Manuel Luís Goucha é cara conhecida da televisão portuguesa há muitos anos. Mas ninguém diria que seria o responsável indireto por voltar a juntar no as atrizes Margarida Carpinteiro e Natalina José numa longa metragem. “Vizinhas” é o primeiro de cinco telefilmes contados por mulheres, iniciativa lançada pela RTP1 e pela produtora Ukbar Filmes. A estreia está marcada para esta quarta-feira, 16 de setembro, às 21h00, em sinal aberto e na RTP Play.
“Já sabíamos que queríamos a Margarida Carpinteiro para uma das personagens, tem um legado na nossa memória colectiva mas precisávamos de a colocar com uma amiga. Foi aí que a produção encontrou, num programa do Manuel Luís Goucha, uma surpresa que fizeram à Natalina José, onde apareceu a Margarida. É delirante ver esse momento, a relação que têm é elétrica. São muito diferentes mas apoiaram-se a vida inteira. É um duo cómico por natureza”, explica a realizadora de “Vizinhas”, Sofia Teixeira Gomes.
Este primeiro telefilme é inspirado num dos contos de Teolinda Gersão, que pode ser lido no livro Prantos, amores e outros desvarios. Apesar de apresentar uma narrativa “mais amável” e menos “crua” do que o conto, Sofia Teixeira Gomes, a par dos guionistas, quis respeitar o seu fio condutor: duas personagens velhas a chegar ao fim da vida, onde a tragédia dessa última etapa é substituída pela amizade eterna que sentem uma pela outra.
[o trailer de “Vizinhas”:]
Viajamos até Ferreira do Zêzere, onde estas duas amigas se reencontram muitos anos depois da última vez em que estiveram juntas. João ficou, Zé partiu, uma viúva, a outra boa vivant, juntas no dilema de ter de aceitar a condição que as colocará num lar da região. “O conto enfrenta com muita coragem o fim da vida, mas não é sobre tragédia ou sobre doença. Ri-se da morte. Este telefilme é mais amável, porque acredito que temos de parar de olhar para esta etapa e fingir que se está a olhar como deve ser para a morte, para a forma como morremos. Não tem dado bons resultados até agora”, acredita a realizadora.
E o que se vê é mesmo isso: cinquenta minutos de uma grande cumplicidade entre duas atrizes, tornando esta amizade no trunfo maior de “Vizinhas”. Estão lá as memórias de uma juventude selada com um pacto que as juntaria para sempre, os vestígios físicos e psicológicos da terceira idade, as discussões entre filhos e pais sobre o próximo passo a tomar. E também está lá e o humor. “Foram precisos dois caixões para a Madalena do Álvaro no funeral”, diz. “Porquê?”, diz João. “Um para o corpo, outro para a língua”, graceja Zé. Rir dos outros, da morte dos outros, da nossa morte que está para chegar.
Sofia Teixeira Gomes tem feito carreira lá fora, em curtas-metragens e videoclips, especialmente no Brasil e em Espanha. Regressou a Portugal há seis anos e aceitou este convite, cumprindo o sonho antigo de se tornar realizadora, quando deixou um curso de Engenharia e Física Tecnológica no Instituto Superior Técnico logo no primeiro ano. Nestes cinco telefilmes — seriam inicialmente dez –, todas as mulheres são emergentes no formato. Cinco livros — alguns escritos por homens –, cinco municípios e quatro realizadoras além de Sofia Teixeira Gomes: Ana Cunha, Cristina Carvalhal, Daniela Ruah e Fabiana Tavares.
O projeto contou com o apoio do programa PIC e do Garantir Cultura, bem como de vários municípios espalhados pelo país. Para a realizadora, que se sente “estrangeira” em toda a parte, inclusivamente em Portugal, esta foi uma oportunidade para conhecer melhor o que se faz por aqui. “Esta é a minha formação, voltei a trabalhar em Portugal mas como realizadora, o que sempre quis. Os desafios foram os mesmos do que quando um autor tem de se colocar num lugar que nunca habitou. Foi um exercício para me lembrar das pessoas da minha vida naquela condição: não tentar cair em lugares comuns, estar vigilante. E de olhar para a velhice como parte da vida”, finaliza.
E Sofia Teixeira Gomes não tem dúvidas que projetos como estes são necessários para espelhar uma realidade que está a trazer cada vez mais mulheres para o audiovisual, numa tentativa de equilibrar uma balança de géneros. “Se tivesse sido contado por homens, teria relevância? Mas é isso que tem acontecido desde sempre. Se existe uma percentagem tão baixa de realizadoras no mundo inteiro é porque temos um problema. Estou habituada a esta realidade desde sempre, começas a sentir-te inadequada porque não tens exemplos do teu género”. Contado por uma mulher, aí está “Vizinhas”, o primeiro telefilme deste novo projeto.