“Cesária Évora”

Às vezes, a vida é feita de “ses”. Se o futuro produtor e agente de Cesária Évora não estivesse em Lisboa e, certa dia, não tivesse ido comer a um restaurante cabo-verdiano da capital onde ela cantava; e se o lançamento da cantora não tivesse coincidido com o “boom” da chamada World Music, que a ajudou a afirmar-se internacionalmente e a ganhar fama mundial, mesmo que tardiamente; então talvez Cesária tivesse ficado para sempre conhecida apenas daqueles que frequentavam os restaurantes e bares onde atuava. Estas são duas das histórias contadas no documentário “Cesária Évora”, de Ana Sofia Fonseca, um trabalho modelar de conjugação de imagens de arquivo e de entrevistas, sem gorduras nem piedades, e no qual, para lá do talento e genuinidade da cantora, ficam também vincados a grande generosidade, a extrema lhaneza e o espírito secamente pragmático que a caracterizavam. Como ela responde a certa altura a um jornalista que a interroga sobre os “sonhos” que acalenta: “Não gosto de sonhos, faz-me outra pergunta”.

“Mato Seco em Chamas”

Este filme de Adirley Queirós e Joana Pimenta combina, de forma atabalhoada, ficção e documentário. Três mulheres de uma favela da periferia de Brasília, as “Gasolineiras de Kebradas”, tiram petróleo a oleodutos da cidade, refinam-no e depois vendem-no aos “gangs” de motociclistas locais. Pelo meio, contam as suas histórias de problemas com a justiça e os realizadores filmam nacos da vida na favela, de uma sessão de culto num templo evangélico à atuação de uma banda chamada Moleka 100 Calcinha. Mas o que sobressai é o lado ativista e a enorme condescendência e simpatia do filme para com os marginais, filmados e apresentados como vítimas de um sistema injusto e repressivo, que os realizadores compaginam com o governo de Jair Bolsonaro e uma sociedade de classe média branca, racista e privilegiada. Além de chato e errático, “Mato Seco em Chamas” é também, politicamente, esquemático de babar na gravata, ou não estivesse encostado à vulgata da extrema-esquerda.

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“Peter von Kant”

François Ozon concretiza neste filme um projeto que tinha há muito tempo: rodar uma versão livre, no masculino, do filme de Rainer Werner Fassbinder “As Lágrimas Amargas de Petra von Kant” (1972), e onde a personagem principal, Peter von Kant, é, para todos os efeitos, Rainer Werner Fassbinder, interpretado por Denis Ménochet, quase um sósia do realizador alemão. A fita é toda ambientada na casa do autor de “Lili Marleen”, onde ele tem um pequeno estúdio de filmagem e montagem. Isabelle Adjani, Stefan Crepon e Khalil Ben Gharbia  também constam do elenco, tal como Hanna Schygulla, a atriz de eleição de Fassbinder, que personifica aqui a mãe de Peter e que, faz agora 50 anos, interpretou o papel da jovem modelo que seduz Petra Von Kant no filme original. “Peter von Kant” foi escolhido como filme da semana pelo Observador e pode ler a crítica aqui.