Enviado especial do Observador em Doha, no Qatar

Não havia um único jornal que não puxasse pelo Irão-EUA sem ser pela vertente mais política. Podíamos andar à procura, à vontade, ia dar tudo ao mesmo. Depois havia aquelas nuances de puxar mais pelo estado das relações atuais dos dois países, de dar um salto mais à frente perante as implicações que o eixo Rússia-Irão poderá propiciar tendo com contexto a guerra da Ucrânia ou de recuar a uma das páginas mais bonitas do desporto quando os dois conjuntos deixaram à entrada para as quatro linhas tudo o que não fosse futebol e tiraram aquela fotografia conjunta após o encontro na fase de grupos do Mundial de 1998, mas era tudo sobre o mesmo. Mérito seja feito, o El País, dentro de um lançamento também no mesmo diapasão, ainda foi recordar uma figura e uma frase que ajudam a colocar tudo em contexto: José Mourinho e a ideia de que todos os jogos de futebol começam a ser jogados no dia anterior na sala de imprensa.

Quando Carlos Queiroz entrou na sala de conferências do Media Centre com Karim Ansarifard para fazer o lançamento do jogo, num momento que mereceu dos jornalistas iranianos um minuto a bater palmas, sabia que tudo iria andar novamente à volta do mesmo. O que fez? Tentou colocar a mesma tónica para o outro lado como quem diz ‘Se me perguntam a mim, porque não perguntam a eles’. Quando Gregg Berhalter e Tyler Adams chegaram para a sua conferência, questionaram e mais do que uma vez. Havia um objetivo nas entrelinhas: esvaziar a pressão inerente ao encontro que poderia ser o mais importante da história do Irão num momento que dificilmente poderia ser mais complicado para a equipa do Irão perante o que tem vivido desde setembro. E o adversário até era aquele a quem ganharam pela primeira vez num Mundial.

“A nossa missão é proporcionar entretenimento e fazer as pessoas felizes durante 90 minutos. Nasci em Moçambique e sei o efeito que uma bola pode ter em crianças que passam um ou dois dias sem comida e que não tem o que vestir. Quando lhes dávamos uma bola, não podem imaginar a magia do momento: as suas caras de tristeza iluminavam-se com um sorriso de um momento para o outro. Essa é a missão do futebol: fazer as pessoas felizes. Temos oportunidade de nos qualificarmos no último jogo e isso deixa-nos muito orgulhosos. Não tenho dúvida de que seremos regulares e consistentes e de que daremos o nosso melhor frente aos EUA. Vamos competir como irmãos. Vai ser um jogo especial contra a equipa que tem sido mais consistente e que tem jogado melhor do grupo. Posso dizer desta forma: eles saltaram do soccer para o futebol mas nós temos o mesmo objetivo e o mesmo dos oitavos”, dizia Carlos Queiroz na antevisão.

Se na conferência houve um equilibrar de forças a nível da pressão criada em torno das equipas (sobretudo um esvaziar por parte dos iranianos), no campo as coisas seriam mais complicadas perante aquilo que os EUA têm demonstrado neste Mundial que já está também a preparar a co-organização de 2026. E se os 45 minutos iniciais tiveram um Irão incapaz do que quer que fosse com bola do meio-campo para a frente, a reação do segundo tempo mostrou que qualquer resultado seria sempre um prémio para o contexto com que a equipa chegou a este Mundial mesmo havendo risco de voltar a “morrer na praia”.

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A primeira parte confirmou tudo aquilo que os EUA tinham feito até aqui, não só pelo domínio do jogo e pela produção ofensiva mas também pela forma como condicionaram por completo a saída do Irão e controlaram o ataque à profundidade. Assim, o resumo dos 45 minutos iniciais foi feito apenas de oportunidades dos americanos: uma primeira ameaça de Yunus Musah que saiu por cima (9′), um cabeceamento em boa posição de Pulisic que saiu com pouca força (11′), uma recarga de cabeça de Weah que poderia também ter levado mais perigo (28′), outro remate de Weah após assistência de Sargeant que saiu por cima (33′). Carlos Queiroz precisava do intervalo para mexer posicionamentos na equipa mas os EUA chegaram à vantagem ainda antes do descanso numa grande jogada de combinação entre McKennie e Dest para o desvio na pequena área de Pulisic (38′). Nos descontos, Weah também marcou mas o golo foi anulado (45+2′).

O Irão teria de fazer algo para reentrar na partida, tendo como melhor exemplo aquilo que o País de Gales conseguiu num segundo tempo em que os americanos foram caindo em termos físicos, foram deixando de ganhar as segundas bolas e controlar o meio-campo e acabaram por dar o aditivo anímico para o “muro vermelho” (expressão dos jogadores dos EUA para definir os adeptos galeses que estavam atrás da baliza) chegar ainda ao empate. E os primeiros sinais até foram positivos, com Saman Ghoddos a aparecer bem entre os centrais a desviar de cabeça por cima da trave (52′). Mais tarde, o mesmo Ghoddos atirou em arco já perto do poste (65′) e também Saeed Ezatolahi arriscou a meia distância que saiu próxima da trave de Matt Turner (70′). Os EUA não mais voltaram a ter oportunidades para chegar ao golo que acabava com o jogo e  os iranianos forçaram até ao fim, com Ali Karimi (81′) e Pouraliganji (90+2′) a terem as últimas hipóteses mas sem sucesso, não conseguindo assim evitar um novo afastamento do Mundial por um golo e acabando com os jogadores americanos a consolarem os adversários iranianos deitados em lágrimas.

A pérola

  • Os produtos de marca Red Bull no futebol têm quase sempre chancela de garantia que precisa depois de dar um salto em vários casos. Foi isso que aconteceu com Tyler Adams, capitão americano de 23 anos que começou no New York Red Bulls, passou pelo RB Leipzig e está agora a fazer a época de estreia no Leeds que ficou sem Kalvin Phillips para o Manchester City. Além da liderança bem visível em campo, e sendo um jogador que prima pela descrição, percebe o jogo: fecha espaços nas transições, pauta as zonas de pressão, sabe assumir a primeira fase de construção, quando é necessário encosta mais nos dois centrais. Com Musah e McKennie, os EUA tem um meio-campo bom para vários anos.

O joker

  • Josh Sargent tem apenas 22 anos, chegou ainda no final da formação à Europa para representar o Werder Bremen e deixou depois a Alemanha para representar os ingleses do Norwich em 2021. Ainda não é um nome conhecido, também não é um avançado que faça muitos golos, mas os movimentos que voltou a mostrar na frente de ataque jogando com as entradas de Timothy Weah e Pulisic e com as desmarcações de rutura de McKennie ou Musah mostram potencial para subir uns degraus,

A sentença

  • Com a Inglaterra a confirmar o favoritismo frente ao País de Gales, era no Estádio Al Thumama que se jogava a passagem aos oitavos via segundo lugar com uma vitória a dar a qualificação e um empate a beneficiar as ambições do Irão. Com a primeira vitória no Mundial mas mantendo o registo sem derrotas na prova, foram os EUA que passaram aos oitavos e vão jogar com os Países Baixos.

A mentira

  • O que se passou no exterior do estádio será apenas uma gotinha muito minúscula no paliativo que seria necessário para haver um encontro desta dimensão entre Irão e EUA sem que a parte política viesse ao de cima mas aquilo que vimos na zona de acesso às bancadas e no espaço onde os adeptos acabam por ficar concentrados a beber a última bebida (não alcoólica) enquanto tiram fotografias e dão um pezinho de dança neste caso ao som de DJ Sasa merecia ter o mesmo destaque que o próprio jogo: todos unidos, todos a quererem tirar fotografias uns com os outros, todos a dar entrevistas conjuntas, todos a puxar pela sua seleção sem qualquer tipo de tensão latente ou linha de separação. Uns iam para um lado, outro iam para outro, todos estavam unidos por uma paixão comum chamada futebol.