O presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, sublinhou esta quinta-feira a perigosidade e os riscos das divisões no mundo e instou Portugal e Cabo Verde a dar “contributo” no esforço de reunião e união em agendas comuns.

“Se, evidentemente, nem Portugal nem Cabo Verde abundam em riqueza económica, dotação de recursos, tamanho do território, tamanho da população ou força militar, abunda, e muito, a estabilidade política e competência política diplomática“, constatou Augusto Santos Silva, ao intervir, na cidade da Praia, numa conferência organizada pela Presidência da República cabo-verdiana.

Com o título “Como poderemos reunir um mundo perigosamente dividido”, a conferência foi realizada para marcar o primeiro ano da tomada de posse do Presidente cabo-verdiano, José Maria Neves, que aconteceu em 9 de novembro.

No segundo de três dias de visita a Cabo Verde, o presidente do parlamento destacou as qualidades dos dois países, entendendo que podem dar um contributo para o esforço de perceber quais são as divisões que se deve afastar, para se concentrar na “única divisão justa e incontornável” que interessa, que é entre aqueles que estão a favor da paz e da segurança internacional e que respeitam a carta das Nações Unidas e aqueles que não respeitam essa carta nem os princípios básicos do direito internacional.

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O contributo de Portugal e de Cabo Verde para esse esforço é mesmo muito importante, daqueles que se recusam a pensar nas divisões antagónicas, entre Norte e Sul, Ocidente e Leste, e assim sucessivamente, e que, em vez disso, participam nos esforços para nós nos reunirmos e nos tornarmos a unir em torno das agendas que nos são comuns e em plataformas e organizações que nos incluem a todos”, entendeu.

Para Santos Silva, Portugal e Cabo Verde conseguem olhar para estas questões com a distância dos que são periféricos à competição geopolítica em curso, como “atores menores”, mas, ao mesmo tempo, têm o “traquejo e horizonte” de ver o mundo como um todo.

Na sua alocução, de 45 minutos, o presidente da Assembleia da República notou que as “divisões históricas” no mundo não são de hoje, referindo que foram produzidas a partir de uma perspetiva “muito pequena e muito residual”, da Europa ou da Europa e América do Norte.

“O que há de característico na conjuntura que vivemos é este acentuar de uma lógica e competição geopolítica, geoestratégica e virtualmente, e infelizmente, quase militar, que diminui a relevância e os problemas de outros atores, isto é, os problemas gerais da humanidade”, constatou.

Considerando essa divisão “perigosa” por causa da lógica de redução dos atores relevantes, pela redução dos problemas e concentração de atores, alertou para o “risco” de uma fragmentação da ordem internacional em diferentes ordens regionais antagónicas entre si.

E para contrariar este risco, disse que é preciso fazer o exercício inverso e não esquecer os problemas e as outras partes do mundo, que não apenas a Rússia, a China ou os Estados Unidos.

“Porque o risco de retrocesso que nós temos na agenda internacional é mesmo muito efetivo, é mesmo muito perigoso”, prosseguiu durante a conferência, que aconteceu após um encontro privado com entre Santos Silva e o Presidente cabo-verdiano.

Outra forma de superar as divisões, segundo o conferencista, é tomar decisões, quer do ponto de vista da substância, quer do método, neste caso a indispensabilidade de uma ordem internacional consolidada e desenvolvida.

“E não vejo nenhuma alternativa ao que temos, que são as Nações Unidas”, insistiu Santos Silva, sublinhando a importância da prática do multilateralismo e da cooperação e concertação entre os Estados.

Ainda assim, considerou que as Nações Unidas e as suas estratégicas precisam de ser reformadas “sem medo e no sentido certo”, começando pela defesa da aplicação justa, criteriosa, mas uniforme, coerente, das regras que compõem o sistema internacional.

“Não há nada mais prejudicial para a ordem internacional e o seu sistema de regras do que a perceção de que nós usamos essas regras com duplos padrões de avaliação e apreciação”, atirou o presidente do parlamento português, na conferência assistida pelo chefe de Estado cabo-verdiano, membros do Governo, deputados, corpo diplomático e muitas outras personalidades cabo-verdianas.