A mais de um ano de terminar o prazo para a comissão técnica independente apresentar o relatório com uma proposta (ou propostas) para a solução aeroportuária de Lisboa, um debate realizado esta terça-feira recuperou para a discussão duas localizações, a Ota e a Alverca. Mais duas hipóteses a juntar às cinco que já fazem parte do caderno de encargos encomendado pelo Governo a um grupo de especialistas que irá promover uma avaliação ambiental estratégica fundado em seis áreas: estudos de procura, planificação aeroportuária, acessos rodoviários e ferroviários, ambiente, modelos económicos e financeiros e enquadramento jurídico.

No dia em que foi conhecida a equipa de coordenadores desta comissão, o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, encerrou o debate, afirmando não ter intenção de defender uma localização, mas tendo acabado por apontar pistas que podem ser vistas como uma preferência. “Não precisamos de fazer um aeroporto de quatro pistas amanhã, mas era importante não fecharmos as portas a uma expansão para não estarmos a reunir aqui para voltar a discutir o tema daqui a 10 ou 15 anos”.

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Nesta configuração de infraestrutura escalável ficam mais bem posicionadas as opções do Campo de Tiro de Alcochete como aeroporto de raiz que substitua a Portela e de Santarém na dupla opção de novo aeroporto e aeroporto complementar. Menos adequadas parecem ser as opções que incluem o Montijo como novo aeroporto a substituir a Portela ou aeroporto complementar ao atual, que, por condicionantes demográficas, geográficas e ambientais, terá mais dificuldade em cumprir a condição enunciada pelo ministro das Infraestruturas.

Mas como o mandato entregue pelo Governo à comissão técnica independente permite que estes peritos proponham outras soluções, os apoiantes da Ota e de Alverca também fizeram questão de dizer presente na conferência promovida pelo Conselho Económico Social e pelo jornal Público.

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Santarém e a proximidade às autoestradas e à Linha do Norte

Cada localização teve o seu defensor, mas a marcar o debate esteve a primeira apresentação oficial dos promotores de um aeroporto para Santarém. Esta localização defendida por um consórcio privado do qual se conhece apenas uma empresa, o grupo Barraqueiro, e o técnico que tem apresentado a solução — Carlos Brazão que foi presidente da Cisco Portugal — consta de duas das opções que a comissão vai avaliar — como complemento ao aeroporto da Portela ou como substituto do aeroporto da Portela.

E na apresentação feita por Brazão cabiam as duas possibilidades. O projeto desenvolve-se em fases — só há o investimento para a primeira e “mais decisiva” que custará mil milhões de euros para uma pista que pode servir até 10 milhões de passageiros. O Magellan 500, assim se chama o projeto, pode crescer em cinco fases até chegar aos 100 milhões de passageiros e três pistas — um super-aeroporto com a escala europeia. Foi uma apresentação mais profissional que teve direito a vídeo e a várias imagens montadas a mostrar onde e como será a futura infraestrutura, e que é reveladora de mais recursos financeiros associados a um interesse empresarial que não é visível nas outras alternativas.

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Na conversa com os jornalistas, Carlos Brazão pouco acrescentou ao que tinha dito e apresentado lá dentro — sobre valores, projeto e parceiros e de que forma estes investidores podem assegurar a sua participação numa solução que poderá ter de envolver a concessionária dos aeroportos, a ANA ou passar por um concurso público.

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Para além da questão ambiental e da disponibilidade de espaço sem obstáculos à operação aeronáutica, o argumento mais vincado na defesa desta solução foi a proximidade a acessibilidades de alta capacidade que já lá estão — como as autoestradas e a linha do Norte — ou que estão planeadas por outros projetos — como a quadruplicação da linha ferroviária para chegar a Lisboa em meia hora. Ou não fosse a distância do principal destino dos passageiros — a capital — o ponto mais frágil desta candidatura, apesar de os promotores destacarem a vantagem financeira de não ter de fazer investimentos grandes em acessibilidades.

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E foi precisamente nesta fragilidade que apostou o defensor do Montijo, o gestor Carlos Lopes que foi chefe de gabinete do secretário de Estado dos Transportes do Governo do PSD/CDS. Foi Sérgio Monteiro quem, depois de privatizar a ANA sem incluir a obrigação de construir um novo aeroporto, acolheu em 2015 a proposta da concessionária para fazer a expansão aeroportuária desenvolvendo uma infraestrutura complementar no Montijo totalmente paga pela própria. A solução foi adotada pelo Executivo socialista, mas acabou por cair quando duas autarquias comunistas recusaram dar o parecer positivo exigido na lei. E agora a ANA não se pronuncia sobre localizações.

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Mesmo quando existe acesso rápido e de qualidade por comboio, este meio só é usado por um terço dos passageiros na média dos aeroportos europeus, indicou o gestor. Ou seja, dois terços vão de carro ou camioneta, o que traria uma grande pegada ecológica num aeroporto mais distante da capital (a mais de 70 quilómetros de Lisboa o percurso demoraria uma hora), argumentou Carlos Lopes. “Nem sempre o cliente percebe a bondade das intenções políticas”, referiu a propósito desta aposta na ligação ferroviária.

Carlos Lopes destacou também a vantagem do projeto para o Montijo cujo financiamento está dentro do contrato de concessão e lembrou os custos de uma não decisão (ou de uma decisão lenta a implementar). E deixou também um aviso. Temos de decidir que aeroporto queremos e quantos turistas queremos em Lisboa.

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Defensor do Campo de Tiro de Alcochete questiona decisão e soluções duais

A defender o Campo de Tiro de Alcochete esteve o principal rosto técnico da contestação à solução dual Portela+Montijo, Carlos Matias Ramos que era o presidente do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) quando esta instituição (a pedido do Governo de José Sócrates) concluiu que esta localização era melhor do que a Ota para uma grande cidade aeroportuária. Passados 15 anos, Matias Ramos não mudou de opinião e continua convicto das vantagens de Alcochete que, ao contrário do que outros defendem, também pode servir como projeto modular (faseado) numa solução de transição que envolva numa primeira fase as operações na Portela.

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Matias Ramos foi ainda muito crítico do método de decisão escolhido pelo Governo com comissões especializadas composta por 30 elementos (esta terça-feira foram anunciados os coordenadores) apontando dificuldades de organização. E das opções que vão ser estudadas, algumas das quais descreve como inverosímeis ou desajustadas e de quem “não percebe nada ou não estudou”. Sublinhando que nenhuma solução dual permitirá retirar o aeroporto dentro de Lisboa, Matias Ramos afirmou que não há nenhum documento oficial que justifique as vantagens desta dualidade. “Estou a falar de documentos oficiais e não de apertos de mão”.

Se o custo da Terceira Travessia entrasse na conta… a Ota ganhava

E do Campo de Tiro de Alcochete (CTA) para o seu rival Ota. A defesa desta localização que chegou a ser garantida como inevitável pelo ex-ministro Mário Lino (e que depois mudou de opinião) coube a um ex-presidente da Naer (a empresa que foi criada na esfera de uma ANA pública para desenvolver o novo aeroporto). Rui Sérgio compreende que com a crise financeira do final da década passada não era possível avançar com a construção do novo aeroporto, mas defendeu que teria sido melhor não fazer nada, em vez da decisão (tomada no Governo de Passos Coelho) de desinvestir nos aeroportos, “vendendo a ANA com um sistema de regulação ultraleve”. E apesar de concordar com muito do que foi dito pelo apoiante do Campo de Tiro de Alcochete destacou a questão que pode tirar a força a esta opção.

Sem a Terceira Travessia do Tejo (que era um projeto decidido quando o LNEC escolheu o CTA como menos caro que a Ota) paga pelo Estado e com esse custo atribuído ao investimento necessário para o novo aeroporto (sem esta ponte não há serviço ferroviário de qualidade para a capital), a Ota surgiria como uma solução mais favorável.

Ex-ministro e ex-autarca de Lisboa dá a cara por Alverca

A defesa de Alverca esteve a cargo do ex-ministro das Obras Públicas (de Durão Barroso) e ex-presidente da Câmara de Lisboa, Carmona Rodrigues.

Esta hipótese tem sido defendida por um engenheiro, José Furtado, mas já foi estudada no passado como aeroporto complementar e afastada devido aos limites de operação combinada entre a Portela e a pista de Alverca.

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No entanto, esta terça-feira Carmona Rodrigues defendeu  que o alinhamento entre as duas pistas não é um constrangimento porque estão afastadas mais de 4.500 metros. A Alverca faria parte de uma solução dual que mantém a Portela começaria com um investimento de 450 milhões de euros que, poderia com um investimento máximo de 1.000 milhões de euros servir um tráfego de 40 a 50 milhões de passageiros por ano considerando quatro pistas. A proximidade da capital e dos acessos ferroviários, são outras vantagens apontadas para esta localização como complemento à Portela que, dizem os seus defensores tem vantagens face ao Montijo, mas não ficou muito claro como a construção deste aeroporto com a necessidade de aterros iria ter impacto numa zona sensível do Tejo, já que o projeto aproveita um mouchão (pequena ilha) no estuário.