O bastonário dos Farmacêuticos lamentou esta quarta-feira a “falta de estratégia” para a aplicação das verbas previstas no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para a transição digital na área da Saúde.

Em declarações à Lusa no dia em que se assinalam os 50 anos da Ordem dos Farmacêuticos, Hélder Mota Filipe disse temer que, sem uma estratégia para o uso dessas verbas, “se perca mais uma oportunidade de dar um salto em frente”.

“Eu não estou a ver que esse aproveitamento esteja a ser o mais adequado e efetivo possível”, lamentou, acrescentando: “Vejo uma SPMS [Serviços Partilhados do Ministério da Saúde] muito competente e muito entusiasmada no sentido de resolver os problemas, mas estamos a falar de uma quantidade de verbas e de condições que precisavam já de uma estratégia, partilhada por todos os profissionais”.

“O dinheiro está, pelos vistos, teoricamente disponível, mas só é efetivo se houver uma estratégia adequada que o permita aplicar”, insistiu.

O responsável defendeu ainda que essa transição digital é fundamental para ajudar a medir resultados em saúde, sobretudo a medir os resultados conseguidos, na vida real, com determinados medicamentos, sobretudo os inovadores, habitualmente bastante caros.

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Defende igualmente um maior envolvimento dos cidadãos na decisão terapêutica, para o que têm de estar na posse de todos os seus dados clínicos: “As pessoas têm de ter acesso a todos os dados da informação clínica. Esses dados são das pessoas, não são das instituições”.

Os utentes “precisam de ter acesso a toda a informação que é relevante sobre a sua própria saúde, sobre os seus dados, sobre as terapêuticas que lhe são instituídas e perceber porquê”, insiste.

O bastonário dos Farmacêuticos considerou fundamental envolver os princípios éticos na escolha terapêutica, sobretudo tendo em conta a evolução dos gastos em medicamentos, o preço da inovação e as limitações orçamentais em saúde.

Helder Mota Filipe lembrou que “há escolhas que têm de ser feitas”, considerando fundamental que os profissionais, como os farmacêuticos, “se preparem para se envolver nestas tomadas de decisão”.

“Quando falamos em escolhas em saúde devemos ter sempre em consideração o melhor interesse do cidadão, daquele que vamos tratar e de todos os outros”, afirmou o bastonário, sublinhando que, tendo em conta o preço da inovação terapêutica e as limitações orçamentais, esta altura “é ainda mais relevante” para trazer o assunto para cima da mesa.

Questionado sobre a necessidade de garantir a equidade no acesso à terapêutica, o responsável defendeu que “equidade no acesso não quer dizer [dar] a mesma coisa para todos”: “Quer dizer que para cada um foi feita a melhor escolha, tendo em consideração o seu próprio interesse e o interesse de todos os outros”.

É por isso – continuou – “que estas escolhas têm de ser cada vez mais criteriosas, garantindo o resultado de forma o mais custo-efetiva possível”.

E exemplifica: “Em vez de tratar toda a gente com o mesmo medicamento, que até pode ser um medicamento bastante caro, o que eu tenho é de garantir que, em todas as opções terapêuticas, para cada doente, escolho aquilo que é melhor para ele, sendo que o melhor para ele, havendo diversas alternativas, deve ser a mais custo-efetiva”.

O bastonário reconhece ainda que isto exige “um esforço adicional”, uma vez que, para cada doente, “tem de ser feita esta análise mais aprofundada e criteriosa (…) relativamente à escolha terapêutica”.

“O importante é obter o resultado que se pretende”, frisou, lembrando que os medicamentos inovadores, normalmente mais caros, são também os menos conhecidos: “há um conjunto de aspetos que ainda não se tem porque não foram tratados os doentes em número suficiente, há tempo suficiente, para aceder a um perfil adequado da segurança destes medicamentos”.

Helder Mota Filipe diz que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem de ter “mecanismos neutros” que permitam controlar a promoção por parte da indústria, filtrando essa “tentativa de ganhar o mercado”, que considera “natural por parte da indústria”.

“O que é o mais inovador pode até trazer inovação em termos gerais, mas, se calhar, continua a não ser o mais indicado para todos os doentes. E é esta parte que é preciso trabalhar”, afirmou.

A este nível, defende que é preciso “linhas orientadoras” para suportar estas decisões a tomar pelos profissionais de saúde e pede “um maior esforço” de trabalho multidisciplinar e de partilha de informação.

Para isso, sublinhou, precisamos de “bons sistemas de recolha de dados”: “Só assim se consegue medir, no mundo real, quais os resultados obtidos com estes medicamentos inovadores, normalmente caros, e só assim se percebe se estão ou não a ser obtidos os resultados que eram esperados”.

Para o responsável, é esta medição de resultados que pode servir de base para eventuais renegociações de contratos com a indústria.

“É outra obrigação ética dos próprios profissionais e das instituições: medir os resultados (…) e comparar estes resultados com aqueles que é suposto obter quando se decide comparticipar um determinado medicamento inovador“, insistiu.

“A Ética das Escolhas” é precisamente o tema da conferência a proferir pela presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, Maria do Céu Patrão Neves, na cerimónia que assinala os 50 anos da Ordem dos Farmacêuticos, que decorrerá no Museu do Tesouro Real (Palácio da Ajuda), em Lisboa.