Uma paragem no calendário, um triunfo caseiro frente ao Gil Vicente que poderia ter uma outra expressão no resultado, um técnico que olha para aquilo que continua a falhar sem secundarizar o que a equipa fez de positivo. A antecâmara da deslocação do Sporting a Marselha permitiu trabalhar de forma mais desafogada do que na semana depois da derrota no Bessa mas nem por isso Rúben Amorim deixou de baixar a fasquia da exigência apontando ao golo sofrido no último minuto de descontos com os minhotos, já depois de uma bola na trave também a acabar. Se é verdade que o maior problema dos leões no arranque de temporada foi a falta de consistência de resultados mesmo sem grandes flutuações exibicionais, as falhas de concentração com o respetivo castigo continuavam a suceder. E esse foi mais um gancho na exigência máxima pedida pelo treinador em França num Velódrome sem público, recusando qualquer jogo para o empate. 

“Não, o empate não é um bom resultado. Somos o Sporting, uma equipa grande de Portugal. Estamos a crescer e queremos vencer. Este grupo pode mudar de um momento para o outro. Estamos numa má posição no Campeonato e ganhar jogos na Champions ajudou-nos. É uma competição onde ganhamos dinheiro e é importante para nós. Queremos os três pontos. Espero um bom jogo dos meus jogadores, que saibam ler o jogo, mas a ideia é sempre vencer”, pedira Rúben Amorim, entre elogios ao adversário.

“Há uma grande parecença entre as duas equipas. O Marselha fez dois bons jogos na Champions, não merecia perder em casa com o Eintracht Frankfurt e se não fosse a expulsão contra o Tottenham também seria complicado. Também temos tido bons jogos no Campeonato, que a meu ver não merecíamos perder, mas também temos culpa. Temos uma identidade, jogamos sempre da mesma forma, seja na Champions ou no Campeonato. Mesmo estando em sétimo na Liga, o nosso clube obriga-nos a ganhar”, destacara, antes de frisar que “o Marselha joga praticamente no mesmo sistema mas de forma diferente: “O facto de os laterais estarem muito projetados é uma diferença. Jogar com o Guendouzi ou com o Payet pode ser completamente diferente. Temos jogado com extremos com os pés trocados, por isso há sempre essas diferenças. Temos de nos focar muito naquilo que fazemos. Vai ser uma luta de ideias e as individualidades vão fazer a diferença. Confio muito nos jogadores para fazerem depois a diferença para o nosso lado”.

O início de campanha do Sporting na Liga dos Campeões teve adversários diferentes mas foi quase oposto ao que tinha feito na última época. Em vez de duas derrotas, chegava com duas vitórias. Em vez de um golo marcado, levava cinco. Em vez de seis golos consentidos, mantinha ainda a baliza a zero. Mais um triunfo em França seria quase o carimbar da passagem aos oitavos da competição, abrindo até a perspetiva de poder lutar pelo primeiro lugar com o Tottenham. Ao mesmo tempo, um desaire era como o “embrulhar” das contas, tendo essa vantagem de já ter somado uma vitória fora que poderia fazer a diferença nas contas finais. Entre todas essas contas, a equipa de Rúben Amorim tinha mais um desafio à capacidade de saber aprender com os erros do passado sem colocar de parte a identidade construída no presente.

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“Paulinho ou Marcus Edwards? O Paulinho vem de uma lesão, fez um excelente jogo com o Gil Vicente, está recuperado e é mais uma opção. Não vou dizer aqui o jogador que vamos utilizar na frente porque muda a nossa dinâmica. Da mesma forma que o Marselha é difícil de parar e pode mexer em certos jogadores e certas posições que mudam as características do seu jogo, para nós funciona da mesma forma. Jogar com o Paulinho não é a mesma coisa que jogar com o Marcus, jogar com o Marcus na ala ou no meio é diferente. Um dos dois vai jogar no meio, é a única coisa que posso dizer e vai jogar aquele que nós achamos que é melhor para desenvolver o nosso jogo”, garantira o técnico leonino sem abrir o jogo.

A opção recaiu mesmo em Edwards. E com efeitos, acrescente-se: sempre que o inglês tocou na bola, o Marselha andou em sentido. A assistência para o golo de Trincão foi dele, o passe para Pedro Gonçalves falhar isolado foi dele, as jogadas individuais que colocaram a bola na área mesmo que sem remate final foram dele. No entanto, e a meio da primeira parte, o avançado acabou por ser o “sacrificado” no capítulo final de uma noite de horror de Adán, que esteve ligado ao empate de Alexis Sánchez, originou o golo de Harit também numa má reposição e ainda foi expulso com vermelho direto ao cortar uma jogada fora da área que inicialmente parecia inofensiva. Se a comitiva leonina chegou uma hora atrasada e se Trincão picou o ponto no primeiro minuto, o espanhol teve daqueles jogos em que mais valia ficar no trânsito…

O encontro teve de tudo um pouco ainda antes do apito inicial. O Sporting saiu do hotel com batedores e um trajeto desenhado pela polícia, a meio caminho o autocarro ficou sozinho e preso no trânsito, aquilo que devia ser uma chegada às 16h25 atrasou mais de um hora, o jogo foi duas vezes retardado pela UEFA, Igor Tudor andava à beira de um ataque de nervos no túnel de acesso ao relvado gritando que o conjunto leonino não estava a cumprir a nova hora. Para os jogadores verde e brancos, entrou a 100 e saiu a 1.000, como a velocidade de ponta que originou o primeiro golo com apenas 55 segundos: passe longo de St. Juste para Edwards no corredor central, assistência na profundidade para as costas de Nuno Tavares a encontrar Francisco Trincão, trabalho individual com diagonal para o meio e remate sem hipóteses.

Adán ainda defendeu um remate de Harit após combinação com Alexis Sánchez na área (5′) mas eram os leões que colocavam o encontro a seu gosto, explorando sempre os movimentos de apoio de Edwards a atrair os centrais consigo antes de soltar na profundidade como voltou a acontecer com Pedro Gonçalves, isolado pelo inglês para rematar na área para defesa de Pau López (10′). No entanto, aquilo que poderia ser um 2-0 que colocava as contas já inquinadas para os franceses tornou-se uma reviravolta em três minutos com muitas culpas próprias: primeiro Adán chutou uma bola para a frente que bateu em Alexis Sánchez e foi para a baliza (14′), depois ainda viu o mesmo Alexis Sánchez marcar numa recarga em que estava em posição irregular (15′), a seguir viu Harit marcar o 2-1 na sequência de um cruzamento de Clauss na direita que nasceu em nova reposição de bola errada do guarda-redes espanhol com os pés (16′).

O Marselha ainda não tinha marcado nesta Champions mas demorou pouco mais de um quarto de hora para chegar aos dois golos da reviravolta perante o total eclipse de foco, de concentração e de sentido coletivo de um Sporting que começou a ganhar mas colocou-se a jeito para perder. Mais: a passadeira verde que estava estendida nas costas da defesa gaulesa perante a tentativa de pressão mais alta que ia abrindo muitos espaços para as unidades mais rápidas na frente tornou-se uma passadeira verde para os franceses aproveitarem os elementos de maior valia do meio-campo para a frente para fazerem mossa numa defesa a deitar água por todos os corredores e a ter o maior buraco na baliza, com Adán a terminar uma noite de terror com uma expulsão com vermelho direto após cortar a bola com a mão fora da área na sequência de uma saída desnecessária onde Nuno Tavares se conseguiu antecipar a Ricardo Esgaio (23′). Franco Israel ainda não tinha tocado na bola e Balerdi já tinha marcado o terceiro após um canto (28′), sendo que o central ameaçou ainda o bis também numa bola parada em que atirou às malhas laterais.

Sem Marcus Edwards, que foi o sacrificado para a entrada de Israel após a expulsão de Adán, o Sporting deixou de ter projeção ofensiva e ataque, não tinha propriamente muito meio-campo e a defesa era até o seu pior setor. Perante este contexto, Rúben Amorim não teve dúvidas e apostou em quatro substituições logo ao intervalo, com as saídas de St. Juste, Nuno Santos, Ugarte e Pedro Gonçalves para as entradas de José Marsà, Nazinho, Alexandropoulos e Paulinho. Uma oportunidade para dois mais novos, uma chance para o grego poder ganhar outro conhecimento da equipa em jogo, uma abertura para o avançado ter mais minutos. Como também o Marselha baixou o ritmo e intensidade de pressão e com bola, e como a linha defensiva continuava a acertar nos foras de jogo, a possível hecatombe começou a estar controlada.

Durante largos minutos, o único sinal de relativo perigo chegou dos pés de Alexandropoulos, a arriscar a meia distância em jeito de fora da área que passou perto do poste da baliza de Pau López (51′). Não que o Sporting tivesse ameaçado a superioridade e a vantagem do Marselha, apesar de Francisco Trincão ainda ter um par de investidas individuais que passava dois ou mais adversários mas não conseguia depois dar continuidade à jogada, mas porque soube fazer o que lhe faltou no primeiro tempo, gerindo os momentos de jogo perante o contexto que enfrentava. No entanto, na parte final, Mbemba aproveitou uma boa defesa mas para a frente de Israel a remate de Alexis Sánchez e fez o 4-1 na recarga (84′) e, no minuto seguinte, Esgaio estendeu a passadeira para Alexis Sánchez falhar isolado o 5-1. A goleada podia ter sido pior…