O antigo primeiro-ministro são-tomense Gabriel Costa disse esta segunda-feira à Lusa estar no Gabão para contactar representantes da comunidade internacional sobre o assalto ao quartel militar, na sexta-feira, em que morreram quatro pessoas, numa “violação gravíssima de direitos fundamentais“.

“Tenho a missão de dizer à comunidade internacional que vejo gente muito chocada e a situação é um barril de pólvora”, afirmou à Lusa, por telefone, a partir de Libreville.

Gabriel Costa, que foi primeiro-ministro de São Tomé e Príncipe em 2002 e entre 2012 e 2014, recordou que pertence ao comité de sábios da Comunidade Económica de Estados da África Central (CEEAC) e, “enquanto cidadão e alguém que exerceu funções” políticas, disse não poder ficar “impávido e sereno” perante os acontecimentos recentes no seu país.

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Quatro pessoas morreram e pelo menos 16 foram detidas após o ataque de sexta-feira a um quartel militar em São Tomé e Príncipe, numa ação classificada como “tentativa de golpe de Estado” pelas autoridades são-tomenses e condenada pela comunidade internacional.

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Entre os mortos está o antigo oficial do batalhão Búfalo Arlécio Costa, condenado em 2009 por tentativa de golpe de Estado, e apontado como suspeito de ser um dos mandantes do ataque, juntamente com o ex-presidente da Assembleia Nacional Delfim Neves – ambos detidos pelos militares, nas suas respetivas casas, após o ataque ter sido dado como “neutralizado”.

Três dos quatro atacantes e Arlécio Costa morreram na sexta-feira e imagens dos homens com marcas de agressão, ensanguentados e com as mãos amarradas atrás das costas, ainda com vida e também já na morgue, foram amplamente divulgadas nas redes sociais.

O antigo chefe do Governo são-tomense referiu à Lusa ser tio de Arlécio Costa, mas sublinhou não ter qualquer “envolvimento na situação que se passa em São Tomé e Príncipe”, recordando que, desde o fim do seu mandato, se afastou da vida política.

Em 2012, Gabriel Costa foi nomeado primeiro-ministro pelo então Presidente Manuel Pinto da Costa, na sequência da destituição de Patrice Trovoada, que tinha perdido apoio parlamentar. Trovoada regressou depois ao poder, com maioria absoluta, entre 2014 e 2018, e agora, novamente com maioria absoluta, após as eleições legislativas de setembro.

O antigo primeiro-ministro garantiu não estar detido no Gabão nem “em perigo“, ao contrário de informações que circularam nas redes sociais e que a antiga eurodeputada socialista Ana Gomes repetiu este domingo, no seu comentário semanal na televisão SIC.

Gabriel Costa relatou que estava a regressar de Lomé, num voo com escala em Libreville, e pediu para sair do avião no Gabão para poder contactar algumas entidades neste país – nomeadamente as embaixadas da União Europeia e de França, que têm acreditação também em São Tomé.

As autoridades gabonesas, acrescentou, terão recebido instruções para assegurar a sua proteção e colocaram-no “sob escolta policial”. “Estão a controlar os meus movimentos“, disse.

Gabriel Costa lamentou a morte dos assaltantes e de Arlécio Costa.

“As pessoas que armaram isto serviram-se dele. Quando os atos dele interessavam a alguns setores políticos para intimidar, não se coibiam de recorrer a ele. A minha convicção profunda é que pretendiam silenciar este homem”, criticou.

Para Gabriel Costa, havia “todo o interesse” que as razões do ataque fossem esclarecidas.

“Porquê a eliminação destas pessoas?“, perguntou, lamentando a “violação gravíssima e brutal dos direitos fundamentais” e criticando que os militares tenham ido “deter pessoas nas suas casas”, além de “executarem e torturarem” detidos sob custódia.

O antigo chefe do Governo acusou o Presidente da República, Carlos Vila Nova, de “compactuar” com os acontecimentos, afirmando que este deveria ter declarado “estado de sítio” para assumir o comando da situação.

“Há responsabilidades a ser assacadas ao Presidente da República e ao primeiro-ministro”, considerou.

“O primeiro-ministro, que é o dono disto tudo, com maioria absoluta, é que tomou o controlo, a anunciar que o golpe tinha sido neutralizado e quem eram os autores morais. Onde estão as chefias militares?“, questionou.

O chefe do Estado-Maior das Forças Armadas são-tomense disse no domingo que os três atacantes do quartel morreram após uma explosão e o suspeito Arlécio Costa faleceu porque “saltou da viatura”, mas garantiu uma investigação às alegadas agressões aos detidos.

Portugal enviou, a pedido de São Tomé, uma equipa de investigadores e peritos da Polícia Judiciária e uma médica perita em patologia forense, que irá colaborar com as autoridades judiciárias são-tomense nas investigações.