É verão e o sol brilha sobre Paris, mas Sandra Kienzler (Léa Seydoux), a principal protagonista de “Uma Bela Manhã”, de Mia Hansen-Love, não tem muito vagar para o apreciar. Mãe solteira com uma filha de oito anos, Sandra vive num apartamento tão pequeno que nem tem espaço para uma mesa para fazer as refeições como deve ser, trabalha como tradutora de livros, artigos, conferências, apanhando tudo o que lhe chega à mão, e anda sempre de um lado para o outro. Não só por causa do trabalho, mas também pelo pai, Georg (Pascal Greggory), professor de Filosofia reformado e divorciado, que sofre de uma doença neurodegenerativa e já não pode estar sozinho em casa.

[Veja o “trailer” de “Uma Bela Manhã”:]

Na companhia da irmã (Sarah Le Picard) ou da mãe, uma ativista excêntrica (excelente Nicole Garcia), Sandra anda também de lar em lar, à procura de um sítio digno onde internar o pai, que possui uma enorme biblioteca da qual a família tem que se desfazer. Tal como se desvanecem as faculdades mentais de Georg, também os livros, que representam a sua vida intelectual, têm que ir, e fora os que ficarão para ela, vão ser espalhados aos quatro ventos, entre doações a bibliotecas e as estantes de antigos alunos. No meio de todo este afã e tristeza, há uma única consolação para Sandra: o reencontro com Clément (Melvil Poupaud), um amigo que não via há muito e do qual se torna amante, apesar de ele ser casado e ter um filho.

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[Veja uma entrevista com Mia Hansen-Love e Léa Seydoux:]

Depois do sensaborão e inconsequente “A Ilha de Bergman”, Mia Hansen-Love filma em “Uma Bela Manhã” uma história de fundo autobiográfico (e que encontramos em vários dos títulos que assinou), inspirada pela doença do seu progenitor. A história de uma mulher que testemunha, paciente e estoicamente (em nenhum momento vemos Sandra perder a calma, soçobrar no desespero ou faltar-lhe o carinho) o lento apagar do pai para o mundo, ao mesmo tempo que vê acender-se a possibilidade de um novo e animador relacionamento amoroso.

[Veja uma cena do filme:]

Onde outros poderiam puxar “Uma Bela Manhã” para o dramalhão peganhento e fungado, Mia Hansen-Love prefere a discrição cinematográfica, a surdina dramática, o sentimento nas entrelinhas, a poupança emotiva. Nunca melhor expressas e sintetizadas do que na doçura magoada, mas jamais derrotada, resistente a todos os golpes, contratempos e desavenças, com que Léa Seydoux compõe a personagem de Sandra, que tem de se desdobrar pelo pai, pela filha pequena e pelo amante, satisfazer as necessidades e expectativas de todos e manter-se à tona ao mesmo tempo.

“Uma Bela Manhã” tem apenas um problema: tempo a mais. É certo que Mia Hansen-Love, para frisar a constante azáfama da vida de Sandra, tem que a mostrar constantemente em circulação, a ir de Herodes para Pilatos. Mas acabam por ser idas e vindas em excesso, repetitivas. Uns cortes aqui e ali, um pouco mais de poder de síntese e de confiança na nossa capacidade para compreender aquilo que a realizadora queria fazer passar, só tinham feito bem ao filme e à paciência do espectador.