Enviado especial do Observador em Doha, no Qatar

Nasceu em Liverpool (no estado de Nova Gales do Sul), nunca esteve propriamente nos palcos mais altos que o nome do conjunto de Anfield poderia indiciar. Aliás, o início até foi no Parramatta Eagles, uma formação semi amadora australiana. Seguiram-se Central Coast Mariners e Blacktown City (também ela com estatuto semi amador), uma primeira aventura no Japão pelo Shimizu S-Pulse, o regresso ao país via Western Sydney Wanderers, a passagem pelo sauditas do Al-Taawoun e a ida para a segunda divisão japonesa como reforço do Fagiano Okayama. A probabilidade de Mitchell Duke ser aquele jogador que um dia tivesse uma história capaz de ser contada por jornais um pouco por todo o mundo era de 0,0000001%. Ainda menos do que, na teoria, a Austrália teria de passar aos oitavos do Mundial. No entanto, um golo fez toda a diferença.

Depois da goleada sofrida frente à França no arranque, os socceroos conseguiram ganhar à Tunísia com um momento de inspiração do avançado de 31 anos e chegavam ao terceiro e último jogo a depender apenas de um empate (isto se a Tunísia não ganhasse aos gauleses, claro) para chegar à próxima fase pela segunda vez na história. Desde 2010 que os australianos não ganhavam um encontro do Mundial e tudo aconteceu graças ao primeiro golo de alguém do segundo escalão do país onde joga. Era um pequeno passo, teria de ser um grande passo. Do outro lado, quase de uma forma meio escondida, estava a Dinamarca. Para quase todos, os escandinavos passariam o grupo à vontade com a França (a quem ganharam recentemente para a Liga das Nações). Para alguns, podiam até ser a surpresa da competição. Agora, corriam o risco de ficar de fora.

Tinha sido assim uma campanha assim tão má? Podia ser melhor mas não. O nulo frente à Tunísia não teve o condão de contar uma história onde foi a Dinamarca a estar sempre por cima com bolas no poste, grandes intervenções do guarda-redes contrário e um golo anulado pelo VAR. Na derrota com a França, a equipa teve uma falha coletiva após ter chegado ao empate e acabou por ficar sem pontos merecendo mais do que o zero. Agora chegava o grande teste ao conjunto que começou já a sua renovação mas que tinha nomes de peso acima dos 30 como Kasper Schmeichel, Martin Braithwaite ou Christian Eriksen. E o resultado terminou com um rotundo chumbo, com a Austrália a passar com uma enorme dose de demérito contrário.

O primeiro tempo mostrou que a Dinamarca era melhor mas que a Austrália é tudo menos uma equipa que não sabe o que está a fazer. Jensen, com um remate defendido por Mathew Ryan para canto após aparecer nas costas da defesa contrária, deixou o primeiro sinal de aviso (11′) antes de mais um remate com perigo mas ao lado de Skov Olsen após assistência de Braithwaite (14′). Ainda assim, sempre que os australianos chegavam ao último terço faziam-no com perigo, com pragmatismo e cientes de que podiam marcar como aconteceu nas tentativas de McGree (22′) e Duke (41′) para defesas de Kasper Schmeichel. Mesmo sem terem golos, os socceroos fizeram o suficiente para assustar e isso acabou por ter reflexo no jogo ofensivo da equipa dinamarquesa, que perdeu fluidez e arriscou menos perante o perigo de sofrer com as transições.

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A Dinamarca teria de mexer muita coisa para descalçar uma bota bem mais complicada do que à partida se poderia pensar. E nem era preciso ir à questão dos jogadores, bastava corrigir posicionamentos sem bola, dar outra velocidade ao seu jogo e ter outra intensidade na reação à perda para se instalar no meio-campo dos australianos. Ou seja, tudo o que não aconteceu. E foram mesmo os cangurus a dar o salto para a frente do marcador, numa grande jogada de Leckie que só terminou com o remate cruzado sem hipóteses para Kasper Schmeichel numa fase em que também a Tunísia tinha ganho vantagem frente à França (60′). Já com dois avançados em cunha (Dolberg e Cornelius), os dinamarqueses tentaram muito, conseguiram pouco ou nada e nunca tiveram a capacidade de reação suficiente para reagir à adversidade e fugir a um mau Mundial.

A(s) pérola(s)

  • São dois dos mais velhos, são dos mais conhecidos, foram os dois mais importantes no jogo da Austrália frente à Dinamarca. Primeiro brilhou Mathew Ryan – guardião de 30 anos que passou por Bélgica (Club Brugge e Genk) e Espanha (Valencia) até chegar à Premier League (Brighton e Arsenal), voltar a Espanha (Real Sociedad) e estar hoje no Copenhaga – a segurar a equipa nas oportunidades iniciais da Dinamarca, depois apareceu Mathew Leckie (que passou por B. Mönchengladbach, Ingolstad e Hertha Berlim antes de regressar à Austrália) com um grande golo que fez a diferença no encontro.

O joker

  • Aaron Mooy, médio de 32 anos que passou pela Premier League, teve uma experiência de dois anos na China e voltou no último verão à Europa para representar o Celtic na Champions, foi um daqueles heróis improváveis que surgem na sombra sem que ninguém lhes consiga colocar a vista em cima mas com uma importância fulcral a segurar o meio-campo, a fazer compensações defensivas e a ter uma atitude guerreira que se tornou depois transversal a toda a equipa sobretudo a partir da vantagem.

A sentença

  • O grupo D teve o final mais improvável possível na última jornada que acabou com a qualificação da Austrália para os oitavos: a Tunísia ainda ganhou à França (com algumas poupanças à mistura) fazendo a sua parte do trabalho, os socceroos surpreenderam a Dinamarca com mais vitória e chegaram pela segunda vez na história à fase a eliminar do Campeonato do Mundo. A única equipa europeia do grupo fica para já com o “prémio” de grande desilusão da prova e Kasper Hjulmand está em risco.

A mentira

  • Muitos adeptos que têm chegado ao Qatar nos últimos dias para ver a sua seleção perceberam que existe possibilidade de comprar bilhetes para outros encontros, algo que não costumava acontecer noutras edições porque entre as equipas em jogo e o público do país anfitrião voava tudo. Assim, de forma natural, tentam a sua sorte através das plataformas que existem para o efeito sendo que agora parece ser complicado encontrar bilhetes havendo a possibilidade de haver uma venda ou “troca” de proprietário do ingresso caso seja alguém conhecido. O que se viu no Estádio Al Janoub? Um recinto com vários lugares por preencher que desta vez nem mesmo depois do intervalo conseguiu disfarçar a coisa…