Enviado especial do Observador em Doha, no Qatar

Argentina-México, jogo grande nas bancadas com provavelmente as duas maiores falanges de apoio de todas as que estão no Qatar a encherem as bancadas do icónico Estádio Lusail, zona mista confirmada. Argentina-Polónia, jogo sobretudo decisivo em campo com a possibilidade de uma das equipas teoricamente favoritas a seguir para os oitavos em risco de cair já da competição, zona mista rejeitada. 11 dias de jogos depois, uma zona mista rejeitada. Há muitos jornalistas polacos? Sim, tantos como os mexicanos. Há muitos jornalistas argentinos? Obrigatoriamente mas os mesmos que pediram entrada nos dois encontros anteriores. Há uma diferença tão grande no espaço da zona mista? Alguma mas bem organizado até poderiam caber quase todos. O que mudava então? O fator Lewandowski a juntar-se a Messi. Tal e qual como seria o jogo.

A contabilidade de confrontos entre os avançados que começaram sobretudo a criar história de “rivalidade” em 2020 quando a France Football cancelou a atribuição da Bola de Ouro para no ano seguinte dar o troféu que deveria ser do polaco ao argentino (como já passou algum tempo pode falar-se abertamente de algo que nem alguns compatriotas do 10 perceberam) era favorável ao atual jogador do Barcelona, que em três jogos contra Leo Messi tinha sempre ganho ou mesmo goleado, como aconteceu nos quartos da Champions na Luz em 2020. Aí foi assinado o óbito definitivo do tiki taka. Aí começou um caminho de quase inevitabilidade para o cenário que se confirmaria em 2021 com a saída para o PSG. Aí com a Liga dos Campeões no currículo começou a definir-se a ideia de último projeto desportivo para o polaco. Esse 8-2 tocou a todos.

Agora havia o reencontro, com um de dois cenários em cima da mesa: 1) Messi vingava essa goleada que não mais deixou o Barça voltar a como o conhecíamos no (provável) último Mundial do polaco; 2) Lewandowski voltava a fazer a desfeita e carimbava o passaporte de recambio da albiceleste naquele que era (de certeza, a não ser que exista uma qualquer reviravolta) o último Mundial do argentino. E com esse mote deixado por Lionel Scaloni na antecâmara da partida: “se podemos desfrutar dos dois, porquê estar a compará-los?”.

Não faz mesmo sentido haver esse tipo de trabalhos porque ambos conseguem decidir jogos sozinhos (mais o argentino) mas necessitam sempre de ter uma equipa competente por trás. Messi teve, Lewandowski não. Nem agora nem em qualquer encontro deste Mundial. E a colocação de Enzo Fernández de início no meio-campo fazendo a vontade a imprensa e adeptos como não tinha acontecido com o México fez toda a diferença na melhor exibição da Argentina que teve o médio do Benfica a fazer mais uma assistência e a sair debaixo de uma ovação com o Estádio 974 a cantar o seu nome. Com isso, o 10 até pôde falhar um penálti…

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A Polónia ainda tentou fazer aquilo que o ADN desta equipa quase não permite apesar de ter nesta altura um dos melhores avançados do futebol mundial, esticando o jogo como não era normal e jogando quase de igual para igual com os argentinos. No entanto, foi sol de pouca dura. Não que os polacos não saibam jogar, que sabem, mas sentem-se melhor a construir a partir de trás pela certa ou a sair em transições com duas/três unidades dentro de uma gestão confortável sem bola. A Argentina, agora com Enzo a ‘5’ (o nosso 6 mas com muito mais espaço de subida), melhorou em relação aos dois últimos jogos, foi conseguindo variar bem os corredores e pecou na finalização perante as oportunidades que foi criando com Szczesny a tirar um golo a Messi num remate cruzado na área (12′), Acuña a subir mas a atirar ao lado (19′), Julian Álvarez a ver de novo o guardião polaco a negar o golo (29′), Di María quase a marcar um canto olímpico (33′) e mais uma vez Álvarez a perder frente ao autêntico muro que estava na baliza à frente de uma muralha polaca (36′).

Não havia maneira de a bola entrar. Nem mesmo com bolas “oferecidas” a Argentina marcava. E até o menos humano em todos os humanos em campo mostrou que é mais humano do que às vezes parece ser, falhando uma grande penalidade que tinha “ganho” perante uma má saída para socar a bola do guardião contrário. Szczesny defendia tudo até um penálti, Messi falhava tudo até um penálti. E ainda houve mais uma bola defendida por Szczesny que levava selo de golo, mais uma vez por Julian Álvarez (43′). A Argentina levava 14 remates contra apenas um da Polónia, enquadrou nove mas continuava sem desfazer o nulo.

Mais era complicado mas quem tinha ido apanhar ar durante o intervalo perdeu em muitos casos o golo que desbloqueou o jogo logo a abrir numa boa jogada de envolvimento pela direita com Di María e Molina, um cruzamento atrasado do lateral e um remate na passada para o poste contrário que não deu hipóteses e levou dezenas e dezenas de pessoas a voltar a correr em perfeito delírio (46′). A Polónia ainda teve uma ocasião soberana no seguimento de um livre lateral com Glik a desviar de cabeça muito perto do poste (49′) mas a Argentina tomara em definitivo conta do jogo, com uma série de oportunidades que podia levar a números bem mais largos no triunfo: Szczesny travou uma remate de Mac Allister (61′), Álvarez não deu hipóteses e colocou no ângulo após assistência de Enzo (67′), Messi voltou a ver o guarda-redes polaco a defender (71′), Álvarez atirou às malhas laterais (73′) e Lautaro falhou isolado (87′). O resultado não reflete em nada o que se passou a não ser num ponto: Scaloni acertou na equipa do meio-campo para a frente.

A pérola

  • O resultado podia terminar 1-0, 0-1, 5-2, 2-5, até 10-0. E um qualquer jogador podia ter um daqueles encontros que ficam para sempre na história dos Mundiais. No entanto, era impossível não destacar os mais de 38.000 argentinos (a contar se calhar um bocado por baixo, num estádio com 40.000 oficiais mas que tem sempre maior lotação) e a forma como vivem o jogo como se também eles estivessem na decisão de uma vida. As músicas são conhecidas, num misto entre partidas do River, do Boca e de tantos outros clubes e muitas horas passadas no metro de Doha, aqueles braços soltos no ar durante os cânticos também, a maneira como se entregam ao que se passa com euforia e depressão a cruzarem-se vezes sem conta na partida é algo que parece sempre a primeira vez mesmo não sendo.

O joker

  • Tem-se falado muito nos últimos meses (e sobretudo nos últimos dias) de que Enzo Fernández poderá estar apenas de passagem pelo Benfica, não pela ligação que tem com o clube mas pelo assédio de que está a ser alvo por grandes clubes europeus. No entanto, não é caso único na equipa e Alexis Mac Allister é um bom exemplo disso mesmo: o jogador do Brighton, que foi suplente no jogo inicial mas entrou depois para o lugar de Papu Gómez como falso médio esquerdo que joga bem mais por dentro, desbloqueou o encontro com o primeiro golo e foi o mais ativo até ao 2-0 que teve mais uma assistência de Enzo neste Mundial a coroar uma estreia de peso como titular da albiceleste.

A sentença

  • Quando todos pensavam que a luta estava entre Polónia e Argentina com Arábia Saudita à espreita, o México marcou o primeiro frente aos sauditas, aumentou a vantagem e entrou para os últimos 20 minutos a ter a decisão da passagem aos oitavos para defrontar a França nos cartões amarelos (com vantagem polaca por 6-5, menos um do que os mexicanos), sendo que o 2-1 dos sauditas a reduzir a desvantagem já em período de descontos fechou em definitivo as contas. A Argentina ganhou de forma isolada o grupo, assegurou a passagem aos oitavos e vai agora defrontar a Austrália no próximo jogo.

A mentira

  • A Polónia tem ainda vários jogadores da base que tem feito as últimas fases finais e juntou a eles mais valores que foram aparecendo durante os anos. Lewandowski é a grande figura, ou não fosse ele um dos melhores jogadores da atualidade, mas havia Zielesnki, Swiderski ou Krychowialk em campo e Piatek, Milik ou Zalewski no banco além de um super guardião. Por tudo isto, os polacos tinham obrigação de jogar mais, de procurar mais, de assumir mais. Com isso, frente ao México, podiam ter ganho o jogo. Com isso, diante da Argentina, podiam não ter perdido o jogo. Seguem-se mudanças.