Há um novo “melhor filme de sempre”. O barómetro atualizado da revista Sight and Sound, publicada pelo British Film Institute (BFI), coroou “Jeanne Dielman, 23 quai du Commerce, 1080 Bruxelles” (1975) como o melhor filme de todos os tempos.

A escolha causou surpresa junto da comunidade cinéfila que tentava antecipar a lista considerada das mais importantes das grandes obras do cânone do cinema, desde logo porque é publicada apenas uma vez a cada dez anos. A primeira edição data de 1952 e, de lá para cá, a BFI colhe os votos dos mais influentes críticos e profissionais de cinema de todo o mundo para elaborar a lista.

Nome pouco conhecido da generalidade do público, “Jeanne Dielman” nunca teve lançamento comercial em Portugal (sendo posteriormente exibido várias vezes na Cinemateca Portuguesa). O filme da cineasta francesa Chantal Akerman é, no entanto, uma aclamada obra do cinema arthouse. Com uma duração de 200 minutos, não tem uma narrativa comercial, sendo antes uma obra observacional sobre o dia-a-dia de uma viúva burguesa, mãe de um adolescente. Em 2012 estreou-se pela primeira vez na lista da Sight and Sound, ocupando na altura a 35.ª posição, e tomando dez anos depois a liderança.

A obra de Chantal Akerman é a quarta a ocupar a posição de topo na lista da Sight and Sound desde que foi publicada pela primeira vez em 1952. Nessa primeira ocasião, a escolha recaiu sobre “Ladrões de Bicicletas” (1948), de Vittorio de Sica, referência do neorrealismo italiano; dez anos depois, em 1962, foi a vez de “O Mundo a Seus Pés” (1941), de Orson Welles ascender ao trono, posição que manteve durante meio século até que, em 2012, foi substituído por “A Mulher Que Viveu Duas Vezes” (1958), de Alfred Hitchcock.

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Os filmes de Hitchcock e Welles ocupam, respetivamente, o segundo e terceiro lugares do pódio nesta nova atualização.

Orson Welles in Citizen Kane, 1941

“O Mundo a Seus Pés” (1941), de Orson Welles, foi durante 50 anos o n.º 1 consensual da lista da Sight and Sound, até ser destronado em 2012.

Um total de 1639 personalidades, entre críticos, distribuidores, académicos e escritores foram inquiridos. Cada um contribuiu com um top 10 em função da história cinematográfica, sentido estético, e impacto dos filmes a nível pessoal. A junção dos votos serviu depois para elaborar a lista dos 100 melhores filmes de todos os tempos.

O britânico Hitchock e o francês Jean-Luc Godard são os cineastas mais representados na lista, com quatro filmes cada. Seguem-se os americanos Stanley Kubrick, Billy Wilder e o russo Andrei Tarkovsky, cada um com três filmes.

De resto, a votação de 2022 trouxe consigo grandes alterações à ordem da lendária lista. No seguimento da sua publicação, várias vozes fizeram notar a predominância de filmes de língua não-inglesa (com 64 das 100 escolhas oriundas fora dos Estados Unidos). Por outro lado, a presença de mulheres e minorias étnicas aumentou: são agora sete os filmes de cineastas negros contra apenas um em 2012, e 11 de mulheres (incluindo “Jeanne Dielman”), em comparação com os dois que marcaram presença na última lista.

A escolha de filmes mais modernos também aumentou, incluindo a presença de quatro filmes lançados na última década: “Get Out” (2017), de Jordan Peele; “Parasitas” (2020), de Bong Joon-ho; “Moonlight” (2016), de Barry Jenkins; e “Retrato de Uma Rapariga em Chamas” (2019), de Céline Sciamma que, desta lista, tem a posição mais alta na tabela (30.º).

Ao mesmo tempo, foram vários os filmes tidos como clássicos a ficar fora do top 100. Entre estes destaca-se Lawrence da Arábia (1962), de David Lean (que chegou, em 2002, a ocupar o 4.º lugar); O Padrinho – Parte II (1974) de Francis Ford Coppola; várias obras de Ingmar Bergman como “O Sétimo Selo” (1957), “Morangos Silvestres” (1957) e “Fanny e Alexandre” (1982); “Touro Enraivecido” (1980) de Martin Scorsese; ou “Pulp Fiction” (1994), de Quentin Tarantino.

Em sentido oposto, entraram no barómetro de 2022 obras como “Os Sapatos Vermelhos” (1948), de Michael Powell e Emeric Pressburger; “Tudo Bons Rapazes” (1990), de Martin Scorsese; “Duas Horas na Vida de Uma Mulher” (1962), de Agnès Varda; “Não Dês Bronca” (1989), de Spike Lee; “O Piano” (Austrália, 1993), de Jane Campion; “O Apartamento” (1960), de Billy Wilder; “Wanda” (1970), de Barbara Loden; “The Shining” (1980), de Stanley Kubrick; “Febre Tropical (2004), de Apichatpong Weerasethakul; e “Chungking Express” (1994), de Wong Kar-wai.

Confira a lista dos 10 melhores filmes de todos os tempos para os especialistas inquiridos pela Sight and Sound:

  1. “Jeanne Dielman, 23 quai du Commerce, 1080 Bruxelles” (1975), de Chantal Akerman
  2. “A Mulher Que Viveu Duas Vezes” (1958), de Alfred Hitchcock
  3. “O Mundo a Seus Pés” (1941), de Orson Welles
  4. “Viagem a Tóquio” (1953), de Yasujiro Ozu
  5. “Disponível Para Amar” (2000), de Wong Kar-wai
  6. “2001 – Odisseia no Espaço” (1968), de Stanley Kubrick
  7. “Beau Travail” (1999), de Claire Denis
  8. “Mulholland Drive” (2001), de David Lynch
  9. “O Homem da Câmara de Filmar” (1928), de Dziga Vertov
  10. “Serenata à Chuva” (1952), de Stanley Donen

Paralelamente à votação principal, o BFI convidou ainda mais de 400 realizadores de todo o mundo a compilar a sua lista dos melhores filmes de sempre. Neste barómetro, que se realiza desde 1992, o filme “2001 – Odisseia no Espaço” (1968), de Stanley Kubrick, surge no topo, sendo seguido por “O Mundo a Seus Pés” de Welles, e por “O Padrinho” (1972), de Francis Ford Coppola.

2001: A Space Odyssey

“2001 – Odisseia no Espaço” (1968), de Stanley Kubrick, surge no topo da lista dos realizadores.

Confira a lista dos 10 melhores filmes de todos os tempos para os realizadores inquiridos pela Sight and Sound:

  1. “2001 – Odisseia no Espaço” (1968), de Stanley Kubrick
  2. “O Mundo a Seus Pés” (1941), de Orson Welles
  3. “O Padrinho” (1972), de Francis Ford Coppola
  4. “Viagem a Tóquio” (1953), de Yasujiro Ozu
  5. “Jeanne Dielman, 23 quai du Commerce, 1080 Bruxelles” (1975), de Chantal Akerman
  6. “A Mulher Que Viveu Duas Vezes” (1958), de Alfred Hitchcock
  7. “Fellini 8½” (1963), de Federico Fellini
  8. “O Espelho” (1975), de Andrei Tarkovsky
  9. “Persona” (1966), de Ingmar Bergman
  10. “Disponível Para Amar” (2000), de Wong Kar-wai