De um lado, uma geração inteira à procura de voltar à glória de outros tempos. Do outro, um país inteiro à procura de se apaixonar por um futebol em que a bola é redonda e não oval. Países Baixos e Estados Unidos davam o pontapé de saída nos oitavos de final do Mundial do Qatar, depois de os primeiros terem sido líderes no Grupo A e os segundos terem ficado na segunda posição do Grupo B, e definiam a primeira seleção apurada para os quartos de final.

Os Países Baixos venceram Senegal e Qatar na fase de grupos, empatando apenas com o Equador, enquanto que os Estados Unidos empataram com o País de Gales e Inglaterra antes de vencer o Irão. No Estádio Internacional Khalifa, este sábado e apenas um dia depois de terem ficado decididos os últimos emparelhamentos dos oitavos de final, encontravam-se — e tanto Van Gaal como Gregg Berhalter tinham noção da dificuldade do obstáculo.

“Eles têm uma equipa excelente, diria até que têm uma das melhores equipas. Vai ser um jogo difícil mas não é nada que não possamos ultrapassar, também temos uma boa equipa. Mas não quero subestimar os Estados Unidos. Acho que são um exemplo daquilo que é uma boa equipa. Existem várias seleções que se apuraram que não são boas equipas mas que têm qualidade individual”, explicou o selecionador neerlandês.

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Já Gregg Berhalter, que reencontrava um futebol que bem conhece — jogou seis anos nos Países Baixos nos anos 90 –, olhava para a eliminatória como uma “boa oportunidade”. “Mas não é uma coisa para a qual olhamos como se fosse uma grande honra. Merecemos estar na posição em que estamos. E queremos continuar. Não queremos voltar para casa no sábado. A partir daqui, tudo pode acontecer. Tudo o que temos de fazer é jogar um jogo de cada vez. Nem sequer existe a necessidade de projetar até onde é que esta equipa pode ir”, indicou o treinador norte-americano.

Ora, neste contexto, Van Gaal voltava a dar a titularidade a Depay e colocava Klaassen e Gakpo também no ataque, deixando Berghuis e Bergwijn no banco. Já Berhalter, que tinha Pulisic recuperado depois de um susto no último jogo da fase de grupos, lançava o avançado do Chelsea e também Jesús Ferreira e Tim Weah na ausência de Josh Sargent, que se lesionou. Pulisic teve a primeira grande oportunidade do jogo, ao aparecer a rematar na cara de Noppert mas permitindo a defesa do guarda-redes do Heerenveen (3′), mas depressa a eficácia neerlandesa foi colocada em prática.

Na conclusão de uma grande jogada de transição ofensiva, com Dumfries a receber no corredor direito para depois cruzar atrasado para a grande área, Depay apareceu sem oposição a rematar de primeira para abrir o marcador (10′). Os Estados Unidos procuraram reagir à desvantagem ao longo de toda a primeira parte, com Weah a ter a melhor ocasião com um pontapé forte de fora de área que Noppert afastou (43′), mas a frieza dos Países Baixos regressou já nos descontos. Dumfries voltou a desequilibrar na direita, voltou a cruzar rasteiro e atrasado e Blind, também de primeira, atirou para aumentar a vantagem (45+1′) e colocar os neerlandeses a vencer confortavelmente ao intervalo.

Van Gaal lançou Bergwijn e Koopmeiners ao intervalo, Berhalter apostou em Gio Reyna e o resultado — entre a insistência norte-americana e o calculismo neerlandês, que tinha como objetivo jogar no erro do adversário e aproveitar deslizes para soltar o contra-ataque — só voltou a alterar-se já no último quarto de hora. Os Estados Unidos reduziram por intermédio de Wright, que desviou um cruzamento de Pulisic (76′), e Dumfries acrescentou um golo às duas assistências para fechar as contas já perto do fim (81′).

Os Países Baixos venceram os Estados Unidos e tornaram-se a primeira seleção apurada para os quartos de final do Mundial do Qatar, ficando agora à espera do vencedor do duelo entre Argentina e Austrália para saber quem encontram na próxima ronda. Já os norte-americanos apresentaram ao mundo uma nova geração que vai estar no próximo Campeonato do Mundo, disputado em casa, no Canadá e no México, e deixaram claro que este país já conhece melhor o futebol que se joga com a bola redonda e não com a bola oval.

A pérola

  • De forma quase inevitável, Denzel Dumfries. O lateral do Inter Milão, que tem passagens pelo Sparta Roterdão, pelo Heerenveen e pelo PSV, fez as duas assistências para os dois primeiros golos dos Países Baixos com movimentos semelhantes pelo corredor direito e ainda colocou a cereja no topo do bolo com o terceiro golo que fechou as contas. Aos 26 anos, Dumfries tem sido dos elementos mais constantes da seleção de Louis van Gaal e foi o principal desequilibrador a desmontar a defesa norte-americana.

O joker

  • Mais uma vez, Memphis Depay. O avançado do Barcelona, que já tinha sido titular contra o Qatar, voltou a integrar o onze inicial dos Países Baixos contra os Estados Unidos e regressou aos golos três meses depois para se tornar o segundo melhor marcador da história neerlandesa. Depay chegou ao Mundial limitado fisicamente, foi apenas suplente utilizado nas duas primeiras jornadas da fase de grupos mas parece estar a recuperar ritmo, intensidade e até o golo — e é claramente um reforço para as próximas eliminatórias.

A sentença

  • O sonho teria de chegar ao fim e o fim foi nos oitavos de final. Depois de uma fase de grupos muito positiva, com a conquista do apuramento em detrimento do Irão e do País de Gales, os Estados Unidos não conseguiram responder à superioridade dos Países Baixos e caíram ao quarto jogo no Qatar. A seleção de Gregg Berhalter, que nunca desistiu do resultado e sofreu o terceiro golo numa altura em que procurava o empate, demonstrou algum do melhor futebol que se viu no Campeonato do Mundo e é um conjunto a ter em conta nos próximos anos.

A mentira

  • Van Gaal foi acusado pelos jornalistas dos Países Baixos de produzir um futebol “aborrecido” e a partida dos oitavos de final contra os Estados Unidos mostrou que esta seleção é tudo menos aborrecida. Os neerlandeses têm vertigem, principalmente pelos corredores e através da velocidade de Dumfries da direita e da profundidade de Gakpo, e chegam muito perto da perfeição sempre que lançam o contra-ataque. Jogam no erro do adversário quando em vantagem, é certo — mas a qualidade demonstrada do meio-campo para a frente não aborrece ninguém.