Portugal já está em contacto com as autoridades francesas para receber “rapidamente” 25 migrantes que estavam a bordo do navio Ocean Viking, resgatados no Mediterrâneo, anunciou esta sexta-feira o Governo, defendendo um “compromisso muito sério” sobre a questão migratória.

“Nós estamos a trabalhar com as autoridades francesas no sentido de garantir que tudo se processe com a máxima rapidez. Há, obviamente, processos que têm que ser acautelados, há todo um trabalho de preparação e de acolhimento que está a ser feito pelas entidades com responsabilidade nessa matéria e, portanto, estou em crer que rapidamente conseguiremos receber e acolher estas 25 pessoas”, disse a secretária de Estado da Proteção Civil, Patrícia Gaspar.

Falando aos jornalistas portugueses em Bruxelas no final de uma reunião extraordinária dos ministros dos Assuntos Internos da União Europeia (UE) e do espaço Schengen, a responsável salientou a “postura perfeitamente solidária [de Portugal] com os países mais afetados por esta questão”.

Assumimos o compromisso político de acolher 25 dos migrantes que estavam a bordo do navio Ocean Viking, em apoio às autoridades francesas e em estreita coordenação com estas autoridades”, elencou Patrícia Gaspar.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Nesta reunião extraordinária ficou assente, de acordo com a governante, “um compromisso muito sério no sentido de se trabalhar em conjunto para reagir e para se poder enfrentar este desafio das rotas migratórias”.

Os ministros dos Assuntos Internos da UE e do espaço Schengen estiveram reunidos esta sexta-feira, em Bruxelas, para debater a situação em todas as rotas migratórias para e dentro da Europa e medidas comuns a adotar.

O conselho extraordinário de ministros dos Assuntos Internos, convocado pela presidência semestral checa do Conselho da UE, contou com a presença dos países terceiros que integram o espaço Schengen — Islândia, Liechtenstein, Noruega, Suíça –, e foi marcado após um diferendo diplomático entre Itália e França desencadeado pela rejeição italiana em acolher um navio de resgate humanitário.

A recente recusa do novo Governo italiano em acolher o navio humanitário Ocean Viking da organização não-governamental (ONG) SOS Méditerranée, com mais de 200 migrantes resgatados no Mediterrâneo a bordo, voltou a abrir a discussão sobre as questões migratórias no seio da UE.

Os migrantes seriam posteriormente acolhidos em França, mas o caso do Ocean Viking acabou por desencadear uma crise diplomática entre Paris e Roma, com as autoridades francesas a reclamarem iniciativas europeias para melhor controlo das fronteiras externas da UE.

Primeira-ministra italiana critica “resposta agressiva” de França no caso do navio ‘Ocean Viking’

Na reunião, a par do novo Pacto em Matéria de Migração e Asilo — que a Comissão Europeia apresentou em 23 de setembro de 2020 -, foi debatido um recente plano de ação que inclui 20 medidas concretas para responder aos desafios da rota do Mediterrâneo Central, que abrange Itália, e para conseguir respostas conjuntas face a um aumento generalizado dos fluxos migratórios.

A Política de Asilo é a forma como a UE organiza a capacidade de resposta dos Estados-membros aos migrantes que chegam às fronteiras externas da UE e pedem asilo.

Itália é abrangida pela chamada rota do Mediterrâneo Central, uma das rotas migratórias mais mortais, que sai da Líbia, Argélia e da Tunísia em direção à Europa, nomeadamente aos territórios italiano e maltês.

Mais de 50.000 pessoas morreram desde 2014 em rotas migratórias, grande parte para tentar chegar à Europa, avançou, na quarta-feira, a Organização Internacional para as Migrações (OIM).

Mais de metade das 50.000 mortes documentadas pela OIM aconteceram em rotas para e dentro da Europa, com o mar Mediterrâneo a reivindicar pelo menos 25.104 vidas.

Paris recusa deslocalizações se Itália não respeitar “a lei do mar”

A França advertiu a Itália de que não receberá requerentes de asilo que cheguem daquele país enquanto este não respeitar “a lei do mar” e continuar a recusar o desembarque de migrantes resgatados no Mediterrâneo.

Esta posição foi expressa esta sexta-feira pelo ministro do Interior francês, Gerald Darmanin, em Bruxelas. “Se a Itália não aceitar os barcos, não aceitar a lei do mar e (o princípio de) o porto mais seguro, não há nenhuma razão para que os países que garantem as deslocalizações sejam os mesmos que recebem diretamente os barcos ou acolhem os migrantes de África ou da Ásia“, disse Darmanin à chegada à reunião em Bruxelas.

Uma dúzia de países comprometeram-se a acolher cerca de 8.000 requerentes de asilo ao longo de um ano, com a França e a Alemanha a aceitarem cada um 3.500. No entanto, até agora, apenas uma centena de deslocalizações ocorreram.

Numa tentativa de reanimar este mecanismo, baseado numa ação voluntária dos Estados, a Comissão apresentou na segunda-feira um plano de ação sobre o Mediterrâneo Central.

“O nosso desejo é, obviamente, assumir este mecanismo, o único que nos permite distribuir as dificuldades por toda a Europa e forçar os países de primeira entrada, como a Itália, a estabelecer as fronteiras de que necessitamos e o registo de todos os estrangeiros que chegam ao espaço europeu. De momento, este não é o caso”, sustentou Darmanin.

O plano de ação visa, nomeadamente, reforçar a cooperação com países como a Tunísia, a Líbia e o Egito para evitar partidas e aumentar o regresso de migrantes irregulares, além de “promover discussões no âmbito da Organização Marítima Internacional” (OMI) sobre “orientações para as embarcações que realizam operações de resgate no mar”.

A Itália, tal como a Grécia, Malta e Chipre, apontou recentemente o dedo às organizações humanitárias cujos “navios privados atuam em total autonomia”, acusando-as de encorajarem a migração.

O ministro do Interior grego, Notis Mitarachi, queixou-se de que a Turquia não está a respeitar um acordo de migração de 2016 que inclui o regresso de migrantes que não têm direito a asilo.

Considerou ainda que o mecanismo de solidariedade voluntária “não é suficiente”, apelando a uma solução “obrigatória”.

Alguns dos Estados-membros, incluindo a República Checa, que detém atualmente a presidência rotativa da UE, estão focados noutra rota migratória: a dos Balcãs, que causou quase 130.000 entradas irregulares na UE desde o início do ano, segundo a agência Frontex, um aumento de 168%.