O Partido Socialista (PS) de Esposende afirmou esta terça-feira que a câmara local sabia, desde 2019, dos riscos e da urgência de uma intervenção no local onde em novembro ocorreu um deslizamento de terras que matou dois jovens.

Em comunicado, o PS refere que em agosto de 2019 um morador de uma das casas situada na parte de baixo da encosta se queixou da queda de pedras nos quintais na sequência de uma moradia, com piscina, que entretanto começara a ser erigida no cimo do monte.

A 23 de novembro, um deslizamento de terras e pedras de grandes dimensões atingiu uma habitação em Palmeira de Faro, Esposende, provocando a morte de dois jovens de 22 anos.

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Após consultar o processo, o PS diz que a construção da moradia no cimo da encosta foi duas vezes indeferida, após parecer negativo da arquiteta municipal responsável pelo dossiê, por alegada violação do Plano Diretor Municipal (PDM), um parecer corroborado pelo então Chefe da Divisão de Gestão Urbanística (DGU).

Entretanto, acrescenta o PS, a câmara aprovou, com um voto contra, em 31 de janeiro de 2019, uma interpretação da autoria de um gabinete privado, sobre o artigo do PDM que os técnicos diziam que o projeto violava.

A arquiteta volta a dar parecer negativo, afirmando que a nova argumentação não tinha sentido e que o projeto continuava a violar o PDM, pelo que deveria ser indeferido.

Ainda segundo o PS, o chefe da DGU foi substituído e o projeto foi aprovado e o presidente da câmara, “de imediato”, deferiu-o.

Ou seja, para o projeto ser aprovado, coincidência ou não, foram precisas três tentativas, uma mudança de Chefe de Divisão e uma interpretação “encomendada” a um gabinete privado de um artigo do PDM”, referem os socialistas.

Segundo o PS, o alvará foi levantado na segunda metade de maio de 2019 “e, nessa altura, por fotografias disponíveis no Google Earth Pro, era possível constatar a existência de grande desmatação e movimentação de terras“.

“Em agosto de 2019, um vizinho de uma das casas situada abaixo queixou-se telefonicamente, aos serviços de fiscalização do município, da existência de queda de pedras nos quintais das casas situadas no nível inferior, tendo os serviços de fiscalização da Câmara dado informação disso mesmo”, acrescenta.

Foi solicitada a intervenção do serviço de proteção civil municipal, cujo responsável enviou, em agosto de 2019, um e-mail em que dava conta da existência de uma habitação em fase de construção no cimo da vertente e de que a situação da queda de inertes se ficou a dever à retirada de vegetação por elementos da empresa construtora.

Dizia ainda que, no decurso da avaliação presencial, se verificou “a existência de um bloco de dimensões consideráveis que apresenta uma fissura colocando em risco bens e pessoas no sopé da encosta”.

Nesse mesmo mês, foi feita uma vistoria, tendo a engenheira municipal referido a necessidade de “uma intervenção urgente, confirmando os riscos existentes”.

“Durante três anos, entre 2019 e 2022, os responsáveis camarários, a começar pelo seu presidente, que despachou diretamente o processo, sabiam dos riscos e da urgência de uma intervenção, pois estava em causa a segurança de pessoas e bens, como se encontra escrito preto no branco, em vários documentos do processo, quer pela arquiteta que sempre defendeu que o processo viola o PDM, quer pela engenheira que foi chamada para fazer a vistoria, quer pelo responsável pelos serviços de proteção civil municipais, quer pelos serviços de fiscalização. Em suma, por um elevado número de técnicos, que informaram os responsáveis políticos do município, incluindo o presidente da câmara”, vincam os socialistas.

Dizem ainda que a casa construída no topo da encosta “não tem licença de habitabilidade/ocupação” e que a piscina da mesma foi implantada em zona agrícola “e não onde se encontrava projetada”, sem que a Câmara alguma vez tivesse embargado a obra.

“É claro que a tragédia ocorrida foi uma fatalidade que os responsáveis autárquicos não estavam à espera que acontecesse. Mas tal não significa que não tivessem a obrigação de prever que podia ocorrer, tal o número de alertas ao longo de três anos, sem que nada tivesse sido feito. Foram mais de três anos. Não foram três dias, nem sequer três meses”, sublinha o PS.

O partido diz que há “responsabilidade política de quem exerce as funções autárquicas” e que os esposendenses “têm o direto de saber aquilo que até agora o presidente da Câmara escamoteou”.

A Lusa contactou a câmara, que disse que o presidente não quer fazer qualquer comentário. Um dia depois da derrocada, a autarquia decidiu proibir o acesso à zona afetada, o que implicou o realojamento dos moradores nas oito moradias ali existentes.

No sentido de aferir as condições de segurança e sustentabilidade dos terrenos da área afetada, o município entendeu ainda avançar com a realização de um estudo geotécnico, a desenvolver por técnicos da Universidade do Minho.