A investigadora e escritora brasileira Iara Lemos acusa a Igreja Católica de usar o Haiti para proteger religiosos pedófilos que abusaram de centenas de crianças no país, funcionando como santuário para “pedófilos do mundo inteiro”.

“O Haiti é um ponto de colocação de padres pedófilos do mundo inteiro”, afirmou em entrevista à Lusa a também jornalista.

“O sistema de proteção criado Igreja Católica envolve Haiti, Brasil, Estados Unidos, Portugal e vários outros países. A Igreja Católica usa um esquema criminoso para deslocar, esconder e proteger os religiosos acusados de pedofilia”, referiu.

A jornalista brasileira esteve esta semana em Portugal para apresentar a segunda edição do seu livro ‘A Cruz Haitiana’, pela editora In-Finita, numa versão atualizada e em português europeu que aborda como a Igreja Católica usa o seu poder para esconder religiosos acusados de pedofilia, nomeadamente no Haiti.

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A primeira edição do livro foi lançada no Brasil em 2020 e em Portugal no início deste ano.

Iara Lemos cita no seu livro o caso de um padre português, João Duarte [conhecido como John Duarte], que foi detido na República Dominicana e hoje cumpre pena de prisão no Canadá por casos de pedofilia no Haiti. Este padre português, segundo Iara Lemos, “abusou sexualmente de dezenas de jovens e crianças no Haiti”.

A jornalista brasileira referiu também a importância da Comissão Independente que investiga abusos sexuais na Igreja em Portugal, que já recebeu 424 queixas de abuso sexual, nomeadamente para expor e levar à justiça os responsáveis por estes crimes.

“A história do ‘A Cruz Haitiana’ começou em meados de 2008, na primeira vez que estive no Haiti. Fui para fazer uma reportagem sobre o trabalho humanitário desenvolvido por um grupo de freiras da Congregação do Imaculado Coração de Maria no interior do país”, declarou.

Durante esta viagem, segundo a autora, recebeu as primeiras denúncias de casos de pedofilia relacionados com religiosos da Igreja Católica.

“A partir de então, fui em busca de informações e testemunhos de casos de pedofilia no seio da Igreja Católica no Haiti”, disse, acrescentando que, além dos depoimentos, procurou “documentação que sustentasse todas as informações” que recebeu de várias fontes, inclusivamente das freiras que foi entrevistar.

“Foi um trabalho longo, que durou mais de dez anos”, relatou.

Iara Lemos consultou também arquivos da Justiça do Canadá, dos Estados Unidos, da República Dominicana e documentos do Vaticano.

Os abusos sexuais contra crianças e jovens cometidos ao longo de décadas pelos religiosos no Haiti só começaram a ser expostos depois do ano 2000.

“Muitas denúncias realizadas no Haiti foram completamente ignoradas pela Igreja Católica. Como no caso de uma escola em Cabo Haitiano, em que o religioso Douglas Perlitz violentou sexualmente 113 rapazes”, declarou.

“Estes jovens conseguiram colocar uma ação na Justiça dos Estados Unidos, com a ajuda do advogado Mitchell Garabedian [que aparece no filme “Spotlight”, sobre a investigação do jornal norte-americano Boston Globe dos casos de abusos na Igreja Católica naquela cidade da costa leste], e acabaram por vencer. A Igreja Católica pagou 60 milhões de dólares de indemnização aos rapazes” e o religioso foi condenado a mais de 20 anos de prisão em 2010, indicou a jornalista brasileira.

“A forma como tudo se processou, como a Igreja Católica pagou a indemnização, revela uma admissão de culpa”, declarou Iara Lemos, sublinhando ainda que Garabedian a ajudou muito enquanto estava a trabalhar para escrever o seu livro.

“O Haiti tem o pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH-ONU) das Américas, é um país muito pobre, extremamente violento devido aos ‘gangs’, com um povo muito sofrido. Praticamente 70 por cento da população não é alfabetizada e em poucas cidades há acesso a água potável e energia elétrica”, sublinhou.

“No caso destas crianças e jovens haitianos pobres que acreditavam que a Igreja estava lá para os auxiliar ao entrarem para uma instituição católica, com o intuito de aprender e ter uma oportunidade na vida, acabaram por serem violentados por religiosos”, declarou.

“O trabalho, apesar de o livro já estar publicado, está em constante movimento, porque as denúncias continuam a chegar”, disse ainda a autora brasileira.