Enviado especial do Observador em Doha, no Qatar

Sofreu a Espanha, sofreu Portugal, sofreu o Brasil, sofreu a França – sendo que, contas feitas, só mesmo os espanhóis saíram prejudicados com isso descendo ao segundo lugar. A rotação de jogadores que se tornou quase uma obrigação nas equipas tendo em conta o calendário de jogos intensos de quatro em quatro dias não trouxe propriamente os melhores resultados para os conjuntos que ganharam os dois encontros iniciais do Mundial (nenhuma ganhou) mas, no caso dos gauleses, era uma forma de colocar em ação jogadores que terão bem mais oportunidades de ganhar minutos nesta prova do que teriam antes das lesões. Para eles e para todos, era fase do reset. E se uma derrota era o fim para Ronaldo, Messi e até talvez Neymar (embora o brasileiro ainda possa fazer mais um assim as lesões o permitam), também era para Lewandowski.

Dificilmente o avançado poderia ter um Mundial até ao momento tão ausente sendo apenas vítima perante a culpa da equipa e do que nunca fez. Do nulo com o México à derrota com a Argentina, sobrou a vitória meio tremida com a Arábia Saudita sem que nem aí a exibição fosse deslumbrante. Problema? A forma como a equipa se sentia mais confortável para controlar os jogos era sem bola, com linhas juntas e a defender bem. Era quase como se ter um dos melhores jogadores do mundo como avançado fosse uma finta geracional que a estratégia não conseguia travar. Após as críticas, era a isso que o sucessor de Paulo Sousa no comando, Czeslaw Michniewicz, tentava contrariar a tendência da fase de grupos contra a campeã em título.

Esse era o grande problema de uma Polónia que conseguiu jogar mais do que até aqui. E esse era o grande problema de Lewandowski, que do outro lado da barricada tinha um candidato não só ao título coletivo mas também ao individual: Kylian Mbappé. As histórias à volta do avançado do PSG continuam, desta vez por um boicote a tudo o que seja entrevistas e conferências com a Federação Francesa de Futebol a pagar as multas que vão caindo em catadupa, mas aquilo que joga vale o dinheiro para uma equipa de Deschamps que voltou a subir o nível antes das decisões mais a sério num Mundial em que parte como campeã. Se todos perguntavam onde andava o avançado do PSG para não falar aos jornalistas, ele explicou bem onde está.

O primeiro tempo começou com muito mais França, a ter capacidade de chegar à área contrária pelo meio e pelas laterais e a ter muito remate na baliza. Varane de cabeça ao lado após bola parada (4′), Tchouameni de meia distância a obrigar Szczesny a defesa apertada para canto (13′), Dembelé depois de um bom trabalho individual da direita para o meio em diagonal à figura do guarda-redes polaco (17′), o próprio Koundé para o guardião da Juventus (22′). À exceção de Griezmann, toda a equipa gaulesa fazia o que era necessário para se fixar na frente, com os dois centrais a fixarem na zona do meio-campo a fazer um jogo de baliza única.

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Nesse momento, bastou um remate de Lewandowski a rasar o poste não numa jogada coletiva ou individual mas numa segunda bola perto da área para o encontro começar a mudar de feições. Ainda houve o falhanço de Giroud depois da melhor jogada francesa a passar por Griezmann, Mbappé e Dembelé até ao desvio com um ligeiro atraso de posicionamento que saiu ao lado (30′) e um lance em que Szczesny defendeu para canto um remate de Mbappé vindo da esquerda para o meio mas a fintar por fora (35′) mas a grande oportunidade foi dos polacos, com Hugo Lloris a defender um remate na passada na área de Zielisnki sem oposição e a recarga de Frankowski cortada perto da linha (37′). A bola não entrou aí, entrou depois… na outra baliza: grande assistência de Mbappé à entrada da área e remate cruzado de Giroud para o 1-0 (44′).

O segundo tempo deveria em condições normais ter uma Polónia ainda mais competitiva para evitar uma nova derrota e a eliminação mas nem mesmo com as substituições o conjunto melhorou e acabou por ser a França a encaminhar-se de forma quase tranquila para a vitória mais concludente deste Mundial, com Giroud a ver um golo anulado por interrupção prévia antes do remate final por falta sobre o guarda-redes (66′) antes de Mbappé marcar dois grandes golos sem hipóteses para Szczesny (74′ e 90+1′) que não só carimbaram o triunfo antes do tento de honra de Lewandowski de grande penalidade no último lance da partida como o colocaram como melhor marcador do Mundial já com cinco golos em quatro jogos.

A pérola

  • Quando aparece descaído na esquerda numa transição em velocidade a conduzir bola no pé, Mbappé pode não ser indestrutível mas não andará longe disso. Aí, desequilibra como mais nenhum. Ainda assim, o avançado é muito mais do que isso, com dois golos e uma assistência que premiaram aquilo que o pode colocar ainda mais na história dos Mundiais: joga, faz jogar, arrisca 1×1, tem especial apetência para tornar cada remate uma oportunidade de golo e sente-se cada vez mais confortável ao assumir um papel de maior liderança sem braçadeira perante as ausências por lesão.

O joker

  • Giroud cometeu algo inédito que se transformou quase numa proeza não sendo o dado mais simpático ou apelativo do mundo: sagrou-se campeão do mundo em 2018 sem ter feito um único remate à baliza mesmo sendo o 9 da equipa. Assistiu, abriu espaços, trabalhou, combinou com os companheiros, deu asas a Mbappé e Griezmann pela forma de jogar ao prender os centrais contrários, só não marcou nem fez tentativas enquadradas. Agora, aos 36 anos, sem Benzema no lote por lesão, o avançado do AC Milan está a mostrar que também sabe fazer mais do que isso e já vai nos três golos só este Mundial, sendo que o último valeu ainda o dado histórico de se ter tornado no melhor marcador de sempre da seleção.

A sentença

  • Com este triunfo, confirmando a superioridade teórica pela terceira vez nos oitavos, a França já garantiu presença nos quartos onde irá defrontar a Inglaterra ou Senegal, que se defrontam esta noite no Estádio Al Bayt. Já a Polónia vai eliminada com uma vitória, um empate e duas derrotas e um outro ponto que é a maior deceção neste torneio: só marcou golos em dois jogos, neste caso de penálti.

A mentira

  • Lewandowski é conhecido de todos, Milik é um daqueles avançados que não engana, Piatek também é sempre um perigo, Swiderski é um jogador num bom momento. Era no ataque que a Polónia podia ter procurado as suas unidades diferenciadoras tamanha a quantidade e qualidade de opções mas o facto de Michniewicz jogar sempre apenas com uma unidade na frente deixou a equipa muito abaixo do que podia fazer e, pior, deixou o número 9 do Barcelona sozinho contra o mundo na frente de ataque (a questão da assistência no estádio voltou a ser a mentira repetida mas já nem vale a pena falar disso…).