemos para o balneário. Saímos normalmente, a andar, só que a invasão foi tão grande que os polícias não conseguiram contê-la. Se repararem no vídeo, eu sou o último a sair. Quando estou a sair vem um grupo de mais ou menos umas oito pessoas que me agarra. E eu já não conseguia sair… Aí temi pela vida. Apareceu um polícia que me ajudou, consegui escapar e corri para o balneário. Depois de entrarmos aconteceu a selvajaria. Eles invadiram, os polícias tentaram contê-los, mas não conseguiram, eram poucos agentes para tanta gente. Então mataram ou pisaram dois agentes, que vieram a morrer. A revolta dos polícias foi grande e começaram a lançar bombas…”, contou ao Globoesporte.

“Não sabíamos de nada, ficámos no balneário umas cinco ou seis horas. Só se ouviam gritos, barulho de bombas e ninguém sabia informar nada. Tememos muito pela vida dentro do balneário. Pensámos ‘Eles vão invadir e matar todos os que estão aqui dentro’. De repente trouxeram pessoas que estavam a agonizar por terem inalado o gás lacrimogéneo. Chegaram a morrer dentro do balneário. Quando vi aquilo desesperei e disse ‘Meu Deus, vou perder a minha vida num jogo de futebol’. Ninguém sabia dizer nada, pediam calma. As pessoas choravam e só sabíamos os números de mortos. ‘Faleceram 50, 60’. Pensei que aquilo ia tornar-se numa guerra sem fim e que nos ia atingir lá dentro. Veio o exército, blindados e a guerra campal continuava. Depois as coisas acalmaram e conseguimos sair do estádio, por volta das 4h da manhã. Quando saímos vimos o desastre no campo e fora do campo. Nunca tinha visto isto na minha vida, havia pessoas mortas como animais. E há muita gente nos hospitais que está por um fio. Estamos sem cabeça para jogar futebol, temos medo. A FIFA tem que tomar providências”, acrescentou o brasileiro.

Este domingo, Sérgio Silva, jogador português do Arema, tinha também revelado tudo o que vira após o jogo. “Quando começámos a ver que estavam a invadir bastantes adeptos, ficámos com um bocado de receio, porque não sabíamos se nos queriam fazer mal. Fomos a correr para o balneário e barricámo-nos aí, sem saber o que se estava a passar. Ao longo do tempo, fomos obtendo informações do exterior e havia muitos feridos, muito alvoroço, mortos atrás de mortos. Foi um cenário aterrador. Ficámos receosos, chegámos a colocar mesas em frente às portas e só depois começámos a perceber que as pessoas estavam em pânico e não era para nos fazerem mal, mas, simplesmente, para terem espaço para circular, porque muitas pessoas morreram por esmagamento e em pânico”, explicou à agência Lusa.

“Os adeptos do Arema e na Indonésia são bastante fanáticos e este era um jogo de alto risco. Achámos que podíamos demorar mais tempo a sair do estádio até os adeptos ficarem mais calmos mas nada de mortos nem nada que se parecesse. Houve um descontrolo total. Não sei se a polícia atuou bem ou mal. Acho que tentou fazer o melhor, certamente morreram pessoas inocentes, mas, se calhar, atingiu uma situação de descontrolo em que a polícia foi obrigada a tomar as medidas que tomou. Futuro? Se vir que corro o mínimo de perigo, serei o primeiro a ir para perto dos meus em Portugal”, completou o jogador.

Também Abel Camará, avançado guineense de 32 anos que passou por vários clubes nacionais como Belenenses, Belenenses SAD, Beira-Mar, Feirense ou Mafra, contou o que passou depois de um encontro onde marcou os dois golos do Arema na derrota por 3-2. “Sinto-me um pouco aliviado, é normal. Ontem [Sábado] vivemos momentos de grande tensão e só pensámos nos nossos filhos e família. Agora é aguardar em casa a ver o que vai acontecer. A equipa do Persebaya teve uma invasão de campo, os jogadores foram agredidos. Foi-se formando ódio para este jogo, falava-se mais de matar do que ganhar o jogo. Acabámos por perder e quando fomos agradecer os começaram a subir as vedações. Fomos para o balneário e foi o caos total”, começou por explicar o dianteiro em declarações à CNN Portugal.

“Infelizmente, com as pessoas a fugir do gás e da polícia, algumas tentaram entrar no nosso balneário, metemos mesas e cadeiras para não mandarem a porta abaixo. Mais um bocado, vi sete ou oito mortos no chão do nosso balneário. Havia muito sangue, ténis e roupas no chão, foi autenticamente um massacre. O estádio estava cheio, havia mais adeptos do que polícias e quando morreram um ou dois polícias a polícia não olhou a meios”, acrescentou o jogador que já passou pelo estádio onde aconteceu toda a tragédia para se juntar às homenagens que têm sido feitas em memória de quem perdeu a vida. De acrescentar ainda que, segundo o último balanço, houve um total de 300 feridos nos confrontos.