Dirigentes macaenses recordaram esta terça-feira o antigo governador de Macau Carlos Melancia, falecido este domingo, aos 95 anos, como o responsável pelo “pontapé de saída” de uma cidade mais moderna, que acabou “comido pela política”.

A Declaração Conjunta Sino-Portuguesa sobre a Questão de Macau foi assinada em 13 de abril de 1987 e Melancia tomou posse como governador do território três meses depois, para fazer cumprir a transferência da administração, que se concretizou em 1999.

“Foi o governador da transição, que projetou o futuro de Macau, com as novas infraestruturas importantes”, disse à Lusa Leonel Alves. Melancia “deu o pontapé de saída” para “um Macau mais moderno”, defendeu o advogado e ex-deputado da Assembleia Legislativa.

Na sua última entrevista, feita à agência Lusa em 2019, Carlos Melancia explicou que tanto a China como Portugal pretendiam que o território tivesse e caminhasse para a autonomia financeira, tendo sido feitos 300 milhões de euros de investimentos.

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Foi graças a Melancia que Portugal avançou com “projetos que estavam em cima da mesa e em relação aos quais havia uma grande urgência”, disse à Lusa o economista e presidente do Instituto de Estudos Europeus de Macau, José Sales Marques.

Morreu Carlos Melancia, antigo governador de Macau, aos 95 anos

Exemplos da aposta na autonomia de Macau foram a construção do aeroporto, para combater o estrangulamento dos transportes, e a conclusão de dois hospitais, o privado Kiang Wu e o público São Januário.

“Eu negociei isto tudo, mas quem acabou por os concluir [os projetos] foi o Rocha Vieira”, disse em 2019 Carlos Melancia, referindo-se ao governador que o substituiu no cargo e que geriu o território até à transição de administração.

Melancia demitiu-se em 1991, na sequência do designado Caso do Fax de Macau, que envolvia financiamentos partidários ao PS, um processo de que foi ilibado em 2002. Uma saída que “não foi benéfica para Macau”, lamentou Leonel Alves.

“Ficámos sempre com a impressão de que tudo isto foi muito injusto (…). Até porque ele tinha um passado técnico e político de grande valia”, disse Sales Marques, recordando que Melancia foi ministro com as pastas da Indústria e Tecnologia, do Mar e Equipamento Social em vários governos socialistas.

“Política é política e às vezes a política come as pessoas. Neste caso, a política comeu um bom dirigente”, disse Leonel Alves.

Também a Fundação Jorge Álvares (FJA) expressou, num comunicado, “profundo pesar” pela morte de Carlos Melancia, que era curador da instituição, assim como antigo administrador e presidente.

A “dedicação e espírito empreendedor” de Melancia “muito contribuíram para a consolidação e afirmação” da FJA, “quer na área cultural quer na área educativa”, defendeu a fundação.

A FJA é uma estrutura criada em dezembro de 1999, no quadro da transferência da administração, e tem como objetivo promover o diálogo intercultural entre Portugal e Macau.