Depois de ter sido expulso da magistratura do Ministério Público (pena disciplinar que ainda não transitou em julgado), Orlando Figueira deverá ser preso nas próximas semanas para cumprir uma pena de seis anos e oito meses, sendo que um dos crimes dados como provados é o de corrupção passiva para ato ilícito. Isto é, a  Justiça portuguesa deu como provado que Figueira foi corrompido por Manuel Vicente, então presidente da Sonangol e futuro vice-presidente de Angola.

Fonte oficial do Tribunal Constitucional (TC) confirmou ao Observador que o último recurso apresentado por Figueira foi rejeitado liminarmente, tendo sido emitida a nota de trânsito em julgado do acórdão condenatório da primeira instância no dia “21 de novembro de 2022”.

Operação Fizz. Relação de Lisboa confirma condenação de Orlando Figueira a prisão efetiva

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A mesma fonte confirmou ainda que os autos baixaram à Relação de Lisboa no dia 29 de novembro.

O TC apreciou no seu acórdão n.º 737/22, datado de 4 de novembro de 2022, uma reclamação para a conferência de Orlando Figueira por anteriormente o mesmo tribunal ter rejeitado liminarmente um recurso de Orlando Figueira sobre alegadas inconstitucionalidades no “acórdão do Tribunal de Relação de Lisboa de 24 de novembro de 2021” que, apesar de ter dado razão Figueira em alguns pormenores “inócuos”, confirmou a pena de prisão de 6 anos e 8 meses aplicada pela primeira instância.

Ou seja, a Relação de Lisboa deu como provados a prática dos crimes de corrupção passiva, branqueamento de capitais, violação do segredo de justiça e falsificação de documento.

O relator do acórdão n.º 737/22, o conselheiro António Ascensão Ramos, optou por “confirmar a decisão reclamada, mantendo a decisão de não-admissão do recurso de constitucionalidade”.

Desembargadora aceita novo recurso após nota de trânsito em julgado

Após a publicação da notícia do Observador, fonte do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) informou que  tinha sido admitido naquele tribunal um novo recurso de Orlando Figueira.

Efetivamente, a desembargadora Leonor Silveira Botelho, relatora do acórdão de 24 de novembro de 2021 que confirmou a pena de prisão aplicada a Figueira, admitiu um novo recurso “com efeito suspensivo” no dia 2 de dezembro de 2022, lê-se no despacho a que o Observador teve acesso.

Ou seja, 11 dias após o TC ter emitido nota de trânsito em julgado e apenas três dias após o Constitucional ter enviado os autos com nota de trânsito em julgado do acórdão condenatório, a desembargadora Silveira Botelho aceitou um novo recurso — e logo com “efeito suspensivo”.

O problema é que este novo recurso de Orlando Figueira não tem por objeto o acórdão do TRL que confirma a condenação — e que, segundo o Tribunal Constitucional, já transitou em julgado —, mas sim um segundo acordão da Relação de Lisboa, também da autoria de Silveira Botelho, que rejeitou nulidades que Orlando Figueira tinha arguido sobre a decisão de 24 de novembro de 2021 que confirmou a sua pena de prisão.

Acresce que, de acordo com o despacho da desembargadora Silveira Botelho, este novo recurso deu entrada no dia 3 de julho de 2022 com a “ref.ª 587460”. Mas a a juíza só veio a admitir o mesmo nos autos no dia 2 de dezembro de 2022. Ou seja, cinco meses depois do recurso ter sido apresentado. E logo após o Constitucional ter emitido nota de trânsito em julgado do acórdão que confirma a pena de prisão de 6 anos e 8 meses a Orlando Figueira.

A corrupção de Manuel Vicente dada como provada

Orlando Figueira foi condenado em primeira instância a prisão efetiva por corrupção passiva, branqueamento de capitais, violação do segredo de justiça e falsificação de documento e cinco anos de proibição de exercer funções.

O acórdão condenatório da primeira instância dá como provado que Figueira recebeu mais de 760 mil euros do ex-vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, para o beneficiar nos processos que investigava no Departamento Central de Investigação e Ação Penal. A contrapartida foi, segundo a acusação das procuradoras Inês Bonina e Patricia Barão que foi dada como provada, um lugar de assessor jurídico do Banco Privado Atlântico, em Angola, para onde nunca chegou a ir.

O que levou à acusação de corrupção contra Manuel Vicente?

Para o Tribunal da Relação da Relação de Lisboa, que confirmou a sentença em novembro de 2021, ficou claro que esse contrato promessa de trabalho visava “dar uma aparência de legalidade ao pagamento a Orlando Figueira (…) que foi feito no âmbito do aludido acordo corruptivo e em troca do arquivamento dos inquéritos que visavam Manuel Vicente, a que Orlando Figueira efetivamente procedeu com manifesta violação dos deveres do cargo que desempenhava enquanto magistrado do Ministério Publico”, lê-se no acórdão que foi então citado pelo Observador.

Orlando Figueira ainda tentou arguir nulidades neste acórdão da Relação de Lisboa, mas tal requerimento foi rejeitado em junho de 2022. Depois dessa decisão, só lhe restava o caminho do Tribunal Constitucional, que foi fechado com a rejeição liminar do seu requerimento de alegação de várias inconstitucionalidades.

E Manuel Vicente?

Recorde-se que Manuel Vicente foi igualmente acusado pelas procuradores Inês Bonina e Patrícia Barão dos crimes dos crimes de corrupção ativa, branqueamento de capitais e falsificação de documento no âmbito da Operação Fizz.

Contudo, e como Manuel Vicente se recusou a vir a Lisboa para ser interrogado e constituído arguido, nunca chegou a ser constituído arguido nem notificado da acusação. A sua defesa, a cargo do advogado Rui Patrício, sempre alegou de que Vicente gozava de imunidade política e pediu a transferência dos autos para Angola em fevereiro de 2018.

Tribunal da Relação decide enviar processo de Manuel Vicente para Angola

Apesar de Vicente ter sido acusado enquanto presidente da petrolífera Sonangol — cargo que ocupada à data da corrupção dada como provada pela Justiça portuguesa —, certo é que o tribunal da primeira instância separou as imputações dirigidas a Manuel Vicente dos autos principais e, em maio de 2018, o Tribunal da Relação de Lisboa ordenou a transferência dos autos que diziam respeito a Vicente para a Justiça angolana.

A Relação de Lisboa deu tal ordem de transferência por considerar que se justificava em nome da boa administração da Justiça.

António Costa: “Único irritante” nas relações com Angola é uma questão “exclusivamente judicial”

Não há notícias de diligências processuais da Justiça angolana sobre a acusação do Ministério Público português que lhe foi transmitida sobre grande pressão pública do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa e do primeiro-ministro António Costa — no que ficou conhecido como o caso do irritante. 

Também João Lourenço, Presidente de Angola, pressionou a Justiça portuguesa, considerando uma “ofensa” a forma como Portugal lidou com o caso da Operação Fizz.

Títulos e texto alterados às 23h26m, tendo sido acrescentado texto sobre o acórdão n.º 737/22 do Tribunal Constitucional que confirma o acórdão condenatório de Orlando Figueira, além do subtítulo “Desembargadora aceita novo recurso após nota de trânsito em julgado”