Apesar de usar frequentemente um discurso religioso para chamar um eleitorado católico, o partido Chega é menos bem sucedido do que o PSD e o CDS a atrair os crentes, de acordo com dois estudos do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS) citados este domingo pelo jornal Público.

A comparação entre os eleitorados do Chega e do PSD foi feita pela politóloga Marina Costa Lobo e surge num artigo intitulado “O puzzle eleitoral do PSD”. Uma das principais conclusões desse estudo é a de que os eleitores do PSD são mais religiosos do que os do Chega.

O estudo conclui também que quanto mais religiosa for uma pessoa, maior é a probabilidade de votar num partido de direita — e que as classes altas, os proprietários e os gestores também têm maior probabilidade de votar no PSD.

No mesmo sentido, um outro artigo científico, intitulado “Ainda não Chega? O potencial eleitoral de um partido populista de direita radical em Portugal”, da autoria dos investigadores Lea Heyne e Luca Manucci, também do ICS, conclui que o eleitorado do Chega é menos religioso não apenas do que o do PSD, mas também do que o do CDS.

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Ambos os estudos foram feitos com base em inquéritos pós-eleitorais do ICS (o de 2019 no caso de Heyne e Manucci; o de 2022 no caso de Marina Costa Lobo).

As conclusões destes dois estudos contrastam com as frequentes declarações de André Ventura destinadas a atrair um público religioso e conservador. Em dezembro de 2020, por exemplo, o líder do Chega chegou mesmo a afirmar que a sua missão política era divina. “Deus confiou-me a difícil mas honrosa missão de transformar Portugal”, escreveu Ventura no Twitter.

Questionado nessa altura, em entrevista ao Observador, sobre as invocações constantes de Deus, Ventura assegurou que a sua fé era “autêntica” e garantiu que não tinha “medo de falar de Deus”.

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“Para mim, ser cristão é um orgulho. Tanto é assim que defendo — e tenho dito isso no périplo europeu que tenho feito — que a Europa tem de ser de matriz cristã, é essa a nossa matriz civilizacional. Não tenho medo das palavras. Isso dá-me legitimidade, como líder político, para falar de Deus. Nós em Portugal perdemos isso de falar de Deus — e acho mal. Vou falar de Deus sempre que puder, sem que isso misture uma coisa com outra”, afirmou na altura André Ventura.

No ano anterior, a propósito das eleições europeias, quando o Patriarcado de Lisboa publicou (e depois apagou) uma mensagem nas redes sociais que foi vista como uma forma de apoio ao voto no Chega, André Ventura mostrou-se “contente” com o apoio.

“Ter o apoio dos cristãos, dos católicos, é um orgulho enorme, é só isso que posso dizer. A Igreja tem vindo cada vez mais, e o papa também o tem feito, a pedir que os cristãos tenham intervenção no espaço público. Não podemos estar sempre a dizer para ter intervenção, mas depois quando chega a épocas eleitorais queremos que as instituições cristãs e católicas estejam em silêncio”, disse o líder do Chega.

Noutra ocasião, a propósito da II Convenção do Chega, em Évora, André Ventura reconhecia novamente ao Observador a influência da religião no seu modo de fazer política e mostrava o pequeno altar com imagens de santos que tinha na pequena sala onde se preparou para os seus discursos.

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Em fevereiro de 2020, André Ventura chegou mesmo a ter uma audiência marcada com o cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, mas o gabinete do cardeal cancelou a audiência em cima da hora — numa altura em que André Ventura estava sob fogo devido à polémica dos insultos racistas ao ex-futebolista do FC Porto Moussa Marega. À época, Ventura preparava-se para se apresentar como candidato às eleições presidenciais de 2021 e queria apresentar os seus cumprimentos a D. Manuel Clemente nessa qualidade, bem como discutir o tema da eutanásia, na época em debate no Parlamento.

No mesmo ano, a revista Visão publicou um longo artigo sobre as relações entre André Ventura e algumas igrejas evangélicas portuguesas, que supostamente estariam a usar a sua rede de implantação e os seus pastores para fazer campanha pelo Chega.

Agora, os dois estudos do ICS, que foram apresentados numa conferência científica realizada no final de novembro, mostram que os eleitores do PSD e do CDS são mais religiosos do que os de Chega. Ao jornal Público, os autores dos estudos explicaram que entre os motivos que podem explicar esta realidade encontram-se o facto de o eleitorado do Chega ser mais jovem (e por isso menos religioso) e ter uma falta de identificação partidária com a direita.

O estudo de Lea Heyne e Luca Manucci e concluiu também que o partido de André Ventura obteve os votos de uma parte do eleitorado que, até aqui, pertencia à abstenção.