Quase sete em cada dez crianças que estiveram internadas com a síndrome inflamatória multissistémica, uma manifestação rara e grave da Covid-19, no Hospital D. Estefânia, eram previamente saudáveis, revela um estudo divulgado esta sexta-feira na revista Ata Médica.

O estudo observacional e descritivo decorreu entre abril de 2020 e abril de 2021 e teve como objetivo descrever as características das crianças hospitalizadas no hospital pediátrico D. Estefânia, em Lisboa, com a síndrome inflamatória multissistémica (MIS-C).

Para isso, foram analisados dados demográficos, clínicos, exames de diagnóstico e terapêutica, as complicações e as sequelas da doença.

Entre outras conclusões, o estudo conclui que, embora não tenha sido registada qualquer morte entre os 45 doentes com MIS-C internados no D.Estefânia, a maioria esmagadora (90,4%) dos 21 doentes avaliados seis meses após a alta apresentou diminuição da tolerância ao esforço e 53,3% uma lesão cardíaca persistente.

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“De facto, observámos várias sequelas cardíacas, físicas e psicológicas e, por essa razão, é importante salientar que estes doentes devem ter um longo acompanhamento, com especial enfoque no envolvimento cardíaco, uma vez que é uma marca registada do MIS-C”, realçam os investigadores.

Dos 312 doentes hospitalizados com infeção por SARS-Cov-2, que provoca a Covid-19, neste período no hospital pediátrico, 45 tinham MIS-C (14,4%), refere o estudo realizado pelos pediatras Maria João Brito, Joana Vieira de Melo, Tiago Silva, Rita Valsassina e Catarina Gouveia.

A infeção por SARS-CoV-2 foi confirmada por teste de diagnóstico (RT-PCR) ou serologia em 77,8% dos doentes e 73,3% tinham um contexto epidemiológico ligado à Covid-19.

“Tal como em relatórios anteriores, encontramos uma idade média semelhante (sete anos), ligeira predominância de doentes do sexo masculino (68,9%), e a maioria dos doentes eram anteriormente saudáveis (68,9%)”, refere o estudo publicado na revista Ordem dos Médicos.

Os sintomas mais comuns na admissão hospitalar foram febre (100%), seguida de dor abdominal (60%), vómitos (53,3%), erupção cutânea (48,9%) e hiperemia conjuntival bilateral (28,9%).

Os autores do estudo referem que foi observado “um amplo espetro” de apresentação da doença num grupo de doentes previamente saudável, na sua maioria.

Todos os doentes tiveram febre e envolvimento multiorgânico: hematológico (100%), cardiovascular (97,8%), gastrointestinal (97,8%), mucocutâneo (86,7%), respiratório (26,7%), neurológico (15,6%) e renal (13,3%).

“O envolvimento neurológico e respiratório ocorreu nos doentes mais graves”, frisa o estudo, indicando que 13 doentes (28,8%) necessitaram de cuidados intensivos.

No entanto, sublinha, mesmo estes doentes tiveram “um bom resultado a curto prazo”, não tendo sido registada nenhuma morte.

Segundo o estudo, a duração média desde o início dos sintomas até à admissão no hospital foi de seis dias, “um longo período de tempo considerando a potencial gravidade da doença”, sublinham.

Segundo os investigadores, estes dados permitem concluir que esta síndrome nem sempre é reconhecida, dada a possibilidade de uma apresentação mais suave, mas, afirmam, “em qualquer caso, esta síndrome tem consequências potencialmente graves e deve motivar um acompanhamento atento e uma hospitalização”.

“O diagnóstico da MIS-C é um desafio na prática clínica atual e requer um elevado nível de suspeição pois o início atempado de terapêutica é fundamental para prevenir complicações”, defendem.

No entanto, não existe ainda consenso científico sobre a melhor terapêutica e seguimento destes doentes.

“O MIS-C é uma condição grave associada a uma infeção por SARS-CoV-2 e ainda são necessárias provas para esclarecer os vários aspetos desta síndrome”, argumentam.