O PS requereu esta quinta-feira audições, em sede de Comissão de Orçamento e Finanças, com o Banco de Portugal, Associação Portuguesa de Bancos e Associação de Defesa do Consumidor sobre o impacto do aumento das taxas de juro.

Neste requerimento, ao qual à agência Lusa teve acesso, defende-se que “só com um diagnóstico rigoroso poderão ser equacionadas as soluções mais adequadas para responder às necessidades efetivas das famílias portuguesas no âmbito do crédito à habitação”.

Em plenário no parlamento, por iniciativa política do Bloco de Esquerda, são apreciados 12 projetos de lei e quatro resoluções provenientes das bancadas bloquista, Chega e PCP, e dos deputados do PAN e Livre sobre mercado de arrendamento, taxa de esforço do crédito à habitação, regime excecional de moratórias bancárias e vigência de uma contribuição especial sobre os lucros extraordinários no setor bancário.

Fonte do executivo adiantou à agência Lusa que neste debate o Governo estará representado pelos secretários de Estado das Finanças, João Nuno Mendes, e da Habitação, Marina Gonçalves.

No requerimento que dirigiu à Comissão de Orçamento e Finanças, o PS assinala que, “depois de um período prolongado de taxas de juro Euribor negativas, o Banco Central Europeu (BCE) decidiu, em julho deste ano, aumentar as taxas de juro”.

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“Esta decisão foi tomada num contexto de inflação alta, que o BCE procura mitigar através do aumento das taxas de juro, estratégia que deverá manter-se nos próximos tempos”, justifica-se.

No entanto, para a bancada socialista, a decisão do BCE “traduz-se inevitavelmente num aumento dos encargos de grande parte das famílias com crédito à habitação, já que a maioria dos créditos está indexada à Euribor, o que suscita a preocupação do Grupo Parlamentar do PS”.

Neste mesmo requerimento, o PS cita depois dados disponibilizados pelo Banco de Portugal, segundos os quais existiam no final de 2021 cerca de 1,43 milhões de contratos de crédito à habitação, o que corresponde a um saldo em dívida de 101,3 mil milhões de euros.

“O risco de incumprimento no crédito bancário, e em particular no crédito bancário, coloca questões delicadas não só do ponto de vista do bem-estar das famílias e do acesso à habitação, mas também do ponto de vista da estabilidade e da resiliência do setor bancário. É certo que os indicadores disponíveis, de acordo com o Banco de Portugal, não apontam para já para um cenário gravoso, mas é fundamental que este tema seja acompanhado com grande proximidade e com o maior detalhe possível, não só do ponto de vista da banca, mas também numa perspetiva mais ampla, que permita aferir devidamente a capacidade financeira das famílias”, salienta o PS.

A questão do impacto social da atual trajetória de aumento das taxas de juro, designadamente ao nível dos créditos à habitação, motivou já um debate cerrado na semana passada, no parlamento, entre o primeiro-ministro, António Costa, e a coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins.

O primeiro-ministro recusou que haja neste momento razões para sobressalto relativamente à capacidade da generalidade das famílias portuguesas suportar a atual trajetória de aumento de juros nos créditos à habitação, mas assegurou estar atento ao fenómeno.

Antes, a coordenadora do Bloco de Esquerda tinha alertado que as prestações da casa já aumentaram nos últimos meses cerca de 100 euros — e isto em relação a créditos de valor modesto, o que exige, na sua perspetiva, uma intervenção imediata do Governo para proteger as famílias.

O primeiro-ministro, porém, afastou uma via de intervenção urgente junto da banca.

“Temos vindo a manter um diálogo quer com o regulador quer com os bancos. Temos vindo a fazer uma monitorização de qual é o montante que temos de crédito e de prestação por agregado familiar e percentil de rendimento. Neste momento, acho que não há nenhuma razão para haver um sobressalto“, considerou o líder do executivo.

Catarina Martins não gostou da resposta que recebeu e comentou: “Vejo que o primeiro-ministro só tem alarmismo quando se trata de conseguir que os rendimentos de quem vive do seu trabalho possa subir um pouco”.

“Quando se trata de pedir responsabilidades aos grandes grupos económicos, que têm aliás lucros extraordinários neste período, aí, parece que o Governo tem tanta prudência que fica um pouco tudo na mesma”, acrescentou.

PSD quer que Banco de Portugal esclareça realidade dos contratos de crédito à habitação

O PSD questionou o Banco de Portugal sobre a “realidade dos contratos de crédito à habitação”, sobretudo o número de contratos com taxa de juro indexada à Euribor e contratos com taxa fixa, assim como créditos ao consumo.

De acordo com o requerimento, o objetivo dos sociais-democratas é “saber qual é a realidade em Portugal dos contratos de crédito à habitação, nas suas várias modalidades, além de obter informação sobre o número de contratos de crédito ao consumo com taxa variável e volume respetivo”.

No documento, entregue na Assembleia da República, dirigido ao Banco de Portugal, e que tem como primeiro subscritor o líder parlamentar, Joaquim Miranda Sarmento, sustenta-se que “na sequência da situação da pandemia e da guerra na Ucrânia, os valores da inflação iniciaram uma trajetória de crescimento mundial”.

Com a subida do índice de preços, “o Banco Central Europeu tomou a decisão de subir as taxas de juro de referência, decisão esta que tem como consequência a subida das taxas de juro de mercado e, por isso, uma subida dos juros nos contratos de crédito à habitação e nos contratos de crédito ao consumo”.

Nesse sentido, “importa perceber qual é a realidade em Portugal, apurando-se o número de contratos com taxa de juro indexada à Euribor e o número de contratos com taxa fixa”.

“Habitualmente, os créditos à habitação têm o juro contratual indexado à Euribor a três, seis ou 12 meses. Assim, com o decorrer do tempo, os portugueses com crédito habitação irão sofrer as atualizações contratuais do juro, o que conduzirá ao aumento das suas prestações mensais. Mas o mesmo pode suceder nos créditos ao consumo”, argumentam.

Por outro lado, prosseguem, “a par destes contratos, outros existem que, não estando indexados ao valor da Euribor, têm antes uma taxa de juro fixa, o que garante aos devedores uma eventual maior estabilidade no valor das suas prestações”.

Concretamente, o PSD quer informação discriminada sobre o número de contratos com o juro indexado à Euribor a três, seis e 12 meses, e os que têm juro à taxa fixa, e o volume de total de crédito associado a estes contratos.

Os sociais-democratas querem ainda ter acesso ao valor médio da taxa de juro fixa aplicável e o número de contratos de crédito ao consumo com taxa variável e o volume de crédito que envolvem.

BE alerta que subida dos juros do crédito à habitação “já está a fazer mossa” no rendimento das famílias

O Bloco de Esquerda defendeu esta quinta-feira que a subida dos juros dos créditos à habitação “já está a fazer mossa” no rendimento das famílias e desafiou o PS a aprovar as suas propostas, defendendo que são exequíveis e justas.

“Constatar que a subida dos juros, que ainda agora começou, já está a fazer mossa nos salários fustigados pela inflação, não é alarmismo, é a nossa responsabilidade”, defendeu a deputada Mariana Mortágua na abertura de um debate na Assembleia da República.

O Bloco de Esquerda requereu esta quinta-feira a fixação da ordem do dia para debater propostas para responder aos efeitos da subida dos créditos à habitação. Além dos projetos de lei do BE, estão também em debate diplomas do Chega, PCP, PAN e Livre.

A bloquista considerou que “está em curso um processo de empobrecimento acelerado”, e criticou que “tudo o que o Governo tem para dizer a quem vê a pobreza a aproximar-se, ou até mesmo o despejo atrás da porta, é que espere pelo Orçamento do Estado”.

Mariana Mortágua referiu que “há um milhão e 800 mil pessoas que olham com apreensão, muitas delas com medo, para a subida das taxas de juro”, apontando que as variações na prestação mensal podem superar já este mês “os 125 euros que o Governo atribuiu uma só vez no tal pacotinho para combater a inflação”.

“Cada um dos diplomas que apresentamos carrega uma proposta concreta, exequível e justa para proteger as pessoas do aumento dos juros bancários”, afirmou, advogando que “não é exigir muito a segurança de saber que o salário chega ao fim do mês e que se está protegido da indignidade maior que é perder a cada onde se vive”.

Na sua intervenção, Mariana Mortágua assinalou que “tanto PSD como PS se apresentaram a este debate sem propostas próprias” e dirigiu-se à bancada do PS para perguntar “o que preferem” os deputados socialistas: “Aprovar medidas que protejam o direito à habitação ou continuar a servir uma maioria absoluta de bloqueio que, como Narciso, acha feio o que não é espelho”.

Salientando que “as pessoas merecem que a política seja sobre soluções e não um ‘show off’ histriónico sobre a espuma dos dias”, a deputada apontou que o BE não traz a debate “meras intenções”.

O BE propõe que as dívidas se extingam caso o devedor entregue a casa ao banco, a impenhorabilidade das habitações em caso de incumprimento de outros créditos que não a hipoteca, um regime de moratórias semelhante ao que vigorou durante a pandemia de covid-19, que o aumento das taxas de juro não possa fazer variar a taxa de esforço em mais de dois pontos percentuais e que esta não possa ultrapassar os 50%, e ainda um programa para que um fundo público assuma as dívidas de “devedores em situação limite” e que essas pessoas passem a arrendar a casa. Este fundo seria financiado pela criação de uma taxa sobre os lucros excessivos da banca.

Num pedido de esclarecimento, o deputado André Pinotes Batista, do PS, salientou que o Governo “tem apresentado as mais revolucionárias medidas estruturais”, mas ressalvou que “as políticas de habitação não se resolvem de um dia para o outro”.

“Este Governo conseguiu apresentar boas contas públicas ao mesmo tempo que desenvolvia todas estas políticas de habitação que nos orgulham”, defendeu o socialista, apontando que “a boa vontade não pode passar por cima da supervisão das entidades europeias”, sob pena de “novos problemas”.

“A questão central do debate é se devemos exclusivamente agir sobre as relações contratuais ou se devemos dar continuidade, e na nossa opinião de forma muito mais estrutural, a um pacote de medidas de estímulo das famílias, e é assim que se resolve estruturalmente ao desafio que a senhora deputada [do BE] aqui lança”, apontou André Pinotes Batista.

Pelo PSD, o deputado Paulo Rios de Oliveira, afirmou que a sua bancada “tem tido sempre a mesma atitude: ouvir, alertar o Governo, exigir intervenção e, face à distração do Governo, apresentar propostas”.

E adiantou que, “o PSD, se o Governo nada fizer, não deixará já nos próximos dias, em sede orçamental, de apresentar medidas concretas de apoio às famílias”.

Carla Castro, da Iniciativa Liberal, acusou o BE de querer “fazer o all in na destruição do mercado imobiliário” e de querer “criar incentivos ao incumprimento de créditos em grande escala”.

Na resposta, a deputada do BE afirmou que o PS “pede boa vontade ao BE mas prepara-se para rejeitar todos os projetos” do seu partido, desafiando a que os diplomas possam baixar a comissão para que possam ser discutidos e eventualmente alterados.