Um dos protagonistas do movimento estudantil de Tiananmen em 1989 disse hoje que os jovens chineses saíram à rua não para exigir democracia, ou mais liberdade, mas sim para “lutar por uma vida melhor”.

Em Tóquio, Wang Dan admitiu que os recentes protestos contra as rígidas restrições de prevenção e controlo da covid-19 “trouxeram à memória” as manifestações pró-democracia na praça Tiananmen, em Pequim, reprimidas pelo exército em 04 de junho de 1989.

No entanto, o dissidente no exílio sublinhou que os jovens chineses não estão preocupados com “ideias abstratas, como direitos humanos ou democracia”, mas “foram obrigados a lutar por uma vida melhor” face à “estagnação económica”.

Os manifestantes acusam Pequim de não traçar um caminho de saída da política ‘zero covid’, que implicou confinamentos forçados de milhões de pessoas, afetando profundamente a economia.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Wang disse, num fórum do clube de correspondentes estrangeiros do Japão, que a principal exigência dos protestos é “uma mudança sistémica”: o afastamento do líder, Xi Jinping, ou uma reforma do Partido Comunista Chinês, que governa o país desde 1949.

As manifestações começaram no fim de semana, na sequência da morte de dez pessoas num incêndio, em Urumqi, capital de Xinjiang, cujo socorro foi alegadamente prejudicado pelas medidas restritivas à circulação na região do noroeste da China.

Mas para o dissidente, os protestos surgiram porque a classe média, “o maior apoio do Partido Comunista nos últimos 30 anos”, já estava “muito desiludida com as políticas de Xi Jinping” e “perdeu a esperança” com a reeleição do líder para um terceiro mandato, em outubro.

Com as restrições impostas devido à pandemia, os chineses “perceberam que nem eles, nem a sua propriedade, nem o seu dinheiro estão seguros”, defendeu Wang. “Foi por isso que tantos começaram a fugir da China. Os que não podem fugir vieram agora para as ruas”, acrescentou.

Em junho, o termo chinês ‘runxue’, ou “planear a fuga”, tornou-se viral nas redes sociais do país, com muitos chineses a demonstrarem vontade de emigrar, devido à crise no imobiliário e à política ‘zero covid’.

Na quarta-feira, as autoridades levantaram parcialmente as restrições em várias zonas das cidades de Cantão (sudeste) e Zhengzhou (centro-leste), apesar de a China ter registado nas últimas 24 horas o maior número de novas infeções desde o início da pandemia: cerca de 35.800.

Wang Dan disse acreditar que o Governo vai “primeiro tentar acalmar a situação, mas apenas a curto prazo. Assim que os estudantes voltarem a casa, a política irá regressar e novos protestos poderão acontecer”.

Na terça-feira, universidades chinesas ordenaram aos estudantes que regressem a casa, alegadamente para os proteger do novo coronavírus.

O dissidente disse recear que, em caso de novos protestos, Xi Jinping irá usar o exército para “uma repressão brutal”, semelhante à de 1989, usando como “desculpa” uma alegada influência de “forças externas”.

Pequim acusou os manifestantes de trabalharem para “forças estrangeiras”, uma referência às alegações de longa data de que Washington e outros governos ocidentais tentam sabotar a ascensão económica e política da China.

Ainda assim, Wang Dan disse acreditar que o país “está a entrar numa nova era”. Os protestos “continuam, sobretudo na Internet”, graças a jovens que “aprenderam as lições” do movimento pró-democracia em Hong Kong, em 2019, disse.

Em comparação com 1989, o regime de Pequim tem agora “mais ferramentas de repressão”, lembrou o dissidente chinês, para sublinhar: “os jovens chineses são muito, muito mais corajosos do que nós”.