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“Stutz”: a terapia de Jonah Hill deu um filme e o psiquiatra é a estrela

Este artigo tem mais de 1 ano

O ator americano quis fazer um documentário para partilhar os métodos inovadores do seu terapeuta. Sem querer, conseguiu muito mais. Já está disponível na Netflix.

Phil Stutz (à direita) não se limita a ouvir. Direciona e diz o que fazer — uma postura que se afasta muito dos métodos convencionais, onde o terapeuta não interfere
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Phil Stutz (à direita) não se limita a ouvir. Direciona e diz o que fazer — uma postura que se afasta muito dos métodos convencionais, onde o terapeuta não interfere

Phil Stutz (à direita) não se limita a ouvir. Direciona e diz o que fazer — uma postura que se afasta muito dos métodos convencionais, onde o terapeuta não interfere

“Entretém-me”, diz Phil Stutz a todos os pacientes que se sentam no seu consultório, no início de cada sessão. É exatamente para isso que vamos quando começamos a ver “Stutz”, o novo documentário da Netflix: para uma sessão que pretende mostrar-nos as ferramentas fora da caixa — e, por vezes, pouco consensuais — usadas por este especialista. Jonah Hill é a cobaia — ou melhor, ele é realmente paciente de Stutz e, impressionado pelas mudanças que a terapia tem causado na sua vida, quer partilhar os métodos inovadores com o mundo. O projeto está dividido em duas partes muito diferentes e aquilo que a primeira oferece em nenhum momento faz prever a mudança radical de rumo que acontece na segunda.

Os 20 primeiros minutos são uma aula intensiva que nos leva a fazer mais apontamentos do que numa aula da faculdade. É que tudo o que Phil Stutz diz é interessante, inteligente e direto. Mais do que isso, o homem tem um carisma hipnotizante e um sentido de humor que não pede licença.

“É bom que não venhas para aqui descarregar toda a tua porcaria em cima de mim”, diz a Jonah Hill.

Se a dinâmica é assim apenas com o ator, que ficou conhecido com papéis cómicos em filmes como “Super Baldas” e “Agentes Secundários”? Pode ser, mas é pouco provável. Stutz tem um estilo só dele e já não está para fazer fretes. “Cala a porra da boca e faz o que te digo”, atira ao seu paciente que, aqui, é também o realizador.

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Phil Stutz não se limita a ouvir. Direciona e diz o que fazer — uma postura que se afasta muito dos métodos convencionais, onde o terapeuta não interfere. Porém, quem faz ou já fez terapia sabe que às vezes a única coisa necessária é que alguém nos diga o que fazer naquele exato momento em que tudo é caos e nevoeiro. Os típicos “como é que isso te faz sentir?” ou “que emoções é que essa memória te traz?” são questões necessárias para analisar, dissecar e arrumar gavetas, mas nem sempre suficientes ou oportunas. Porque é que alguém que, em muitos casos, é quem conhece partes de nós que não mostramos a mais ninguém, não haveria de ser capaz de nos dar conselhos? Porque é que tem de se limitar a ouvir sem opinar? Não estamos a falar de uma pessoa que tome decisões fulcrais no nosso lugar, mas que nos diga, se for preciso, “faz isto neste momento”. Estar sempre a falar do mesmo, da tristeza, dos medos, das preocupações não resulta a longo prazo. Às vezes as pessoas só querem sair de uma depressão, esquecer um trauma, passar para o capítulo seguinte. E, de preferência, depressa.

[o trailer de Stutz:]

Foi na ânsia de ver os seus pacientes avançarem que Phil Stutz desenvolveu uma série de ferramentas práticas e muito visuais. Têm nomes e desenhos, que o psiquiatra rabisca com uma mão trémula — a doença de Parkinson rapidamente é abordada no documentário — em cartões que entrega aos pacientes. A “parte x”, “a sombra”, o “fio de pérolas”, o “amor ativo”, entre outros, são conceitos que não têm nada de complexo e, ainda assim, provavelmente nunca os tínhamos visualizado, muito menos pensado no sentido que fazem.

Neste momento está a acontecer-me mais ou menos o que acontece quando o documentário chega a um terço do seu percurso. Tudo isto é muito interessante, mas não é nada disto que quero contar-vos, quero falar-vos do que acontece na última hora de “Stutz”. Porque aí, sim, está a verdadeira lição deste projeto.

Jonah Hill percebe, a dada altura, que o que filmaram até ali não resulta. Tem estado a enganar os espectadores (não posso revelar-vos como, sob pena de estragar o efeito), mas, sobretudo, tem estado a enganar-se a ele próprio e ao médico. O que ele queria inicialmente era fazer um filme sobre Phil Stutz e, na categoria de entrevistador e realizador, trava Stutz cada vez que este tenta abordar sentimentos e vivências de Hill. Aquilo que abordariam numa sessão pessoal do ator não é para ali chamado. Porém, percebe ele (e percebemos nós), isso é um erro que torna “Stutz” um filme cheio de teorias e com pouca emoção. Então Stutz e Hill deixam de estar frente a frente, no consultório. Passam a estar lado a lado e dá-se uma conversa que é uma espécie de epifania que abre as portas para o que se segue — e que ninguém, que esteve até ali muito atento a anotar conceitos num bloco de notas, poderia prever.

A vulnerabilidade aparece de um lado e do outro. “Stutz” deixa de ser uma entrevista para passar a ser uma conversa que desencadeia decisões e efeitos para o terapeuta e para o paciente. Por vezes, é Jonah Hill o terapeuta e Phil Stutz o paciente. A troca de dinâmica é emotiva, profunda e extremamente divertida. A ligação que os dois partilham vai muito além das paredes de um consultório. A admiração, o respeito, o carinho, a honestidade e o apoio mútuos são profundamente comoventes de ver — e deixam-nos alguma inveja, porque não há para aí Phil Stutz ao pontapé e é geralmente preciso tropeçar em muitos psicólogos ou psiquiatras até encontrar um que faça sentido para o que precisamos ou procuramos.

As ferramentas continuam a ser abordadas no documentário, mas também a vida de Stutz vai sendo recordada — da infância em Nova Iorque à relação complexa com a mãe, passando pela morte trágica do irmão — um trauma que partilha com Jonah Hill, que perdeu um irmão inesperadamente em 2017. As fotos de arquivo vão sendo intercaladas com pausas nas filmagens — ou aquilo que deviam ser pausas porque, na realidade, as câmaras não param de gravar.

Jonah Hill liberta-se da posição de espectador e aborda os próprios fantasmas; O que provavelmente o próprio Stutz não esperava era mergulhar nas suas inseguranças e assuntos por resolver

Jonah Hill liberta-se da posição de espectador (ou de terapeuta convencional?) e aborda os próprios fantasmas: o excesso de peso, a depressão, a incapacidade de ser feliz quando estava no pico da sua carreira, o julgamento dos outros, a insegurança com as mulheres. Mas o mais engraçado é que ele, ator profissional, nunca passa a protagonista. O palco é de Phil Stutz em todos os momentos, embora ele nunca pareça muito importado ou deslumbrado com isso. O que lhe interessa são os assuntos que estão a discutir sem nunca saber (ou pelo menos assim parece) para que direção o barco vai virar. Os momentos introspetivos são tão intensos como as piadas que se seguem. O que provavelmente o próprio Stutz não esperava era mergulhar nas suas inseguranças e assuntos por resolver — vê-lo aperceber-se de certas coisas e dar passos para a mudança é fascinante. Estamos a ver o processo ao contrário, o jogo muda.

A dada altura, Jonah Hill diz que não se importa com o que as pessoas vão achar do filme. A verdade é que podia ter sido um tiro ao lado, uma lição enfadonha com uma mão cheia de teorias irrelevantes. Talvez tenha sido exatamente o facto de aceitar que não podia prever o resultado final que evitou que isso acontecesse e transformou “Stutz”, fazendo com que seja impossível chamar-lhe apenas documentário, sem dizer que é uma homenagem e uma troca de amor e admiração que vai muito além do projeto cinematográfico.

Nem todas as terapias (e terapeutas) funcionam para toda a gente. Há que encontrar o método certo e, sobretudo, alguém com quem se estabeleça uma empatia bem maior do que uma troca de serviços de “toma lá três lenços de papel, dá para cá 60€”. Phil Stutz é fora de série, é verdade, porque tem carisma e visão. Porém, também nem tudo o que diz se aplicará às nossas vidas, não vamos segui-lo como se fosse o líder de uma seita. Ainda assim, ouvi-lo, admirá-lo e assistir ao processo destes dois peões durante hora e meia é uma sessão tão valiosa quanto uma ida semanal ao psicólogo. E é para todos: para quem faz terapia e para quem desdenha dela.

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