O presidente da Secção Regional do Sul da Ordem dos Médicos alertou esta sexta-feira para o problema de sobrelotação da urgência no hospital pediátrico D. Estefânia, em Lisboa, onde apenas 3% dos doentes que recorrem a este serviço ficam internados.

“Há um problema das urgências estarem sobrelotadas e terem cada vez mais doentes não urgentes”, disse à agência Lusa Alexandre Valentim Lourenço, no final de uma visita ao Hospital D. Estefânia, que faz parte do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central (CHULC).

Segundo o responsável, muitas dessas urgências poderiam ser resolvidas nos cuidados de saúde primários “ou nem sequer aí”, porque, elucidou, “só 3% das pessoas que vêm à urgência da pediatria no Hospital Dona Estefânia é que são internadas, o que significa que 97% podiam ter cuidados e avaliações de outra forma.

“Não quer dizer que desses 97% não haja 20 ou 30% que tenham de vir aqui para serem avaliados por especialistas, mas a sobrecarga da urgência depois limita a ação dos restantes serviços e das restantes unidades”, advertiu.

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Durante a visita, Alexandre Valentim Lourenço falou com os médicos que manifestaram algum receio do hospital vir a perder a “sua marca própria” com a construção do novo Hospital Oriental de Lisboa.

O Hospital D. Estefânia vai ser integrado num centro hospitalar que vai poder resolver alguns problemas do grupo, mas também há uma expectativa e algum receio de se perder aquilo que este hospital tem nos seus anos de História, que é uma marca própria de hospital de crianças, que trata muito bem as crianças”, referiu.

Segundo o presidente da Secção Regional do Sul da Ordem dos Médicos, os profissionais têm receio de perder essa individualização, essa autonomia, num grande hospital.

Por isso, defendeu, é preciso assegurar que a capacidade autónoma das equipas e dos vários serviços se mantém.

“A autonomia significa tomar decisões no dia-a-dia e não obedecer a regras centrais e por isso estamos à espera que esse princípio de autonomia seja revelado e de que forma é que essa autonomia vai ser permitida”, salientou.

Alexandre Valentim Lourenço adiantou que o novo Hospital Oriental de Lisboa, que está “em plano de desenvolvimento”, terá a capacidade de integrar os seis hospitais que constituem o CHULC — São José, Capuchos, Curry Cabral, D. Estefânia, Santa Marta, Maternidade Alfredo da Costa – num único complexo hospitalar, mas defendeu que “isso tem que ser feito mantendo a capacidade de cada um”.

“Este centro hospitalar tem marcas muito fortes. Tem uma Maternidade Alfredo da Costa que foi sempre um marco na obstetrícia e ginecologia, tem a Estefânia que é um marco na pediatria nacional, tem um serviço de transplantes que é dos melhores da Europa, tem serviços de cirurgia cardíaca que foram pioneiros e tem um robô a trabalhar, mas estão dispersos em hospitais diferentes”, realçou.

Ordem dos Médicos defende mudanças na cultura do SNS para ser mais próximo dos utentes

A Ordem dos Médicos defendeu esta sexta-feira que é preciso “mudar a cultura” do Serviço Nacional de Saúde, para que seja mais efetivo e mais próximo dos doentes, e “não passe todo o tempo” a tentar resolver os problemas da urgência.

“Acho que estamos num período muito importante de mudança do sistema de saúde. Há uma nova equipa governativa e nós temos que mudar a cultura do SNS atual de maneira a que ele seja mais efetivo, mais próximo dos doentes e que resolva os problemas e que não passe todo o tempo a tentar resolver os problemas da urgência e das más funções do sistema”, disse à agência Lusa o presidente da Secção Regional do Sul da Ordem dos Médicos no final de uma visita ao hospital pediátrico D. Estefânia, em Lisboa.

Alexandre Valentim Lourenço adiantou que tem visitado várias unidades de saúde da região sul do país com o objetivo de conhecer as realidades das várias especialidades, dos vários hospitais, falar com os médicos e “motivá-los para uma capacidade de liderança das suas unidades e de poderem eles próprios governar o seu próprio destino”.

“Há que mudar o sistema e para mudar o sistema é preciso médicos”, defendeu.

O responsável explicou que estas visitas são para ouvir e para perceber quais “são os principais problemas, os principais anseios”, mas também dizer que os profissionais têm uma função muito importante e que “a única maneira de mudar o sistema não é abandoná-lo, não é sair para a medicina privada, não é mudar de profissão, mas sim lutar por aquilo que eles gostam de fazer, que é exercer medicina”.

Relativamente ao que lhe é transmitido pelos médicos, Alexandre Valentim Lourenço contou que o que se percebe no Hospital D. Estefânia, e nos outros, é que há um período de expectativa.

“Eu poderia dizer esperança, mas a esperança muitas vezes serve também de palco para desilusão, mas há uma expectativa de perceber como é que esta equipe vai mostrar os seus primeiros dias de ação”, declarou.

No seu entender, “é essencial” que, numa altura em que os profissionais de saúde estão a tomar decisões no sentido de ficar ou não no SNS, mostrar que vale a pena.

“O que estas pessoas querem dizer é: nós queremos decisões sensatas, queremos incentivos, queremos ter forma de perceber que há um futuro nos próximos 20 anos e que não vamos continuar nos próximos 20 anos a trabalhar como estamos”, disse o também especialista em ginecologia e obstetrícia.

A nova Direção Executiva do SNS, liderada por Fernando Araújo, que entrará plenamente em funções a partir de 01 de janeiro do próximo ano, vai coordenar toda a resposta assistencial do SNS, assegurando o seu funcionamento em rede, e passa a gerir também a rede nacional de cuidados continuados integrados e da rede de cuidados paliativos, até agora da responsabilidade das administrações regionais de saúde.