Tem de ser rápido e rigoroso. Assim deverá ser o esclarecimento do ministro Pedro Nuno Santos sobre a sua empresa (que detém em conjunto com o pai) e que beneficiou de um contrato público por ajuste direto. O deputado do PSD André Coelho Lima reagiu assim à notícia avançada pelo Observador. Já o líder da bancada parlamentar do PS, Eurico Brilhante Dias, disse que “não se está perante nenhuma incompatibilidade”.

Empresa de Pedro Nuno Santos e do pai fez contrato com o Estado. Lei prevê demissão, ministro defende-se com parecer antigo da PGR

A empresa Tecmacal detida, em conjunto, pelo ministro das Infraestruturas e da Habitação e pelo pai beneficiou de um contrato público por ajuste direto, o que constitui uma incompatibilidade de acordo com a lei que estabelece o regime do exercício de funções por titulares de cargos políticos e altos cargos públicos. A sanção prevista na lei é a demissão. Pedro Nuno Santos só tem 1% da empresa, mas, em conjunto com o pai — que tem 44% — e outros familiares ultrapassa em muito os 10% apontados na lei.

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“Confirmando-se os factos da notícia, efetivamente há uma questão de impedimento”, disse o deputado à Rádio Observador, frisando que esta situação, conforme previsto na lei, tem como consequência a demissão.

Ouça aqui as declarações do deputado André Coelho Lima.

Pedro Nuno Santos. PSD pede “esclarecimento cabal”

“O que me parece importante é tentar esclarecer, e que o ministro tenha palavra para esclarecer o que aqui se passa”, defendeu o parlamentar, frisando que a posição do PSD tem de ser exigência e responsabilidade.

O Governo apresentou um problema grave com a lei dos impedimentos, ou seja, nós temos o Partido Socialista — que se apresenta como um paladino em matéria de transparência — sempre a criar separações fortes entre aquilo que é público e privado, mas esquecem-se que as leis que aprovam também se aplicam a eles e que têm de as cumprir.”

Assim, o PSD exige que o ministro esclareça o que está em causa, já que lhe “compete dar um esclarecimento cabal e muito brevemente”, diz André Coelho Lima, frisando que “há demasiada polémicas sobre o mesmo assunto no mesmo governo e num período demasiado curto”.

O deputado social democrata referia-se aos casos dos ministros Manuel Pizarro e Ana Abrunhosa.

Manuel Pizarro renuncia a cargo de gerente da empresa que o deixava em situação de incompatibilidade

Eurico Brilhante Dias: “PS permitirá todas as audições que considerar pertinentes”

Na SIC Notícias, durante o programa Expresso da Meia Noite, o líder da bancada parlamentar do PS, Eurico Brilhante Dias, disse que “não se está perante nenhuma incompatibilidade”, já que Pedro Nuno Santos “cumpriu escrupulosamente tanto a atual lei como a anterior”.

O socialista referiu que a empresa em causa não está sob a tutela do ministro, e, “nessa circunstância, [a lei] não se aplica” a Pedro Nuno Santos, que tem uma quota mínima no negócio. Assim, a não ser que surjam novos factos, Eurico Brilhante Dias afirma que “a realidade é que não há incompatibilidade”.

Questionado sobre se o PS irá viabilizar a audição do ministro no Parlamento, caso seja requerida por algum partido com assento parlamentar, o deputado foi claro: “Não tenho nada a opor, mas acho que não há caso nenhum.” Reforçada a pergunta, Brilhante Dias afirmou que “o PS permitirá todas as audições que considerar pertinentes”.

Recorde-se que, tal como o Observador noticiou, a lei que estabelece o regime do exercício de funções por titulares de cargos políticos e altos cargos públicos define que existem três situações de incompatibilidade em casos semelhantes aos de Pedro Nuno Santos e do seu pai:

  • quando o titular de cargo político detém diretamente mais de 10% do capital de uma sociedade que tem contratos com o Estado — o que não é o caso
  • quando o familiar do responsável político detém uma empresa que contratualiza o fornecimento de bens ou a prestação de serviços — o que foi ultrapassado com um parecer extraordinário do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República de 2019.
  • Quando um responsável político e um familiar detiverem, conjuntamente, mais de 10% — matéria que não é abordada pelo parecer da PGR e que é o centro do caso revelado.

A oposição tem criticado o Governo por impedir a ida de ministros ao Parlamento — oito desde o início do mandato.

Chega vai pedir investigação do caso ao Tribunal Constitucional

Na segunda-feira, o Chega vai pedir ao Ministério Público junto do Tribunal Constitucional que abra um processo de averiguação sobre o caso que envolve Pedro Nuno Santos, tal como já tinha feito com o ministro Manuel Pizarro quando foi tornado público o seu caso de incompatibilidade.

À Rádio Observador, o líder do partido, André Ventura afirmou que “o caso ainda não está esclarecido” e que há “um impedimento que é evidente”.

“Parece que estamos a lidar com um governo que entrou agora em funções e que não conhece a lei”, referiu Ventura, dizendo que esta situação só se pode explicar se houver “total desnorte” por parte do Governo, desconhecimento da lei ou um sentimento de “total impunidade”.

Ouça aqui as declarações do deputado André Ventura.

Pedro Nuno Santos. André Ventura diz que se pode justificar uma intervenção do PR

MP deve agir em caso de “violação legal evidente”

Para o vice-presidente da Frente Cívica e ex-presidente da associação Transparência e Integridade, João Paulo Batalha, o veredito é claro: existe uma “violação legal evidente”. Por isso, garantiu em declarações à rádio Observador, “quem devia tomar a iniciativa era o Ministério Público junto do Tribunal Constitucional”, “constatando a ilegalidade e aplicando a pena — a demissão do ministro”.

Qualquer cidadão pode fazer essa queixa, “mas não devia ser preciso” — “a menos que me expliquem que nenhum procurador deste país lê jornais”, atirou o ativista, descrente em relação às consequências do caso que, acredita, terá mais uma “autodesculpa” do ministro e a “cobertura positiva” do primeiro-ministro. “O problema é que o Governo tem tido a prática de branquear as ilegalidades dos seus membros em matéria de incompatibilidades. Como ao mesmo tempo também se recusa a discutir questões éticas porque alega sempre que são questões de legalidade, acaba por cumprir nem a ética nem a legalidade”.

O resultado, diz, frisando que tanto este caso como o que envolveu Manuel Pizarro, é que existe um “buraco negro de lei e de ética em que ao Governo tudo é permitido, desde que queira”.

O Observador contactou a Procuradoria Geral da República no sentido de perceber se foi aberto algum inquérito.