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"Não Andes Nua Pela Casa", propõe o Teatro da Comuna numa comédia "non sense"

Este artigo tem mais de 1 ano

No ano em que comemora cinco décadas, o Teatro da Comuna quer explorar diferentes géneros teatrais. Agora, as portas abrem-se para uma peça picante do teatro do Absurdo do Georges Feydeau.

Clarisse Ventroux, uma mulher rebelde criada no princípio do século XX
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Clarisse Ventroux, uma mulher rebelde criada no princípio do século XX

Pedro Soares

Clarisse Ventroux, uma mulher rebelde criada no princípio do século XX

Pedro Soares

Na casa do deputado Ventroux, há um problema: nada de questões de compadrio, corrupção, endogamia, finanças, dossiers complicados. O problema do promissor deputado é que está calor e Clarisse, a sua mulher, prefere vestir uma camisa de dormir fina e transparente e andar assim pela casa. Tudo não passaria de um problema doméstico se o político não achasse escandaloso este facto e se não viesse uma abelha intrometer-se, fazendo de uma crise conjugal uma catástrofe política. “Não Andes Nua Pela Casa” é uma peça de Georges Feydeau, mestre absoluto da comédia francesa e precursor do Teatro do Absurdo, agora recuperada pela Comuna, que nos seus 50 anos quer testar os seus próprios limites encenando um conjunto muito diferenciado de géneros que vão da tragédia, à comédia, passando pelo Café-Teatro, de António Torrado, e pelo expressionismo alemão de “Woyzeck” de Buchner (a estrear em 2023).

Agora, para acabar o ano e “porque o dinheiro já não é muito e os subsídios ainda não chegaram”, João Mota propõe a comédia non sense que é uma flecha apontada aos políticos, mas também uma homenagem à rebelião feminina. “Não Andes Nua pela Casa”, estreia-se esta quinta-feira, 24 de novembro, e fica em cena até 18 de dezembro.

Escrita e estreada em 1911, não sem algum escândalo, esta peça em um ato pertence ao período final de Feydeau. Ela espelha os conflitos pessoais do dramaturgo, nomeadamente o seu divórcio, mas também mostra como, enquanto autor, ele se foi afastando do teatro de vaudeville dos seus primeiros anos para deixar o absurdo tomar conta de peças que começam sempre de uma forma bastante realista, antes de caírem num ambiente claustrofóbico, maníaco e cruel — aqui, mais do que a comédia, salta para primeiro plano o absurdo das vida humana, em especial quando ela se tenta encaixar em preconceitos morais, puritanismos e construção de aparências.

Clarisse Ventroux, que com a sua camisa de dormir domina e aniquila todos os homens à sua volta

Pedro Soares

Aproveitando a disposição da sala em arena, que ficou da ultima peça encenada (“A Casa de Bernarda Alba”), João Mota convida-nos a entrar numa sala que é também uma arena conjugal e política. A sala é pouco típica de uma casa burguesa, pois tem uma grande janela (por onde os supostos vizinhos também podem ver a quase nudez quotidiana de Clarisse) e um mobiliário exíguo que deixa espaço de sobra para as muitas idas e vindas, entradas e saídas que fazem com que uma mera sala de estar se afigure um labirinto de desencontros, sustos, surpresas (esta era uma técnica habitual que Feydeau aprendeu a usar com outro comediante belga da sua época, Alfred Hannequin).

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Na casa do casal Ventroux, onde o deputado já sonha em tornar-se ministro da Marinha, onde Clarisse se recusa a tirar a camisa de dormir e vestir-se para receber um industrial rico e outrora opositor do marido que está para chegar, gera-se uma discussão onde a mulher passará ao espectador menos precavido por tonta ou ingénua. Tudo é bastante realista. Porém, com respostas, jogos de palavras, manipulações, seduções e promessas, tudo vai ganhando uma dimensão de absurdo. Aos poucos, a teimosia de Clarisse em mudar de roupa vai servindo para desmascarar o marido, os seus jogos políticos, as suas ambições de poder.

Para complicar tudo, a chegada de do presidente da Câmara, Hochepaix, vem acompanhada de uma abelha e, quando Clarisse, sempre em parcas vestes, se derrete em atenções ao político rival do marido, acaba por ser picada por um abelha numa nádega. Aflita e acreditando estar a asfixiar devido ao veneno do inseto, vai pedindo a todos que lhe chupem o local ferido, ou seja… a nádega. A partir daqui, o caos instala-se e aprofunda-se com a visita de um jornalista que vem entrevistar o deputado, mas acaba por achar mais interessante documentar as desventuras da senhora Clarisse com a picada da abelha. Face a este cenário, convém recordar aquela máxima de que o maior perigo está sempre nos que nos são mais próximos. O deputado Ventraux vai aprender essa lição da pior maneira.

Georges Feydeau, a vida entre o Absurdo e o Surrealismo

Depois de ver um espetáculo de Feydeau, um critico do Le Figaro escreveu: “Não se parece com nada e parece-se com tudo”. Ora é nesta fronteira do absurdo que se situa o prodigioso Georges Feydeau (que começou a escrever e encenar peças de teatro aos 7 anos de idade), “antes de Eugene Ionesco e Samuel Beckett, é preciso olhar par Feydeau” afirma João Mota.

Quem também o seguiu com admiração foram os Surrealistas, que surgiram já depois da sua morte (de sífilis, em 1921), pois as suas peças tinham o elemento daquilo que escapa à realidade e parece saído de um sonho ou de um pesadelo, com um humor sem sentido, onde toda e qualquer razão é rasurada em favor do non sense. “Quando me sento a escrever uma peça, identifico aqueles personagens que têm todos os motivos para se evitar uns aos outros, então apresso-me a reuni-los no mesmo lugar”, escreveu o dramaturgo francês explicando com humor a sua técnica de criação.

Os dois políticos, Ventroux e Hochepaix, ambiciosos e ansiosos por se fazerem aparecer nos jornais

Pedro Soares

Já João Mota confessa que o facto de ser uma peça crítica ao meio político e tendo como protagonista uma mulher rebelde o fez escolher esta peça de entre as dezenas que escreveu Feydeau. “Faltam-nos pessoas que sejam exemplos para os outros, vivemos numa sociedade de gente medíocre”, disse o encenador, em conversa com o Observador.

Há 50 anos à frente do projeto Comuna , Teatro de Pesquisa, e já com 80 anos, o encenador não dá mostras de querer abrandar e tem uma posição muito crítica sobre a forma como está a ser gerido o teatro em Portugal: “faltam grandes companhias, que absorvam os jovens atores e possam fazer espetáculos de maior dimensão. Estive três anos à frente do teatro Nacional, sei que há dinheiro para isso. Agora limitamo-nos a apresentar projetos e depois fazemos peças com dois ou três atores porque supostamente não há dinheiro.”

No dia 1 de Maio, de 2023, completam-se as comemorações dos 50 anos da Comuna. Até lá João Mota tem esperança de repor “A Casa de Bernarda Alba”, onde entra também como ator. Vai estrear “Woyzeck” no principio do ano, está a preparar uma homenagem ao escritor  António Torrado “vamos encenar um texto em forma de café-teatro que ele escreveu e me deu há uns 15 anos, e uma homenagem que lhe devemos e ainda vamos encenar um texto de Paul Claudel para finalizar.”

“Não andes Nua Pela Casa” fica em cena até 18 de Dezembro, no teatro da Comuna ,em Lisboa. As sessões decorrem de quarta a domingo. Quartas e quintas às 19 horas. sextas e sábados às 21 horas e domingos às 16 horas.

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